Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO MUNDIAL DA UNESCO

Três anos depois de título à Pampulha, MP vai à Justiça por demolição do anexo do Iate

Inaugurado em 1943, o antigo Iate Golfe Clube tem a forma de um barco ancorado (foto: Arquivo O Cruzeiro/EM - 1/4/1950)
 
O conjunto moderno da Pampulha, em Belo Horizonte, completa hoje três anos como patrimônio da humanidade, na categoria Paisagem Cultural, e uma questão crucial paira sobre o complexo arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), na década de 1940, em torno do espelho d'água O anexo de 4 mil metros quadrados do Iate Tênis Clube, erguido entre 1977 e 1984, será mesmo demolido, conforme recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)?
 
A resposta ainda é dúvida, indefinição, embora autoridades e direção do clube particular concordem num ponto: as negociações evoluíram. Antes da conquista do título – em 17 de julho de 2016, durante a 40ª reunião do Comitê de Patrimônio Mundial da Unesco, em Istambul, na Turquia –, houve compromisso da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em resolver as pendências. E o principal: no período de três anos, deveria ser demolido o anexo do Iate, recomendação que constava do relatório final da ONU enviada, via Itamaraty, à PBH e à Fundação Municipal de Cultura (FMC). O prazo vence hoje.

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O caso tem acompanhamento do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), via Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico da comarca de Belo Horizonte. Na tarde de ontem, o promotor de Justiça Júlio César Luciano informou que até o fim deste mês deverá ajuizar ação contra a PBH e o Iate para que seja demolida “a construção irregular, feita sem autorização e alvará”. E ressaltou: “Não se pode permitir algo que coloque em risco um título como esse”.
 
Também na tarde de ontem, o presidente do Iate Tênis Clube, José Carlos Paranhos de Araújo, disse que “a situação está andando, mas bem devagar”, e explicou que “o clube não vai pagar por algo que é de Belo Horizonte, não dos sócios”. Com isso, quer dizer que a demolição do anexo, o qual abriga academia de ginástica, estacionamento e salão de eventos, não poderá ser custeada pelo clube, muito menos a aquisição de novo terreno para edificação das benfeitorias.

Ressaltando que a direção do clube participa das reuniões no MPMG, José Carlos sente falta de maior articulação, por parte da PBH, para dar andamento às negociações entre as partes e chegar a uma solução. “Hoje, há muita gente envolvida no caso. Na época em que o vice-prefeito Paulo Lamac estava à frente da Secretaria Municipal de Governo, ele cuidava disso muito bem, havia articulação”. 

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O atraso no entendimento causa problemas ao clube, acrescenta, entre eles a possibilidade de atrair novos associados – atualmente, são 4 mil sócios, de 1,2 mil cotas. “O importante é destacarmos, sempre, que o clube é uma área privada e não pública.” O presidente do Iate esclarece um ponto que, muitas vezes, pode interromper o passeio de moradores e visitantes. Segundo ele, o clube está aberto a todos, bastando que o interessado se identifique na portaria e apresente um documento – os contatos podem ser feitos pelo telefone (031) 3490-8400.

AÇÕES Em nota, a PBH esclarece estar ciente da importância da demolição do anexo do Iate para a conservação da paisagem do conjunto moderno da Pampulha, tendo “a gestão empenhado esforços para que a negociação com a diretoria do clube chegue a um resultado satisfatório, e que possamos realizar as intervenções necessárias”. E mais: “Cabe sempre lembrar que o Iate é um clube privado e cabe à PBH preservar o interesse público, o que impede a administração municipal de fazer investimentos diretos no espaço sem o devido processo legal. Para garantir que o interesse público e a legalidade do processo, serão preservadas as negociações”.
 
A nota diz ainda que a “Unesco acompanha os esforços da PBH e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para cumprir as ações pactuadas” e que, “em dezembro de 2017, foi enviado um relatório de nossas ações para a Unesco, relatório aprovado na Reunião do Comitê do Patrimônio Mundial, ocorrida em junho de 2018, no Bahrein.

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Sobre o risco de perda do título, os gestores tranquilizam: “Os planos de Gestão e Monitoramento apresentados à Unesco, incluindo os prazos para execução das ações acordadas estão sendo revistos, e o próximo relatório será enviado em dezembro de 2019. Não há indicação de que o conjunto moderno da Pampulha possa entrar na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo”.

"O clube não vai pagar por algo que é de Belo Horizonte, e não dos sócios" - José Carlos Paranhos de Araújo, presidente do Iate Tênis Clube (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


BARCO ANCORADO Projetado por Niemeyer, com jardins de Burle Marx (1909-1994) e obras de Cândido Portinari (1903-1962), num salão com o nome do artista, o antigo Iate Golfe Clube tem a forma de um barco ancorado, visão que fica melhor ainda do Museu de Arte de Pampulha (MAP), localizado do outro lado do espelho d’água, na Avenida Otacílio Negrão de Lima. No interior do clube, dá para ver o mastro da embarcação e a caldeira, e, ao caminhar pelo jardins, logo perto da entrada, o visitante vai ver um busto de Juscelino Kubitschek (1902-1976), que era prefeito de BH quando o Iate foi construído. Na peça de bronze, há uma frase de JK: “A Pampulha veio como uma rima sonora, da beleza e harmonia ao poema da cidade”.
 
Ao chegar ao Iate, inaugurado em 1943 com um baile de gala, deve-se prestar atenção a detalhes que fizeram a diferença, em termos de inovação, na arquitetura desenvolvida no Brasil e no mundo naqueles tempos. Niemeyer fez ali a cobertura em forma de “asa de borboleta em pleno voo”, conforme o coordenador técnico do dossiê apresentado à Unesco, arquiteto Flávio Carsalade. Em seu livro Pampulha, da série BH. A cidade de cada um, Carsalade escreveu que “o Iate fora construído para aproveitar as novidades náuticas que aqui se abriam; afinal, remar no Parque Municipal não era exatamente o máximo em esportes náuticos. A ideia para o Yatch Golf Club era aproveitar a lagoa para esse tipo de esporte (seu primeiro andar fora projetado para isso e o segundo andar para festas)”.

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Fotos do Estado de Minas de meados do século passado mostram esquis, barcos a vela e a remo, e atletas de fim de semana fazendo do espelho d’água o melhor lugar para seu lazer.
 
Os especialistas chamam a atenção para o fato de a edificação se harmonizar plasticamente debruçando-se sobre a represa. Para imprimir ritmo às fachadas, foram usados brises metálicos em caráter funcional, a fim de garantir proteção quanto à incidência solar no interior do salão, que chega pelas paredes envidraçadas. Privatizado em 1960, o clube manteve o uso como espaço de lazer e práticas esportivas, embora sofrendo muitas alterações ao longo dos anos – tantas que ficou parcialmente descaracterizado devido à construção do anexo de 4 mil metros quadrados, que começou a ser erguido em 1977 e foi inaugurado em 1984, chocando o próprio Niemeyer, pois impede a visão completa do clube para quem olha da Igreja São Francisco de Assis.
 

Tecnologia da Nasa na Igrejinha


O diretor de Patrimônio Material do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Rosenthal, informou ontem que será implantada uma estrutura desenvolvida com tecnologia da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, na Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha, em BH, para impedir a infiltração da estrutura de concreto para o forro de madeira. Ele explicou que os técnicos da autarquia federal realizam vistorias semanais no conjunto moderno reconhecido como patrimônio da humanidade pela Unesco. 
 
HONRARIA OBTIDA EM 2016 A campanha para o título de patrimônio da humanidade começou em 1996, mas a decisão favorável ao conjunto moderno da Pampulha só veio 20 anos depois – em 17 de julho de 2016. O empecilho era o estado de degradação da lagoa e complexo arquitetônico que inclui a Igreja São Francisco de Assis, que reabrirá as portas em 4 de outubro; o Museu de Arte da Pampulha (MAP); a Casa do Baile e duas praças, além de outros bens como a Casa JK, na orla. Durante a 40ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), houve unanimidade na decisão do comitê. 

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