Jornal Estado de Minas

Múltiplos olhares sobre a velha cidade

Rabiscos urbanos: Ouro Preto recebe encontro do movimento 'urban sketchers'

Alejandra Munõz - Foto: Reprodução
Sotaques diversos e desenhistas solitários observando e reproduzindo algum monumento são algumas das situações típicas encontradas em Ouro Preto, na Região Central do estado. Mas tudo isso vem em bando, não tem como passar despercebido. Quem circular pela cidade neste feriadão certamente vai esbarrar com centenas de pessoas dos mais variados lugares do Brasil sentadas no meio-fio ou em cadeirinhas espalhadas nas calçadas afora e concentradas, olhando alternadamente para dois pontos: o bloco de papel e um lugar na paisagem. Mãos firmes traçam, colorem, dão forma e vida. São os urban sketchers, que estão reunidos na cidade amanhã. Da tradução livre para a natureza do trabalho: rabiscos urbanos que traduzem a essência de uma cena, postas no papel.


Marco Túlio e Cristiane Cordeiro - Foto: Reprodução
A cidade histórica sedia o 4º encontro nacional do grupo, um movimento internacional criado por arquitetos, desenhistas, ilustradores e outros interessados, que se reúnem para a prática do desenho de observação. Trabalham-se tanto as paisagens urbanas quanto as naturais, em ambientes internos ou externos. “Quando viajamos, a primeira atitude é entrar em contato com o grupo daquela cidade para desenhar juntos”, conta o coordenador nacional da comunidade brasileira, Simon Taylor, de Curitiba (PR).
As edições anteriores ocorreram em Curitiba, São Paulo e Salvador. Com uma relação virtual, uma vez que os desenhos são compartilhados em redes sociais, os encontros são oportunidade para os integrantes desse movimento se conhecerem. Nas cidades, os desenhistas também se reúnem. “Não precisa ter curso para participar. É o evento mais aberto e inclusivo. A única demanda é estar no lugar.”

Quarto encontro nacional do movimento urban sketchers, que surgiu nos EUA, o evento na cidade histórica mineira reúne cerca de 350 pessoas e termina amanhã - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Com prancheta, bloco, caneta, lápis e pincéis, os desenhistas olham cada detalhe, apreciam, observam. Aprendem, assim, a gostar da cidade e a conhecê-la.
Taylor garante também que não precisa saber desenhar. “Dom ajuda, mas representa 5% a 10%. O negócio é desenhar sempre”, diz. “Além disso, aqui não tem pressão, não tem competição. Não há outro interesse que não seja desenhar e fazer amizade”, ressalta. A estimativa é de que 350 pessoas de todo o país estejam em Ouro Preto para o encontro. No meio deles, gente do Chile, Argentina e Bélgica, estrangeiros que vivem no país, também marcam presença.

A pequena Maria Rita interrompeu o passeio pela cidade para participar do evento. "Sou louca por desenho", contou - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a uruguaia Alejandra Muñoz, de 52 anos, 27 deles no Brasil, lembra que o desenho de rua considera o contexto geográfico, a religiosidade, a cultura popular. “Tudo isso nos interessa.
A maioria dos desenhistas se concentra na parte arquitetônica, mas muitos se voltam para pessoas. O contexto em geral da rua é muito interessante”, afirma. O arquiteto Fernando Simon, de 65, de Goiânia (GO), diz que, por ser acadêmico, toma cuidado para o desenho não ficar muito duro. “Busco a síntese: menos é mais neste caso. Não tenho paciência para muitos detalhes, por isso, num lugar como esse, resumo na hora de desenhar. Não é uma partitura que você toca ipsis litteris. É mais um jazz, que toca de acordo com nossa música.”

- Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Casa da Ópera, Morro da Forca, Igreja do Pilar. São vários os pontos a serem explorados. Quem não fez inscrição para o encontro, mas ficou com vontade, não se preocupe. Basta levar o material e se juntar ao grupo, que reúne gente de todas as idades e profissões.
Sentada no meio da praça, no monumento em homenagem a Tiradentes, a mais jovem de todos chamava a atenção: a menina Maria Rita de Aquino e Andrade, de apenas 8 anos.

Moradora de Belo Horizonte, viajou para Ouro Preto na quarta-feira à noite com os pais, o perito criminal Hadson Rodrigues de Andrade, de 51, e a professora Elizabete Aquino Andrade, de 48, para as celebrações de Corpus Christi. Entre um passeio e outro, ela soube da presença do grupo quando fazia um tapete de serragem. “Sou louca por desenho”, conta. Segundo a mãe, o dom se manifestou assim que a garotinha conseguiu segurar um lápis pela primeira vez. Sem imaginar que isso pudesse ocorrer, não levou nenhum de seus materiais, que lhe foram gentilmente emprestados por um outro participante. Maria Rita desenhava em grafite a esquina das ruas Tiradentes e Direita, com detalhes arquitetônicos e de iluminação e traçado perfeito. “Gosto de desenhar, principalmente, personagens no estilo mangá. Já fiz até telas.”
 
Da internet para as ruas

O Urban Sketchers foi criado em novembro de 2007 por Gabi Campanario, ilustrador e jornalista espanhol residente em Seatle (EUA). Inspirado por artistas que compartilhavam seus desenhos de locação (feitos ao ar livre) na internet, ele criou um grupo no Flickr para mostrar o trabalho deles. No ano seguinte, foi criado um blog com 100 “correspondentes” do mundo inteiro.
Mas eles quiseram sair das plataformas virtuais apenas para se conhecer e deram origem a simpósios internacionais. Em 2018, 800 participantes de 46 países se reuniram em Porto (Portugal). Hoje, são mais de 200 grupos regionais oficiais, que mantêm as mais diversas atividades regulares envolvendo a prática e a divulgação do desenho de rua. O grupo conta ainda com 60 mil membros no Facebook, 150 mil pageviews e 2,5 milhões de visitas ao blog internacional, desde sua criação. A versão nacional oficial brasileira foi criada em 2011. A página conta com mais de 8 mil membros.

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- Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press 
“Esse é o primeiro encontro nacional de que participo. Vim a Ouro Preto seis vezes, mas, desde a última, se passaram 19 anos. Qualquer um pode entrar para o movimento, desde que se proponha a desenhar em campo e participar do grupo. Estou desenhando o Museu da Inconfidência. Grafito, aquarelo e depois passo nanquim. Muitas técnicas podem ser usadas.”

Elaine Lima, de 52 anos, designer de interiores, de São José do Rio Preto (SP)
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- Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
“Sempre desenhei, desde criança, e queria fazer desenho industrial. Fui para outra área, mas tive a oportunidade de cursar a faculdade. Embora não atue na área, foi lá que um professor de ilustração, que fazia parte do grupo de desenho, convidou. Tenho formação em geografia também, então, tenho o viés de observação do social e de paisagens e movimentos urbanos. O lado artístico me traz dificuldade, por isso faço esboço geral. Numa cidade com tantos detalhes, como Ouro Preto, não tenho como me ater a uma coisa só, então, escolho o todo.”

Alexandre Jungles Carpes, de 35 anos, guarda municipal, Curitiba
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- Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press 
“Não uso estilo arquitetônico. Quero algo mais livre, mais artístico e lúdico, aqui posso manchar, posso borrar. Não venho para desenhar com medida, aqui trabalho com os sentimentos.”

Isabel Lima e Silva, de 60 anos, arquiteta, Belo Horizonte
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“Tudo isso não se resume a só isso. Tem muito mais. Entrosamento, amizade, humanidade é o que a gente faz no fim de cada desenho. Não importa se o cara desenha muito ou não. O que importa é a união.”

Nelson Polzin, de 70 anos, arquiteto, Rio de Janeiro 
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