A física norte-americana Katherine Johnson, de 100 anos, a engenheira computacional Carol Shaw, de 64, também dos EUA, a matemática e escritora inglesa Ada Lovelace (1815-1852) e a atriz e programadora austríaca Hedy Lamarr (1914-2000) têm em comum o fato de terem desbravado o conhecimento, mas sem obter créditos devidos por seus feitos no campo da ciência, muitas vezes vista como “lugar de homem”. Para ajudar a mudar essa visão, inclusive entre meninas que podem vislumbrar um futuro no setor de base tecnológica, desembarcou ontem em Belo Horizonte o projeto “Eu consigo”.
Desenvolvido sob o conceito de caravana, o projeto chegou à capital mineira na forma de uma carreta, que aportou no Parque Lagoa do Nado trazendo a reboque sessões de cinema, teatro e atividades para que as meninas possam desenvolver autoestima e liderança. Gratuita, a programação segue em BH até sexta-feira, fruto de uma parceria entre a Uber, a Força Meninas e a Code.org. As trajetórias dessas cientistas que não tiveram da história o reconhecimento à altura de seus feitos foram apresentadas pelas atrizes da Companhia Realejo, no espetáculo Uma janela para o mundo. Formado por Jéssica Turbiani, de 21, Jeniffer Souza, de 25, e Lilian Regina, de 26, o trio, em cena, demonstra que criatividade, curiosidade e desejo de conhecer cada vez mais sobre o mundo são atributos que não escolhem gênero.
Tanto homens quanto mulheres podem desenvolver essas competências tão desejadas para quem quer se enveredar pelas ciências, ressaltam. “A Déborah de Mari, do projeto Força Meninas, trouxe essas mulheres cientistas para a dramaturga da companhia. Ela viu como era importante falar das histórias dessas mulheres, que não são contadas. São cientistas com invenções importantes, mas a gente nem imagina. Na peça, colocamos essas mulheres em foco”, afirma Jéssica. As atrizes demonstram que é equivocado o pensamento de que esse é um território a ser desbravado por homens. “Criou-se essa ideia de que o homem consegue fazer coisas práticas, cálculos, que a inteligência é sempre masculina.
As mulheres têm a mesma capacidade. A mulher pode ser mãe, se casar e também pode ser cientista. É preciso quebrar esse tabu”, completa Jéssica. O “Eu consigo” pretende inspirar meninas a sonhar alto. “É sabido que, entre o ensino fundamental e o ensino médio, a autoestima das meninas sofre uma queda três vezes maior do que a dos meninos. Isso afeta em cheio a escolha da carreira a ser seguida”, explica Déborah de Mari, fundadora do Força Meninas. Fundador e CEO da Code.org, Hadi Partovi completa, ressaltando a importância de as meninas serem familiarizadas com o universo da ciência da computação. “É essencial que as meninas sejam apoiadas e incentivadas a estudar e entender que podem ser parte da formação do futuro.”
"É sabido que entre o ensino fundamental e o ensino médio a autoestima das meninas sofre uma queda três vezes maior do que a dos meninos. Isso afeta em cheio a escolha da carreira a ser seguida"
Déborah de Mari, fundadora do projeto Força Meninas
DESBRAVADORAS A engenheira norte-americana Carol Shaw foi uma das primeiras desenvolvedoras de jogos eletrônicos. “Pouco se fala sobre isso, que foi uma mulher a inventora de jogos de tiro”, afirma Jennifer. Já a física Katherine Johnson foi responsável por estudos matemáticos essenciais para a corrida espacial. Foi quem desenvolveu cálculos de trajetórias orbitais para os primeiros voos tripulados para o módulo lunar e ônibus espaciais. “Foi uma cientista negra muito importante. Recentemente, o filme Estrela além do tempo contou a história dessas cientistas que atuaram na Nasa. Katherine foi homenageada pelo presidente Barack Obama”, afirma Lilian.
Nos anos de 1950, quando ainda era vigente a segregação racial nos Estados Unidos, Katherine superou todos os obstáculos provenientes do preconceito de raça e gênero. “É importantíssima. Mulher negra que conseguiu desenvolver cálculos para levar o homem até a Lua”, acrescenta Jennifer. Hedy Lamarr ficou muito conhecida por sua beleza, que emprestou à personagem de Branca de Neve no cinema, mas foi uma programadora muito importante, ajudando a criar as bases para desenvolvimento da tecnologia wi-fi. “As pessoas só se lembram dela pela personagem da Branca de Neve, pela beleza. Ela foi estereotipada por isso, mas por seu grande invento não costuma ser lembrada”, afirma.
Para Jennifer, concentrar os destaques femininos aos atributos físicos é uma forma de limitar o entendimento das meninas. “Elas podem fazer o que quiserem independentemente de serem bonitas ou não. O que é beleza? É um estereótipo que precisa ser quebrado quando se define o que é ser mulher”, diz a artista. E a capacidade sem barreiras é o que demonstra também a história da matemática Ada Lovelace, hoje conhecida como a primeira programadora da história, por ter desenvolvido o primeiro algoritmo – uma espécie de “receita” para a solução de determinado tipo de problema – para ser processado por uma máquina. O espetáculo e o recado agradaram meninas e meninos das escolas públicas que foram assistir à sessão. A estudante Ana Luíza Lages, de 13 anos, entende que a ciência tem lugar para todos, homens e mulheres. A menina mesmo já sonhou ser cientista, embora agora queira ser delegada. “Achei bem envolvente e em conexão com todo o público, com os jovens. Citar nomes importantes de cientistas dá mais força à mulher”, afirma a estudante.
'Eu consigo' em Belo Horizonte
» Caravana: Conexão Cultural
» Quando: Até sexta-feira
» Sessões:
Terça a quinta – Teatro (8h30, 10h, 14h, 15h30) e cinema (19h30)
Sexta – Teatro (8h30 e 10h)
» Onde: Parque Lagoa do Nado (Rua Desembargador Lincoln Prates, 904 – Bairro Itapoã, Região da Pampulha)
» Informações: (31) 3277-7321