Frio com vista para BH: Lilian e Leandro não se assustaram com a temperatura e curtiram fim de tarde em rede na Praça do Papa - Foto: Túlio Santos/EM/DA Press “Essa linha é uma arma letal. Se pega no pescoço, mata meu filho.” O desabafo é do comerciante Amilton do Nascimento, de 46 anos, pai de Gabriel Lucas, de 15, atingido por uma linha chilena quando caminhava na calçada em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar do socorro e dos esforços da equipe médica, os ferimentos ainda podem causar a amputação de uma das pernas do adolescente, que tem o sonho de ser jogador de futebol. O drama da família de Gabriel é mais uma demonstração de como a irresponsabilidade faz com que uma brincadeira antiga, passada de geração a geração, se torne potencialmente letal. Uma ameaça que aumenta exponencialmente nesta época do ano, que une condições climáticas favoráveis, com ventos fortes, e temporada de férias escolares.
O incidente com o estudante Gabriel foi o segundo caso grave em apenas três dias envolvendo linhas cortantes no estado. O mais recente aconteceu em Varginha, no Sul de Minas, na tarde de ontem, quando um menino sofreu cortes profundos nos dois membros inferiores quando caminhava com o pai pela calçada. Somente nos primeiros seis meses deste ano, o Hospital João XXIII, referência em urgência e emergência da capital, atendeu 61,9% do total de casos registrados em todo o ano de 2018. Considerado crime, o uso do material cortante levou para a unidade 19 feridos, 13 deles só no mês de junho.
No caso mais
grave registrado nos últimos dias na Grande BH, o relógio marcava entre 11h e 12h de sábado.
Gabriel tinha acabado de jogar futebol, esporte de que mais gosta. Passou em uma borracharia para consertar o pneu da bicicleta, que havia furado, e voltava para casa a pé. Enquanto caminhava pela calçada, foi surpreendido por uma linha cortante que se prendeu em uma van e o atingiu. “Laçou as duas pernas dele. Na esquerda, cortou os nervos”, conta o pai do adolescente. “A sorte é que dois rapazes e uma mulher deram o socorro e conseguiram estancar o sangramento. Senão, ele tinha morrido.
Perdeu muito sangue”, completou Amilton.
O adolescente foi levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para o Hospital Regional de Betim, onde passou por dois procedimentos – uma cirurgia de revascularização e um procedimento cirúrgico de fasciotomia, que ajuda a tratar a perda de circulação em uma área de tecido ou músculo. O jovem teve lesões nas artérias e nas veias da perna esquerda. A necessidade de amputação ainda não foi descartada. “Uma equipe médica vai fazer uma nova avaliação hoje. Se Deus quiser, não vai precisar”, disse o comerciante.
Amilton afirma que o sonho do filho é virar atleta de
futebol. Inclusive, o estudante tinha um teste marcado em um time de Betim. “Ele está muito sério, com o semblante triste, angustiado. O sonho dele é ser jogador.
Estava diante da possibilidade de jogar em um time de Betim”, comentou. “Essa linha é uma arma letal. Foi com meu filho, mas pode acontecer com qualquer outra pessoa. Tem que ter responsabilidade. Se pega no pescoço, mata o menino”, desabafou.
Dois dias depois do caso de Gabriel, outro estudante ficou gravemente ferido. Ontem, um adolescente de 13 anos caminhava com o pai na calçada, no Bairro Vila Barcelona, em Varginha, quando teve a perna atingida por uma linha chilena. Testemunhas contaram que o material se enroscou em uma moto, que o arrastou. O garoto recebeu os primeiros atendimentos de um enfermeiro que presenciou o incidente e fez uma atadura nos ferimentos. Militares o levaram para o pronto-socorro da cidade. Segundo o Corpo de Bombeiros, próximo ao local aonde o garoto se feriu, várias crianças e adolescentes empinavam papagaios e pipas fazendo uso de cerol e linha chilena. Um menino, de 11 anos, que seria o dono do material que atingiu a vítima, foi identificado.
A Polícia Militar foi acionada.
SEQUELAS Casos de pessoas feridas por cerol ou linha chilena aumentam na época de férias escolares. Somente no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, nos primeiros seis meses deste ano, 19 pessoas foram atendidas depois de sofrer cortes pelo corpo. Somente no mês passado, 13 vítimas foram encaminhadas para a unidade de saúde. Em 2018, 31 pacientes receberam cuidados médicos no local pelo mesmo motivo.
O cirurgião-geral e do trauma do hospital, Rômulo Souki, ressalta que as pessoas podem ter sequelas devido aos ferimentos por linhas cortantes. “Os casos aumentam nesta época do ano. Normalmente, as pessoas sofrem lesões profundas na região cervical, que podem atingir as vias aéreas, a cabeça. Se pegar no membro superior, por exemplo no bíceps, pode provocar hemorragia”, explicou.
Segundo ele, os ferimentos provocados por linha chilena são ainda mais graves, devido ao material empregado na produção. “Ela tem mais resistência, não arrebenta fácil. Então, dependendo da velocidade com que atinge a vítima, os ferimentos são mais profundos e mais graves”, afirmou Souki.
Média de mortes por linhas é alta
Levantamento feito pelo
Estado de Minas, mostrou que de 2009 até 2018, o uso do cerol ou da linha chilena fez com que a Grande BH registrasse pelo menos nove mortes, média de uma por ano. Neste ano, outros acidentes com o uso do material foram registrados.
Em março, um piloto de paraglider motorizado fazia um voo em Varginha, no Sul de Minas, quando o aparelho foi atingido pelo material cortante. O homem caiu em um local de difícil acesso e foi encaminhado para o hospital.
O que diz a lei
Empinar pipas com cerol já é proibido em Belo Horizonte há 22 anos. Mas, desde o fim do ano passado, o uso da linha chilena também foi incluído na legislação. O prefeito Alexandre Kalil (PHS) sancionou a Lei 11.125 que estipula multa de R$ 2 mil para quem for flagrado usando o material. A legislação, que foi proposta pelo vereador Hélio da Farmácia (PSD), proíbe o armazenamento, a comercialização, a distribuição e o manuseio de linha chilena e de linhas utilizadas para soltura de pipas, papagaios e similares que contenham produto ou substância de efeito cortante. Na capital mineira, a Lei 7.189 proibia o uso de cerol desde 1996.
Por meio de nota, a Polícia Militar de Minas Gerais informou que está alerta para o uso do cerol e linha chilena que a corporação faz operações constantes nesse sentido. Leia na íntegra:
"A Polícia Militar de Minas Gerais se mante%u0301m atenta e alerta com relac%u0327a%u0303o ao feno%u0302meno que envolve o uso proibido de linhas cortantes, como linhas de cerol e chilena, trabalhando, ininterruptamente, para garantir seguranc%u0327a do povo mineiro, onde uma pra%u0301tica ili%u0301cita e considerada “brincadeira”, pode vitimar, gravemente, e resultar, ate%u0301 mesmo, na perda de uma vida.
Embora a legislac%u0327a%u0303o determine que somente motociclistas profissionais utilizem a “antena corta pipa”, a Poli%u0301cia Militar orienta que todos condutores de motocicletas, ainda que na%u0303o profissionais, utilizem ao menos uma antena, para pro%u0301pria seguranc%u0327a.
Ressalta-se que a pessoa flagrada utilizando linha cortante pode pagar multa e sofrer sanc%u0327o%u0303es penais.
A conscientizac%u0327a%u0303o sobre periculosidade do uso de linha de cortante, seja de cerol ou chilena, e%u0301 fundamental. Operac%u0327o%u0303es e abordagens policiais sa%u0303o realizadas constantemente, visando a%u0300 prevenc%u0327a%u0303o e a preservac%u0327a%u0303o da vida e da incolumidade fi%u0301sica das pessoas.
No mais, a Poli%u0301cia Militar continua trabalhando para solucionar as questo%u0303es de Seguranc%u0327a Pu%u0301blica e coibir a pra%u0301tica infrac%u0327o%u0303es."
Ventos aumentam e temperatura cai
Os mesmos ventos fortes que sustentam no ar papagaios de todas as cores, aumentando o risco de acidentes com linhas cortantes, colaboram para que o frio não dê trégua aos moradores de Belo Horizonte. A temperatura mínima na capital mineira ontem foi de 12,1° C. Com a ventania, especialmente em regiões mais altas da cidade, a sensação térmica foi ainda menor. A previsão, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), é de elevação gradual na temperatura ao longo desta semana, com máxima chegando a 26°C até a próxima sexta-feira.
Há ao menos duas semanas, as baixas temperaturas vêm castigando a capital mineira, inclusive com temperaturas ficando abaixo dos 10°C. Ontem, a mínima de 12,1°C foi registrada na Estação Cercadinho, na Região Centro-Sul de BH. No ponto de medição do Bairro Santo Agostinho, na mesma região, a marca mais baixa ficou em 15,3°C e, na Pampulha, em 14,5°C. A cobertura de nuvens no início da manhã sobre a cidade também ajudou a derrubar a sensação térmica.
Nada que desanime, porém, quem não se assusta com o frio, como Lilian Mara, de 37 anos, e Leandro Lemos, de 26, que curtiam ontem, em uma rede armada em Plena Praça do Papa, no Bairro Mangabeiras, Centro-Sul de BH, o fim de tarde gelado. De toda forma, seja nas regiões mais altas, com vista privilegiada de BH, como a apreciada pela dupla, seja no Centro da capital, com os termômetros em queda, agasalhos continuam sendo acessórios indispensáveis.
O meteorologista Jorge Moreira, do Inmet, prevê o aumento gradual de temperatura ao longo da semana. “Em Belo Horizonte, a máxima deve se elevar. Nesta terça-feira (hoje), deve ficar em 24°C; na quarta, em 25°C, e na quinta, em 26°C, o que deve se manter na sexta”, disse. A mínima deve oscilar entre 12°C e 13°C.
O especialista ressalta que durante a noite o frio deve continuar, como é comum nesta época do ano. Mesmo assim, afirma que não há previsão de massa de ar frio atuando em Minas Gerais nesta semana. No interior, a temperatura também deve aumentar gradualmente, com máximas entre 33°C e 34°C e mínimas entre 7°C e 9°C.
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