Descascadas por lâminas rápidas, varas de madeiras giradas pelas palmas das mãos repletas de calos geram brasas que servem para iniciar fogo, como era feito há mais de 50 mil anos. Peças de couro, fibras vegetais e bambu habilmente tramadas se tornam mochilas e até redes para se abrigar. A criação de utensílios primitivos, a difusão de técnicas ancestrais que permitiram a sobrevivência humana e o prazer de se reunir em volta da fogueira trazem gente de norte a sul do Brasil para o Hupur, um festival de artes mateiras ou bushcraft, pelo termo em inglês. Em sua segunda edição, programada para os dias 19, 20 e 21 de julho, em Franca (SP), vários mineiros seguirão para aprender, ensinar e curtir um encontro num clima de contemplação do meio ambiente. Parte da organização, esses habitantes dos sertões das alterosas expressam o desejo de trazer o festival para Minas Gerais.
Hupur é um termo da língua jê dos índios caingangues e que significa “alumiar com fogo”, uma forma de trazer à luz as técnicas primitivas que esse encontro pretende. “Temos um desejo de que o Hupur se torne um encontro consolidado de bushcraft no Brasil, mas que seja itinerante. É um sonho que venha para Minas Gerais e vamos batalhar para isso”, disse o instrutor de sobrevivência e bushcraft de Ouro Preto, que mora em Belo Horizonte, Giuliano Toniolo. O instrutor vai palestrar no evento e é reconhecido internacionalmente, tendo atuado até como consultor nos programas de sobrevivência do Discovery Channel. “Estive há pucos dias na Inglaterra no The Bushcraft Show e a nossa intenção é que um dia se tenha no Brasil um movimento tão importante quanto o que vemos em outros países”, destaca.
A segunda edição do Hupur promete mais participantes e atividades. No primeiro evento, em 2018, na cidade paulista de Alto Alegre, foram 300 pessoas acampando e trocando experiências. Desta vez, faltando ainda mais de um mês para a sua realização, já foram vendidas entradas para um número superior a esse. “Só de escoteiros e de seus acompanhantes, como pais e família, já temos confirmadas mais de 150 pessoas. A expectativa é que haja muitas pessoas, não apenas campistas que vão passar a noite no espaço do festival, como também um grande número de público flutuante que vem, passa o dia e depois vai embora”, disse Emerson Silva, um dos organizadores.
Toniolo vai oferecer oficinas de confecção de itens primitivos ao longo do evento. De acordo com ele, o perfil de visitantes é variado. “É um dos poucos lugares do Brasil onde você para de repente e enxerga em volta da mesma fogueira pessoas de esquerda e da direita se falando, pessoas simples e outras com curso superior, gente de alto e baixo poder aquisitivo, pessoas do interior e da capital, todas falando sobre suas experiências no mato com muita cordialidade e humildade”, descreve. Ele diz que um dos fatores que trazem essa paz é o fato de ser um evento pensado para trazer as famílias. “Com certeza é um grande evento para a família que quer experimentar uma reaproximação com a natureza. Uma das melhores oportunidades do Brasil”, disse.
Um dos mineiros que estão levando família e amigos para o evento e ainda vai expôr as peças de cutelaria e afiação que produz é Fábio Foschetti, que vem de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas Gerais. “O diferencial do evento é a oportunidade de conhecer pessoalmente amigos virtuais que curtem atividades mateiras e poder compartilhar conhecimento ao redor da fogueira. O bushcraft e primitivismo ainda são pouco conhecidos no Brasil”, disse. Ele conta que seu primeiro contato com as atividades mateiras foi no escotismo e no Exército. “Como faço vários esportes de aventura, sempre gostei de ir para o mato e praticar técnicas que pudessem me dar melhores chances de sucesso caso algo desse errado”, define.
O estande da loja de Fábio trará um outro lado que muitos dos participantes só encontram nesse tipo de evento: equipamentos específicos. Entre esses itens, há strops de couro para a afiação de lâminas, produtos destinados à prática do bushcraft, como pederneiras, paracord, facas para entalhe, entre outros. Outra característica é a possibilidade de se adquirir também artesanato primitivo. Todas as lojas, atualmente, têm seus negócios realizados quase que exclusivamente pela internet, com envio pelos Correios.
AULAS Entre as atividades previstas estão as aulas de cinco cuteleiros falando sobre a arte de se forjar lâminas, oficinas de estilingues e fundas, práticas e montagens de arcos e flechas, coleta de ingredientes e preparo de comida mateira – feita com aquilo que se colhe da natureza, entre outras – bem como a sobrevivência em ambientes selvagens, algo fundamental para a segurança de quem se propõe a atuar no meio ambiente. “Teremos muitos nomes importantes do cenário nacional, como Giuliano Toniolo, do Batata (fundador do Guia do Sobrevivente, que desde 2010 orienta sobre o sobrevivencialismo), Humberto Costa (primeiro brasileiro a escrever para uma revista inglesa de bushcraft) e Andrey Navarre (um dos mais renomados cuteleiros artesanais do Brasil)”, cita Emerson.
O Hupur será no espaço chamado Toca do Lobo, em Franca (SP), custando R$ 10 para os três dias e R$ 60 com direito a uma camisa do evento. Pode ser adquirido por meio da página https://site.blueticket.com.br/evento/26521 ou na hora do evento, mas os preços podem ser alterados de acordo com a procura.