Patrimônio também é feito de pessoas. Aliás, é feito sobretudo delas. Na Lagoinha, memórias e histórias de quem fez e faz viver uma das regiões mais icônicas da capital mineira se transformaram em registros fotográficos e de áudio de aproximadamente 200 moradores, trabalhadores e frequentadores do entorno. Ontem, o bairro da Região Noroeste de Belo Horizonte recebeu a exposição “Moradores Lagoinha”, montada às margens da Avenida Antônio Carlos, entre o conjunto IAPI e o Mercado da Lagoinha. O local, próximo ao antigo Departamento de Investigações (D.I), palco de inúmeros casos policiais, muitos deles de repercussão nacional, e até hoje associado à violência, dá lugar à valorização do que uma nação tem de mais precioso: as pessoas.
A exposição de retratos em grande formato é uma ação do Projeto Moradores – A humanidade do patrimônio, idealizado e executado pela Nitro Histórias Visuais. Em parceria com a Prefeitura, fotografou, entrevistou e registrou as memórias de centenas de pessoas. Durante cinco dias do mês passado, moradores, trabalhadores e frequentadores do bairro e região contaram suas histórias de afetividade com esse que é um dos mais antigos e importantes territórios da capital mineira. Eles foram entrevistados e fotografados numa tenda branca montada em diversos pontos.
“Esse espaço é estigmatizado como área de violência, segregação e de usuários de drogas. Queremos dar um uso mais ameno e humano numa região que tem uma relação dúbia com BH”, diz a diretora de Patrimônio Cultural, Arquivo Público e Conjunto Moderno da Pampulha, da Fundação Municipal de Cultura, Françoise Jean de Oliveira Souza. Ela lembra que o bairro está na origem da construção da cidade: as pedras que fundaram a nova capital saíram de lá e a mão de obra que ergueu Belo Horizonte foi morar na época na então periférica Lagoinha. “Essa miscelânea de gente, com imigrantes do interior do estado e de outros países somados a escravos, proporcionou um encontro de culturas que fez com que a região fosse um caldeirão cultural. Boa parte da riqueza cultural de BH vem dali”, ressalta.
Mas, embora tenha estado no começo de tudo, foi maltratada ao longo dos anos. “O bairro passou por perdas de territórios, seja pela construção do IAPI ou do complexo viário. Há sucessivas situações de violação aos seus direitos, embora seja importantíssima na história da cidade”, afirma. A mostra tem 12 retratos de moradores da Lagoinha em painéis de grande formato (4m por 2m), que ficarão em exposição até o dia 14. Traz um recorte de várias gerações e de várias comunidades que compõem a região, com a Pedreira Prado Lopes, o conjunto IAPI e a Vila Senhor dos Passos (Buraco Quente).
Na abertura, na noite de ontem, os moradores que participaram do projeto puderam retirar uma cópia de seu retrato. Em seguida, a programação incluiu exibição de filme documentário curta-metragem baseado nas histórias contadas pelos próprios moradores. Para fechar a noite, nada melhor do que uma roda de samba, patrimônio do qual a região da Lagoinha foi o berço em BH. “Parecia que as pessoas que se prontificaram a dar depoimentos tinham ânsia de falar e mostrar o afeto que têm pelo bairro. Um desejo reprimido. Elas não ignoram os problemas, mas têm grande afeto”, conta Françoise.
A exposição faz parte do projeto Horizontes Criativos, da PBH, cujo objetivo é fortalecer as potencialidades culturais e econômicas da Lagoinha, a partir de uma construção conjunta com comunidade. Nesse trabalho, várias gerações estão sendo entrevistadas. Haverá ainda uma cartografia cultural do bairro para identificar expressões culturais e lugares para subsidiar políticas públicas. “Antes de qualquer proposta queremos ouvir as pessoas, entender a relação afetiva delas, pois há ali um patrimônio humano.”