Em quase cinco anos de funcionamento dos aplicativos de transporte de passageiros em Belo Horizonte, especialistas e a BHTrans apontam que houve mudança significativa no cotidiano da cidade. Se antes o que vigorava era o uso do carro particular, ônibus e táxi, hoje os apps são usados para todos os tipos de deslocamentos e promoveram uma reorganização da lógica urbana. Por um lado, essa situação traz benefícios, como a facilidade do transporte, que está a apenas um clique em praticamente qualquer ponto da BH, e o preço, muito atraente para a população. Em outra perspectiva, ela também traz problemas. Segundo a BHTrans, os congestionamentos aumentaram muito na área central e criaram dificuldade grande para a empresa, especialmente no entorno da rodoviária. O envelhecimento da frota que presta o serviço é outro ponto de gargalo segundo a BHTrans, pois há uma redução na segurança a partir do momento em que mais carros velhos participam do transporte de pessoas. Outro ponto que deixa claro a mudança causada pelos apps é o movimento adotado por muitas pessoas, que abriram mão de carros particulares para usar os veículos a serviço de empresas como Uber, 99pop e Cabify.
Apesar de toda a inovação trazida, não é o simples aparecimento dos aplicativos que gerou a mudança que estamos vivenciando, na avaliação do consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade. O cenário de crise econômica aliado à carência de transporte público na cidade é que permitiu ao transporte por aplicativo achar um espaço na mobilidade urbana. “Nos novos padrões não cabe mais sistema de massa todo baseado em ônibus urbano andando em tráfego misto. Temos uma linha de metrô e um sistema de BRT ainda restrito aos corredores do Vetor Norte. Precisamos de rede de transporte público de qualidade”, afirma Andrade. Nesse contexto, o transporte público diminuiu sua fatia no bolo da mobilidade, mas com transferência mais certa da demanda dos táxis para os apps. No caso dos ônibus, ainda não há dados precisos que mostrem se a queda de passageiros desse modal está relacionada mais à crise financeira ou à interferência de apps. “Não podemos dizer que os apps estão virando o coletivo, mas com certeza eles estão mudando os padrões do transporte individual. Hoje, você já vê jovens que não se preocupam mais com automóvel”, acrescenta Andrade.
Para o especialista, já existe a consciência de que o carro mais prejudica do que ajuda, custando caro e não entregando tudo que o dono quer. A entrada dos apps na cidade permitiu ao administrador Felipe Kneipp, de 30 anos, mudar a lógica de deslocamentos dele, que mora no Bairro Buritis, Região Oeste de Belo Horizonte. Enquanto morou em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, por mais de dois anos, manteve o carro particular, que era importante para o transporte de pequenas cargas e também para garantir a vinda dele a Belo Horizonte com frequência.
Depois que retornou para a capital mineira, o veículo perdeu sentido. “O carro virou sinônimo de despesa e o conforto que eu encontrava nele passei a ter o mesmo nos apps dos mais variados tipos de transporte que surgiram. Isso sem a preocupação e gastos fixos que um bem te traz, fora o fato da segurança de nunca mais beber e dirigir”, comenta Felipe. Enquanto tinha carro, ele gastava R$ 2,2 mil todos os anos apenas com seguro e impostos, média de R$ 183 por mês, sem contar combustível, manutenção e outros gastos. “No último mês, meu gasto com aplicativos foi de R$ 182 e fiz todos os deslocamentos que precisei”, completa.
EXCESSO DE VEÍCULOS O presidente da BHTrans, Célio Freitas, admite que os apps facilitaram a vida das pessoas em alguns tipos de deslocamento, mas diz que é notório o aumento nos congestionamentos na cidade na área central. “No caso particular de Belo Horizonte, a gente percebe isso claramente no atendimento da rodoviária, onde eles, no entorno, causam transtorno e tumulto”, afirma. Ele também pontua outros problemas. “A gente observa que os apps tem frota velha, ou seja, você tem problema de segurança dos usuários. Pneu careca, mau estado de conservação. Também há uma falta de controle deles até de quem está dirigindo. Do ponto de vista do órgão gestor, só reforça a necessidade de ter uma regulamentação”, completa.
"A gente vive em um ambiente que precisa ser compartilhado entre carro, moto, patinete. Temos que ter mudanças, não dá pra manter estrutura achando que não existe esse compartilhamento"
Marcos Carvalho, diretor da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O)
Tramita na Câmara Municipal um projeto de lei para enquadrar os aplicativos em regras estipuladas pela BHTrans que dependem de aprovação dos vereadores. Entre as principais medidas que serão apreciadas estão o cadastro dos condutores e veículos, limitação da frota, a presença de uma filial da empresa responsável na cidade, entre outras questões.
Para Marcos Carvalho, diretor da Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), entidade que reúne empresas que atuam com aplicativos, está em curso uma revolução das plataformas digitais e é notável que o grande dinamismo e facilidade que essas plataformas estão gerando. Ele critica o fato de o poder público muitas vezes imputar às empresas a culpa pelas consequências trazidas à mobilidade. “A gente vive em um ambiente que precisa ser compartilhado entre carro, moto, patinete. Temos que ter mudanças, não dá pra manter estrutura achando que não existe esse compartilhamento. Temos que sentar e trazer as plataformas para colaborarem de modo que o cidadão seja o maior beneficiário”, afirma.
Impasse na Justiça aumenta dúvidas
Em novembro de 2014, quando a Uber chegou em Belo Horizonte, e depois foi seguida por 99pop e Cabify, uma série de embates entre taxistas e motoristas de app aconteceram na cidade. Os conflitos levaram os vereadores de BH a aprovarem, ainda em 2015, uma legislação que permitia os apps apenas para mediar corridas de táxi, o que foi barrado na Justiça. Com a mudança da administração municipal, o governo Alexandre Kalil mudou o foco e construiu um projeto que permite o funcionamento dos aplicativos, mas os enquadra em uma série de normas. Entre elas se destacam o pagamento de um preço público à administração municipal, o cadastramento de veículos e motoristas, a obrigação dos motoristas passarem por curso para transportar passageiros, entre outros. O texto já foi aprovado em primeiro turno e recebeu 24 emendas, que serão apreciadas na votação do segundo turno. Segundo a Câmara Municipal, o projeto já está pronto para ir ao plenário pela segunda vez, quando serão analisadas as emendas.
Prós e contras
Usuários destacam principais benefícios e prejuízos dos aplicativos para transporte de pessoas
BOM
- Facilidade do acesso: carros disponíveis em poucos minutos para fazer qualquer trajeto a um clique na palma da mão
- Economia: quem abre mão do veículo deixa de pagar altos valores com seguro e impostos, além de combustível, manutenção e estacionamento, e consegue economizar
- Cumprimento da Lei Seca: os aplicativos facilitaram a vida de quem tem o costume de beber e dirigir
- Oportunidade na crise: os apps representaram uma chance para quem está desempregado. Estudo do Instituto Locomotiva aponta que 5,5 milhões de brasileiros já usaram apps de transporte para ganhar dinheiro
- Vantagens da tecnologia: agendamento de viagem, divisão do valor com outros passageiros
RUIM
- Envelhecimento da frota: parâmetros permissivos das empresas dos aplicativos liberam veículos até 2008, de acordo com a categoria, para rodar, enquanto taxistas são obrigados a trocar os carros de cinco em cinco anos
- Falta de segurança: critérios frágeis para cadastros de motoristas permite que condutores com interesses criminais usem a plataforma
- Falta de segurança 2: critérios frágeis para cadastro de passageiros permite criar perfis de passageiros fakes, facilitando a chamada com objetivo de cometer assaltos contra os motoristas
- Tarifa baixa: remuneração considerada insuficiente por motoristas os obriga a trabalhar por longas jornadas, aumentando o nível de fadiga para conseguir um rendimento razoável
- Congestionamentos: a massificação dos deslocamentos por carro particular aumentou os engarrafamentos em BH
A série "Para onde vamos" começou nesse domingo. Leia o que já foi publicado: