Uma funcionária pública da Prefeitura de Belo Horizonte denunciou em suas redes sociais ter sido vítima de racismo por duas vezes, pelo menos, por parte de outros servidores da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção. Etiene Martins, de 35 anos, que trabalha no programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes, sustenta ter sido desrespeitada por um guarda municipal, que disse ''preto bom é preto morto" após uma mesa em seminário que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial, em novembro do ano passado.
Ela contou que procurou a Corregedoria da Guarda Municipal para denunciar o caso, porém, afirma que o processo foi arquivado. Posteriormente, em março deste ano, Etiene relata ter recebido um e-mail enviado por sua chefe questionando suas denúncias. Na mensagem, a remetente afirma que "lugar de negra é limpando o chão". A Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção informou que está apurando com rigor as denúncias de racismo feitas pela servidora.
Em outubro de 2017, Etiene conta que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes. "Fiquei feliz e esperançosa e encarei como uma missão trabalhar com políticas públicas que pudessem contribuir com a diminuição dos números do genocídio do negro na capital mineira", contou ela ao Estado de Minas.
Porém, em 21 de novembro de 2018, ela conta que foi vítima do que mais combate em sua missão: o racismo. "Estávamos no Seminário Municipal de Prevenção ao Crime e à Violência, promovido pela PBH.
Foi então que ela decidiu comunicar à pasta sobre o que havia ocorrido. Logo, informou à diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves, e ao secretário Genilson Zeferino, para que fosse orientada de como proceder. Por meio do WhatsApp, em 22 de novembro, o secretário teria dito: "Preciso falar-lhe com urgência. De antemão, te peço não tomar nenhuma medida jurídica ou policial em função do que você viveu hoje.
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Em 21 de maio, ela decidiu registrar um boletim na Polícia Civil e comunicar ao secretário sobre a insatisfação com a avaliação da Corregedoria. Porém, logo depois, Etiene diz ter sido surpreendida por um e-mail enviado em nome da diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves: "Depois da sua argumentação de hoje, você me fez constatar que para representar a SMSP (Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção) é necessário um gerente branco como o Sebastião e o lugar de negra é limpando o chão".
"Foram um ano e sete meses de racismo velado, de mensagens subliminares e até essa, mais direta impossível. O fato de a Corregedoria não ter punido o guarda deu a ela coragem de fazer o mesmo", escreveu a servidora, em post do Facebook. Segundo Etiene, o secretário a garantiu que iria apurar a situação e chamou um técnico da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) para verificar a veracidade do e-mail. A apuração, afirma Etiene, constatou que a mensagem era verdadeira e que foi enviada do computador da diretora. "O secretário me mudou de setor e me disse para ficar tranquila que o processo está na Corregedoria e teria responsabilização", acrescentou.
Em 28 de julho, ela voltou à Corregedoria. "Fui obter informações relativas a datas e andamento do processo com o relator responsável, que me atendeu no corredor da recepção, diante de outros servidores e visitantes, e se recusou a me passar informações, alegando que eu seria chamada para depor.
Ela lamenta, profundamente, o epidódio: "É muito difícil os policiais nos compreenderem no momento do boletim de ocorrência. Por falta de informação, querem nos convencer que não foi racismo e tentam diminuir a gravidade, propondo fazer um registro de injúria. Nós convivemos com o mito da democracia racial. Quando vamos denunciar o racismo, a vítima do racismo passa a ser vista como a pessoa racista. Por isso é um crime em que a vítima fica com dor, com sequelas, e o autor em liberdade", concluiu.
OUTRO LADO
A Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção informou, por meio de nota que "está apurando com rigor as denúncias de racismo feitas pela servidora". A pasta confirma que o episódio envolvendo o agente da Guarda Municipal ocorreu durante um evento promovido pela Secretaria que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial com o objetivo de construir políticas voltadas para a redução do elevado índice de homicídios praticados contra jovens negros. "Na ocasião, os procedimentos para a apuração interna da denúncia foram iniciados imediatamente, no âmbito da própria secretaria, por parte da Corregedoria da Guarda Municipal. A investigação minuciosa dos fatos resultou na conclusão pelo arquivamento do processo contra o guarda municipal", informou.
Ainda de acordo com a secretaria, com relação à acusação feita contra a diretora de Prevenção, a apuração detalhada do teor da denúncia segue seu trâmite na Subcontroladoria de Correição do Município. "A análise da veracidade de mensagens enviadas por e-mails institucionais, divulgadas em redes sociais pela servidora, está em curso, com o mesmo rigor", conclui a nota.
(Com informações de Frederico Teixeira e Cristiane Silva)