Jornal Estado de Minas

Às vésperas de sediar a Copa América, BH ainda tem hotéis planejados para 2014 com obras inacabadas



Cinco anos depois da Copa do Mundo e às vésperas de sediar outra competição de futebol – a Copa América –, Belo Horizonte tem ainda em sua paisagem esqueletos de hotéis que deveriam ter ficado prontos em 2014, a tempo de receber turistas vindos para o maior evento do esporte no planeta. Sete empreendimentos acumularam uma dívida de R$ 26,1 milhões com os cofres do município ao serem multadas por parar no meio do caminho. Outros seis conseguiram se livrar, por meio de recursos e apelações, de serem punidos também, apesar de não terem cumprido o dever de casa. Eles fazem parte de um grupo de 35 construções autorizadas a serem erguidas mediante benefícios e concessões feitas pelo poder público.


A Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU) explicou que, na época, não houve incentivo financeiro. Os benefícios ocorreram na forma de um coeficiente de aproveitamento específico (5), maior do que o válido para edificações com outras destinações. Como contrapartida, houve comprometimento por parte dos proprietários de inaugurar seus hotéis para a Copa e mantê-los em funcionamento por 10 anos.

Sem cumprir o acordo, os empreendimentos se tornaram alvo do ultimato feito pela Prefeitura de BH (PBH), que não quis nem conversa: multou, conforme previsto em 2010, quando foi lançada a operação para aumentar a quantidade de leitos na capital mineira. Dos 35 empreendimentos licenciados pela prefeitura da capital, 22 hotéis concluíram a obra e iniciaram as atividades nos prazos estipulados pela lei. A Operação Urbana de Estímulo ao Desenvolvimento da Infraestrutura de Saúde, de Turismo Cultural e de Negócios, para licenciamento dos empreendimentos, foi viabilizada por meio da Lei 9.952, de 2010.
Entre as exigências estava a conclusão da obra até 28 de fevereiro de 2014, garantia de início do funcionamento do hotel até 30 de março (três meses antes da estreia da competição) e manutenção das atividades hoteleiras por no mínimo 10 anos a partir da data de emissão do alvará de localização e funcionamento.

As multas para os empreendimentos que fizeram uso do benefício de coeficiente mas não cumpriram as contrapartidas e obrigações foram expedidas em 2017, depois da promulgação da Lei 10.911/2016, que previu a possibilidade de um desconto de 50% no valor inicialmente estabelecido por meio da Lei 9.952/10. O desconto foi condicionado a uma ampliação do prazo de funcionamento para 20 anos. Sobre o valor apurado poderia ser concedida a redução de 25%, caso o início do pagamento ocorresse em até 60 dias. O crédito fiscal ainda poderia ser parcelado em até 180 dias.

Ainda com construção e funcionamento pendente, no dia 2 do mês passado, o prefeito Alexandre Kalil assinou o Decreto 17.086, cobrando o valor integral da dívida. Aliás, a lei de 2010 previa, em caso de descumprimento, a inscrição do débito em dívida ativa em, no máximo, 30 dias. O pagamento da multa é condição para a emissão de um novo alvará de construção com validade de quatro anos para que a obra seja concluída ou, se já concluída, alvará de localização e funcionamento. Os valores podem ser pagos em até 180 parcelas.

Ao todo, 13 hotéis foram notificados pela Secretaria Municipal de Política Urbana para pagar multa por não terem concluído as obras dentro do prazo da legislação, sob pena de inscrição em dívida ativa e posterior cobrança extrajudicial (protesto) e judicial (execução fiscal) dos valores devidos.
Sem o pagamento da penalidade, os débitos dos 13 foram inscritos em dívida ativa. Mas seis deles apresentaram recursos (administrativo ou judicial), que afastaram a exigibilidade das multas. Atualmente, as multas relativas a sete construções estão inscritas em dívida ativa, no montante aproximado de R$ 26,1 milhões.

As multas são individuais e variam de acordo com vários fatores, entre eles o valor do imóvel. Quatro delas se encontram em processo de cobrança judicial, duas estão parceladas e uma retornou à rotina de cobrança administrativa e judicial, em razão do cancelamento de seu parcelamento por inadimplência, segundo informou a PBH. De acordo com a SMPU, o pagamento integral do débito dá direito à finalização das obras, bem como o pagamento – mas esse último é vinculado às regras da Lei 10.911/16, que estabelece obrigatoriedade de funcionamento como hotel por 20 anos.

'Sem excessos'


O vice-presidente da área imobiliária do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Siduscon/MG), Renato Michel, defende o cumprimento da lei e a punição, mas “sem excessos”. “Houve incentivo para a criação dos hotéis em função da Copa e, a princípio, muitos acharam que eram benefícios, sem prever as consequências e se aventuraram. Foram construídos muitos e, talvez até em razão do número de empreendimentos lançados, alguns pararam no meio do caminho, por diversas razões: de mercado até questões específicas desses empreendimentos”, diz.

Para ele, é justo que haja punição para os que não cumpriram os prazos. “Sem isso, penaliza quem se esforçou para terminar no tempo certo”, avalia.
“Mas não podemos tornar essa penalização excessiva, se não, inviabiliza o processo. Não adianta fazer leis que não posam ser cumpridas na prática. Defendo as multas, mas em valores que possam ser pagos”, afirma. Renato Michel, no entanto, é enfático ao dizer que ninguém ganha com os esqueletos cidade afora: “A cidade fica feia e com ares de abandonada. Tem que reconhecer isso e buscar uma solução. Tem gente que se entregar a edificação não paga a multa. Perdão da dívida não é solução, mas também não pode aplicar multa excessiva e que é impagável.”

Rede incompleta


35

Construções de hotéis autorizadas mediante benefícios e concessões feitas pelo poder público com promessa de conclusão para a Copa do Mundo de 2014

22
Hotéis que iniciaram as atividades dentro do prazo estipulado

7
Empreendimentos não concluídos e que devem o pagamento de multas

6
Construções não concluídas que se livraram de punição por meio de recursos e apelações

 

.