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Estado de Minas

Desocupação de área de quilombo em disputa no Santa Tereza é suspensa por 100 dias

Prefeitura de BH interveio e despejo marcado para quinta-feira foi suspenso. Herdeiros que reclamam propriedade do terreno receberam oferta do executivo municipal de uma troca de direito construtivo


postado em 23/07/2019 06:00 / atualizado em 23/07/2019 08:07

Ao lado de amigos, Gláucia Vieira segura cartaz contra despejo:
Ao lado de amigos, Gláucia Vieira segura cartaz contra despejo: "Nossas casas foram erguidas aqui há 70 anos", lembra (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PRESS)
Um processo que se arrasta há 50 anos na Justiça ganha mais 100 dias para autoridades decidirem sobre o destino de 16 famílias, no total de 40 pessoas, moradoras da Vila Teixeira, em Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte – o território foi reconhecido como quilombo, em 18 de julho, pela Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cidadania.

Ontem, em audiência no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), presidida pelo juiz da Central de Cumprimento de Sentença da Fazenda Pública (Centrase), Fernando Lamego Sleumer, houve um acordo entre as partes envolvidas (herdeiros do terreno e comunidade), com interveniência do prefeito da capital, Alexandre Kalil, para suspensão do despejo marcado para quinta-feira. “Trata-se de uma decisão importante, diante da ordem de desocupação, do problema social que acarretaria e da riqueza cultural da região. Não podemos colocar essas famílias na rua”, afirmou.

Além da previsão de tombamento municipal da área, considerado o quarto quilombo urbano de BH, a prefeitura oferece aos herdeiros, que reclamam a propriedade na Justiça, a troca do direito construtivo: com isso, poderão erguer um imóvel em outro terreno com menor potencial construtivo. “Estamos tentando costurar um acordo e meu pedido foi acatado, sem problemas para a questão humana”, disse o chefe do Executivo municipal, citando a lentidão da Justiça para definir a situação, em meio século.

Presente à audiência, embora sem um advogado – a comunidade foi acompanhada por um defensor público –, o chamado Quilombo da Família Souza foi representado pela moradora Gláucia Cristina Martins de Araújo Vieira, de 53 anos e residente no local (Rua Teixeira Soares, 985, em Santa Tereza) desde que nasceu. Ela não aprovou o acordo. “Não estou satisfeita, acho muito injusto, pois o terreno é nosso. Por isso, a prefeitura não deve beneficiar os que se dizem herdeiros. Os primeiros proprietários compraram a área em 1905 e venderam as partes na década de 1920. Nossas casas foram erguidas aqui há 70 anos”, afirmou Gláucia.

No fim da audiência, na escadaria do TJMG, ela segurou um cartaz com a frase “Não ao despejo” e, ao lado de amigos e defensores da integridade do quilombo, e contra a reintegração de posse, gritou: “Com luta, com fé! Quilombo fica em pé!”. Num documento distribuído, a comunidade explicou que “os autores da reintegração de posse são herdeiros de Arthur Ramos, comprador da ex-colônia Américo Werneck”.

E mais: “Entre 1908 e 1924, a família Ramos vendeu diversos terrenos, incluindo o do senhor Petronillo. Mas, em 1925, foi registrada a posse, em cartório, da metragem total adquirida em 1905. Por essa manobra, Petronillo não pôde obter o registro do seu terreno, embora acreditasse estar assegurado com o contrato de compra e venda do imóvel de sua família. Já em 1970, os herdeiros de Arthur Ramos iniciaram a ação demarcatória contra vários réus, incluindo o quilombo da Vila Teixeira e o Clube Oásis. “Para nós, estava tudo certo, até que, no ano passado, fomos notificados sobre o despejo”, disse Gláucia.

DE ACORDO Representante dos herdeiros, a advogada Wanessa Amaral assinou o acordo e explicou que o objetivo, desde o início, é conciliar, encontrar uma solução, tendo em vista os 50 anos do processo na Justiça. “Vamos falar com nossos clientes sobre a oferta da prefeitura de pagamento pela área e pedir que eles analisem. Trata-se de uma família criada em Santa Tereza e informamos que não se trata de especulação imobiliária”. Wanessa disse ainda que, na área total de 2,9 mil metros quadrados, já foi fechado um acordo, já em fase de finalização, com o Clube Oásis.

O juiz Fernando Lamego Sleumer destacou, ao fim da audiência, que o despejo marcado para depois de amanhã está suspenso e reiterou as ações administrativas por parte da prefeitura, incluindo o tombamento da área de quilombo e direito do potencial construtivo. Até a definição final, no prazo estipulado de 100 dias a partir de ontem, a comunidade vai continuar no chamado Quilombo da Família Souza.


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