Jornal Estado de Minas

Motoristas de escolares reclamam de alto custo e baixa qualidade de inspeções em BH


A palavra de ordem deveria ser a segurança de crianças e demais estudantes que fazem o percurso casa, escola e vice-versa. Mas, com idas e vindas da legislação e uma lacuna atual no tocante à vistoria do transporte escolar, a inspeção das vans se tornou sinônimo da falta de organização e de bagunça. Lei que regulamenta o serviço e passa a responsabilidade para órgão estadual está suspensa e, por isso, a verificação das condições dos veículos, obrigatória neste período do ano, voltou às mãos dos municípios. Na prática, no entanto, nada funciona. Em Belo Horizonte, motoristas denunciam que, apesar de acordo firmado com o sindicato da categoria, a BHTrans não está mais fazendo vistorias e o preço oficial cobrado em empresas particulares chega a R$ 350. Segundo eles, o rigor acabou, pondo em risco a vida dos passageiros. A empresa de trânsito nega. Hoje, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) discute a questão, em busca de solução.
“O negócio está esculhambado”, afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores de Escolares da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Sintesc), Carlos Eduardo Campos.

A confusão começou no início do ano, quando entrou em vigor a Portaria 134, que repassou ao Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) a responsabilidade pelo registro de condutores, acompanhantes e autorização de veículos destinados ao transporte escolar em todo o estado. Portaria anterior já havia estipulado até 28 de novembro do ano passado prazo para motoristas e acompanhantes (obrigatórios no transporte de crianças até 9 anos) se cadastrarem no Detran.

Outra mudança foi que a inspeção semestral, até então a cargo dos municípios, passou a ser feita em instituições técnicas licenciadas (ITLs) ou entidades técnicas paraestatais (ETPs) em Minas Gerais. Ao todo, 27 foram credenciadas para prestar o serviço às 853 cidades mineiras. Num raio de até 100 quilômetros de distância, o condutor deveria comparecer à ITL mais próxima e, superior a isso, agendar vistoria na cidade de origem. “Isso não ocorre. Temos ligações telefônicas comprovando: nenhuma se deslocava. Algumas diziam que (se deslocariam) apenas se houvesse um grupo de no mínimo 10 vans”, conta Carlos Eduardo Campos.

Em BH, a vistoria até então era feita pela BHTrans, de forma gratuita.
Segundo motoristas, há pelo menos um mês a empresa encaminha quem comparece à sua sede, no Bairro Buritis, Oeste da capital, a uma IPL. A Portaria 134 foi revogada, também por portaria, a 879, em 17 de maio. A norma criou ainda um grupo de estudos (cujo prazo para elaboração de minuta de regulamentação termina amanhã), permite a atuação de IPLs e transfere novamente aos municípios a autorização para o transporte. “Os carros chegam à BHTrans e funcionários escrevem no papel para procurar um ITL para ter o laudo e depois voltar lá para retirar a AT (autorização de tráfego). Virou uma confusão. Além disso, o Detran criou um grupo de trabalho em que as entidades não participam. Queremos ao menos ser ouvidos”, diz o presidente do Sintesc.

A Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da ALMG promove hoje audiência pública para discutir a questão, a pedido do deputado Celinho Sintrocel (PCdoB). Na Grande BH, oito empresas são credenciadas ao serviço.
“Na prefeitura, sou usuário. O vistoriador não se importa se estou gostando ou não. E se algo estiver errado, não consigo o laudo até reparar o problema. Na ITL, não sou usuário, mas um cliente. Posso escolher a qual instituição vou e se o pessoal criar algum problema, parto para outra. A lógica da privatização do poder de polícia é burrice”, afirma Campos. “Os absurdos são muitos. Estão cobrando sobrepreço, que chega a R$ 700”, relata.



Consultada pela reportagem, a BHTrans disse, por meio de nota, que desde a revogação da Portaria 134 vem fazendo “as vistorias que sempre fez”. De acordo com a empresa, “o único critério alterado foi com relação ao transportador que não teve o veículo aprovado na vistoria”. Em vez de voltar à BHTrans e realizar nova vistoria, como ocorria antes, ele deve dirigir-se a uma EPT ou a uma ITL e, depois de ter seu veículo aprovado, levar à empresa de trânsito o documento que atesta essa aprovação, garante o texto.
Condutores afirmam que não é o que tem ocorrido.

Também por meio de nota, o Detran informou que comissão interna do órgão fez estudo sobre o tema, cujo conteúdo será repassado durante a audiência pública hoje na Assembleia Legislativa. Informou ainda que “caberá ao Detran-MG publicar a minuta da portaria regulamentadora para que seja submetida à consulta pública, onde todos os interessados poderão opinar e sugerir eventuais emendas”. Para isso, diz o texto, todas as questões apresentadas e as condições locais serão avaliadas “para trazer uma norma que seja capaz de atender todo estado, observando, assim, as particularidades regionais”. “É importante destacar a importância dos municípios neste cenário, em razão da obrigatoriedade da municipalização do trânsito”, finalizou.

Custo alto para pouco rigor


Condutores de vans relatam dificuldades para vistoriar seus veículos na BHTrans. Um motorista de escolar que prefere não se identificar por medo de retaliação afirma que compareceu à BHTrans em meados de junho para fazer a vistoria e, de lá, foi mandado direto para uma IPL. A mais próxima de onde mora, na Região da Pampulha, cobra R$ 350 pelo serviço. O jeito foi se deslocar até uma empresa na BR-040, próximo à Ceasa, onde se cobra R$ 280 pelo serviço. “Peguei o laudo e fui à BHTrans na semana passada, sem o veículo, de carro pequeno, e consegui a AT. Não tinha veículo algum na rampa de vistoria e apenas três vans para o laudo, que também tiveram de procurar uma ITL”, conta.
 
Ele diz que esperava uma vistoria particular bem mais rigorosa do que a feita pelo município, mas se deparou com o contrário. “A avaliação na BHTrans é bem mais severa.
Os vistoriadores põem o carro na rampa, mandam puxar o freio de mão, verificam a parte hidráulica, levantam as rodas, mandam frear, tudo. E ainda apontam o problema, caso haja algum, o que é bom para o motorista. Na ITL, fui iludido. Não levantaram o carro, não olharam o rolamento, não puseram na rampa. O carro foi posto numa vala e o olharam apenas por baixo”, relata. “Se for para pagar um preço justo é melhor pagar a BHTrans, pois é bem mais completa a vistoria. Ouço boato de gente que consegue laudo até por telefone. Alguém está ganhando com isso.”
 
O condutor conta que gastou mais de R$ 1 mil para se adequar: R$ 800 para instalar câmeras-monitores (exigidas por resolução do Conselho Nacional de Trânsito, mas já revogadas por outra norma) e o pagamento do laudo. “Tenho colega que foi sem câmera, sem nada, fez vistoria na BHTrans e conseguiu a AT até dezembro. Menos de 15 dias depois, me mandaram fazer laudo.”
 
O motorista Alessandro Léllis Moreira Mariz, de 42 anos, pretende esperar até sexta-feira para ver se a BHTrans vai voltar atrás. Caso contrário, vai enfrentar fila para ir à ITL com preço mais em conta. Ele foi à empresa municipal no dia 4, com carro adequado a todas as exigências, incluindo as câmeras, mas tudo o que conseguiu foi a prorrogação de 10 dias em sua autorização de tráfego para fazer vistoria na ITL e levar o laudo. “Questionei o motivo, já que havia um acordo com o sindicato. Alegaram que a BHTrans não tem estrutura física nem mão de obra para atender, sendo que sempre foi feito lá. Disseram ainda não ter os equipamentos para a vistoria eletrônica. Ela lavou as mãos, não quer a responsabilidade do escolar para ela”, afirma.
 
O condutor denuncia também que os preços de inspeção dispararam no último mês, saindo da faixa de R$ 200, justamente no período em que começam as férias escolares e quando os motoristas devem fazer a avaliação para enfrentar o segundo semestre de aulas. “Tem que andar legalmente e zelo por isso, mas estamos enfrentando muitas dificuldades. “Fica claro que a BHTrans não quer mais envolvimento com transporte escolar. Se faz é a contragosto, porque representa o município. Vai tudo na contramão do que ela diz quando está na mídia, que é a segurança do transporte escolar. Nós temos o papel de manter o carro em segurança e ela, o de vistoriar isso.”
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