Concorrendo a título da Unesco, Cataguases aposta em tradição no cinema
Município da Zona da Mata que compete com BH, Aracaju e Fortaleza ao reconhecimento de Cidade Criativa foi o mais bem colocado, exibindo condição de polo brasileiro de audiovisual
Por Márcia Maria Cruz
01/07/2019 06:00 - Atualizado em 01/07/2019 08:08
Se Belo Horizonte aposta nos sabores e temperos da culinária mineira para conquistar o título de Cidade Criativa concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a estratégia de Cataguases, na Zona da Mata mineira é outra: luzes, câmera e ação. No dossiê enviado ao organismo internacional em Paris, o município procura demonstrar como se transformou, nos últimos 10 anos, em um dos mais importantes polos de produção audiovisual do Brasil. Das cidades brasileiras que chegaram à fase final na disputa, deixando para trás 26 concorrentes, além das duas mineiras estão Fortaleza e Aracaju. No máximo duas das quatro receberão a distinção, escolha que deve ser anunciada em outubro.
Na fase em que concorreram 30 cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Novo Hamburgo (RS) e Diamantina, Cataguases alcançou pontuação máxima e conquistou o primeiro lugar. O trunfo apresentado foi o fato de o município ter se tornando um dos mais importantes polos de produção cinematográfica do Brasil, o que levou desenvolvimento econômico para a região, além de fomentar o surgimento de talentos na indústria dos sonhos. Belo Horizonte defende a candidatura a partir da relação com a gastronomia; Cataguases, pela produção cinematográfica; Fortaleza, pela moda e design; e Aracaju, pela música.
De 2010 a 2018 foram produzidos 18 filmes na cidade da Zona da Mata que, além das belezas naturais, é reconhecida pelo legado do modernismo que deixou marcas no urbanismo e arquitetura. Entre as 27 produções cinematográficas realizadas de 2008 a 2018, destaca-se o longa-metragem O Menino no Espelho (2012), de Guilherme Fiúza Zenha, adaptação do livro homônimo de Fernando Sabino. Outros oito longas serão filmados até 2020 no município. “Estamos muito confiantes. Cataguases ficou em primeiro lugar, seguida de Fortaleza. Estamos torcendo também por Belo Horizonte, nossa capital”, afirma César Piva, diretor e presidente da Agência de Desenvolvimento do Polo Audiovisual da Zona Mata, com sede em Cataguases.
Em uma escala que vai de 0 a 10, Aracaju ficou com 8,66 pontos, Belo Horizonte, com 8,7, Fortaleza, com 8,83 e Cataguases tirou 10, não perdendo ponto em nenhum dos quesitos analisados. Os critérios classificatórios foram relação com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), ser referência em uma das áreas criativas, relação com a história e patrimônio da cidade, sinergia com outras áreas criativas, participação de autoridades municipais, viabilidade financeira, capacidade do município em contribuir e se engajar com a rede mundial de cidades criativas, tradução, fotos e website.
Desde 2010, Cataguases vem se consolidando como polo audiovisual para a produção de longa-metragens e séries para TV. “Somos reconhecidos com cluster do audiovisual, a cidade do interior brasileiro que mais produz cinema nacional”, afirma César Piva, lembrando que o número de produções filmadas no município só tem aumentado.
No script para conquistar o reconhecimento e para atrair grandes produções, a cidade conta com suas belezas, patrimônio histórico e cultural. César Piva lembra que, por esses atrativos, Cataguases inclusive se passou por Belo Horizonte em um dos filmes que lá foram rodados. Ele destaca que a aposta no cinema como atividade econômica tem impacto significativo para o município. Nos últimos cinco anos, foram investidos R$ 30 milhões em 27 produções. De acordo com estudo elaborado pelo Sebrae, o impacto na economia é o dobro, fazendo circular R$ 60 milhões na região.
Produção cinematográfica
2010 a 2018
» Meu Pé de Laranja Lima, de Marcos Bernstein (2010), produção Pássaro Films (RJ)
» Pequenas Lonas, de Marcos Pimentel (2010), produção Tempero Filmes (MG)
» Exilados do Vulcão, de Paula Gaitán (2011), produção Eryk Rocha e Ailton Franco (RJ)
» O Menino no Espelho, de Guilherme Fiúza Zenha (2012), produção Camisa Listrada (MG)
» Quase Samba, de Ricardo Targino (2012), produção Bananeira Filmes (RJ)
» Vaga-Lumes, de Daniela Guimarães (2012), produção Anonimaprod (MG)
» A Família Dionti, de Alan Minas (2013), produção Caraminhola Filmes (RJ)
» Introdução à Música do Sangue, de Luiz Carlos Lacerda (2014), produção Matinê Filmes (RJ)
» Campo de Jogo, de Eryk Rocha (2014), produção de Aruac Filmes (RJ)
» Estive em Lisboa e Lembrei de Você, de José Baharona (2014/2015), coprodução Refinaria Filmes (RJ), Mutuca Filmes (RJ) e David & Golias (Portugal)
» Redemoinho, de José Luiz Villamarin (2015), produção Bananeira Filmes (RJ)
» Hannya, de Diogo Hayashi (2015), coprodução Split Studio de Produções (SP) e Acere Produções Artísticas e Culturais (SP)
» Correndo Atrás, de Jeferson De (2016), coprodução Raccord Produções (RJ) e Globo Filmes (RJ)
» Maria do Caritó, de João Paulo Jabur (2017), produção de Eh! Filmes (RJ) e Camisa Listrada BH (MG)
» Árvore dos Araújos, série de TV com 26 episódios, de Alfredo Alves (2017), produção da Dromedário Cinema e Vídeo (MG)
» Arigó, de Gustavo Fernández (2018), coprodução Moonshot Pictures (SP), JF Productions (SP) e Camisa Listrada BH (MG)
» A Queda, de Diego Rocha, produção Dromedário Cinema e Vídeo (MG)
» A História de um Crime, de Ruy Guerra, produção Kinossaurus (RJ)
Em produção
2019 a 2020
» Derrapada, de João Amorim, produção Três Tabelas Filmes (RJ) e Camisa Listrada BH (MG)
» Natureza Morta, de Clarissa Ramalho, produção de Viralata TV e Benedito Filmes (RJ)
» Dentro da Caixinha, de Guilherme Reis, produtora Postura Digital (MG)
» Órfãs da Rainha, de Elza Cataldo, produção Persona Filmes (MG)
» Azul Celeste, direção de Silvia Godinho e produção Dromedário Cinema e Vídeo (MG)
» Comadres, telefilme com direção Renata Sette e coprodução Rede Globo de Televisão e a Dromedário Cinema e Vídeo (MG)
» O Silêncio das Ostras, de Marcos Pimentel, produção Tempero Filmes (MG)
» Só não Posso Dizer o Nome, de Helvécio Ratton, produção Quimera Filmes (MG)
Roteiro de geração de emprego
O dossiê apresentado por Cataguases à Unesco demonstra os resultados da política pública de investimento nessa indústria criativa, cuja cadeia emprega profissionais em diversos segmentos. César Piva reforça que em cinco anos foram criados 1,5 mil postos de trabalho para funções que vão de atores a diretores de arte, passando por produtores e outras funções. Também destaca o quanto a rede de hotelaria ganha com as produções realizadas no charmoso município. “Cada produção traz umas 200 pessoas, que moram na cidade por um, dois meses. Gera muito trabalho e impacto na economia”, diz. O movimento fez também com que diversas empresas fossem criadas para atender às demandas. “Foram 60 empresas nos últimos cinco anos”, garante.
E não são apenas os profissionais que aportam no município da Zona da Mata que movimentam o cenário econômico e cultural da região. O polo audiovisual também revela talentos locais, jovens que se enveredam pelo cinema para atuar como diretores e em outras funções.
Para demonstrar a pujança da candidatura, César Piva lembra que em 2 de agosto será lançado no município edital para o setor audiovisual, com o montante de R$ 10,5 milhões para financiar filmes e novas séries. “Temos um arranjo de empresas privadas e públicas financiando, um conjunto instituições do terceiro setor e empresas privadas”, diz. Ele lembra que a vocação para o cinema está na história de Cataguases. “O primeiro ciclo do cinema na década de 1920, com a obra de Humberto Mauro. Cataguases é reconhecida no Brasil como o berço do cinema brasileiro.” Humberto Mauro (1897-1983) foi um dos pioneiros do cinema brasileiro, que filmou entre 1925 e 1974.
A indústria cinematográfica está em consonância com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visam a estimular ações até 2030, com foco em cinco princípios: pessoa, planeta, prosperidade, paz e parceria. “É uma indústria limpa e sustentável, que traz novo ciclo de desenvolvimento para região, baseado na economia criativa e na indústria cultural”, diz César.
MODERNISMO Cataguases é reconhecida por ter sido um dos berços do modernismo, destacando-se no cenário nacional pela produção de arquitetos e paisagistas. “Em sua história, Cataguases tem legado cultural e empreendedor. Inspirou um conjunto de lideranças locais a alavancar perspectiva de futuro para a cidade e região”, afirma César Piva. O patrimônio artístico e arquitetônico foi formado nas décadas de 1940 e 1950 e caracteriza-se pela diversidade, podendo ser encontrada a influência modernista em moradias, igrejas, colégios, cinemas, hotéis, entre outras edificações e monumentos.