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Estado de Minas

Servidora denuncia racismo na Secretaria de Segurança da PBH

Frase ''preto bom é preto morto'' é atribuída a guarda municipal. Corregedoria inocentou agente, mas desdobramento levou a outra denúncia de discriminação. Pasta diz que a apuração continua


postado em 01/08/2019 17:16 / atualizado em 02/08/2019 11:24

Em outubro de 2017, Etiene conta que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção á Letalidade de Jovens e Adolescentes(foto: Pedro Vilela/ divulgação )
Em outubro de 2017, Etiene conta que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção á Letalidade de Jovens e Adolescentes (foto: Pedro Vilela/ divulgação )
Uma funcionária pública da Prefeitura de Belo Horizonte denunciou em suas redes sociais ter sido vítima de racismo por duas vezes, pelo menos, por parte de outros servidores da Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção. Etiene Martins, de 35 anos, que trabalha no programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes, sustenta ter sido desrespeitada por um guarda municipal, que disse ''preto bom é preto morto" após uma mesa em seminário que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial, em novembro do ano passado.

Ela contou que procurou a Corregedoria da Guarda Municipal para denunciar o caso, porém, afirma que o processo foi arquivado. Posteriormente, em março deste ano, Etiene relata ter recebido um e-mail enviado por sua chefe questionando suas denúncias. Na mensagem, a remetente afirma que "lugar de negra é limpando o chão". A Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção informou que está apurando com rigor as denúncias de racismo feitas pela servidora.



Em outubro de 2017, Etiene conta que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes. "Fiquei feliz e esperançosa e encarei como uma missão trabalhar com políticas públicas que pudessem contribuir com a diminuição dos números do genocídio do negro na capital mineira", contou ela ao Estado de Minas. 

Porém, em 21 de novembro de 2018, ela conta que foi vítima do que mais combate em sua missão: o racismo. "Estávamos no Seminário Municipal de Prevenção ao Crime e à Violência, promovido pela PBH. Após uma das mesas de discussões, que contava sobre o perfil dos jovens negros que morrem vítimas de assassinato, um guarda municipal chamado Luzardo me disse a seguinte frase: 'preto bom é preto morto'", contou. Ela diz que o questionou pela fala, mas o guarda agiu com completa naturalidade. De acordo com Etiene, o agente trabalhava como motorista da Secretaria de Segurança e Prevenção.

Foi então que ela decidiu comunicar à pasta sobre o que havia ocorrido. Logo, informou à diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves, e ao secretário Genilson Zeferino, para que fosse orientada de como proceder. Por meio do WhatsApp, em 22 de novembro, o secretário teria dito: "Preciso falar-lhe com urgência. De antemão, te peço não tomar nenhuma medida jurídica ou policial em função do que você viveu hoje. O prefeito já foi informado e me advertiu no sentido de resolver 'o problema' sem tornar público nossas fraquezas". A tela com a mensagem foi capturada e publicada no Facebook por Etiene. Ela afirma que o titular da pasta a aconselhou a não levar a denúncia adiante, pois o ambiente de trabalho ficaria "insustentável".

Porém, em 24 de novembro, ela decidiu ir à Corregedoria da Guarda Municipal e abrir um processo contra o agente. Em maio deste ano, seis meses depois do episódio, afirma, que nada havia mudado e o guarda continuava a trabalhar, inclusive, no mesmo ambiente que ela. "O ambiente já estava insustentável pra mim. Era uma tortura dividir o mesmo elevador e ambiente com esse guarda, que trabalha armado. Sinceramente eu morria de medo", relatou. Ela conta que decidiu inclusive se deslocar por meio de aplicativos de transporte para que não fosse necessário entrar no carro com o servidor que ela denunciava.

Seis meses depois, segundo ela, a Corregedoria concluiu que a fala do agente não configurava "dolo, mas sim fala inapropriada no local de trabalho". "Em um dos depoimentos, o guarda admitiu ter dito a frase 'Preto bom é preto morto', mas disse que não falou por maldade, que foi de pura alma, e que era só uma brincadeira", afirmou Etiene.

Em 21 de maio, ela decidiu registrar um boletim na Polícia Civil e comunicar ao secretário sobre a insatisfação com a avaliação da Corregedoria. Porém, logo depois, Etiene diz ter sido surpreendida por um e-mail enviado em nome da diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves: "Depois da sua argumentação de hoje, você me fez constatar que para representar a SMSP (Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção) é necessário um gerente branco como o Sebastião e o lugar de negra é limpando o chão".

"Foram um ano e sete meses de racismo velado, de mensagens subliminares e até essa, mais direta impossível. O fato de a Corregedoria não ter punido o guarda deu a ela coragem de fazer o mesmo", escreveu a servidora, em post do Facebook. Segundo Etiene, o secretário a garantiu que iria apurar a situação e chamou um técnico da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) para verificar a veracidade do e-mail. A apuração, afirma Etiene, constatou que a mensagem era verdadeira e que foi enviada do computador da diretora. "O secretário me mudou de setor e me disse para ficar tranquila que o processo está na Corregedoria e teria responsabilização", acrescentou.

Em 28 de julho, ela voltou à Corregedoria. "Fui obter informações relativas a datas e andamento do processo com o relator responsável,  que me atendeu no corredor da recepção, diante de outros servidores e visitantes, e se recusou a me passar informações, alegando que eu seria chamada para depor. Insisti, expliquei minha situação e nada", lamentou. Foi quando ela decidiu fazer o post do Facebook para expor a situação.

Ela lamenta, profundamente, o epidódio: "É muito difícil os policiais nos compreenderem no momento do boletim de ocorrência. Por falta de informação, querem nos convencer que não foi racismo e tentam diminuir a gravidade, propondo fazer um registro de injúria. Nós convivemos com o mito da democracia racial. Quando vamos denunciar o racismo, a vítima do racismo passa a ser vista como a pessoa racista. Por isso é um crime em que a vítima fica com dor, com sequelas, e o autor em liberdade", concluiu. 


OUTRO LADO


A Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção informou, por meio de nota que "está apurando com rigor as denúncias de racismo feitas pela servidora". A pasta confirma que o episódio envolvendo o agente da Guarda Municipal ocorreu durante um evento promovido pela Secretaria que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial com o objetivo de construir políticas voltadas para a redução do elevado índice de homicídios praticados contra jovens negros. "Na ocasião, os procedimentos para a apuração interna da denúncia foram iniciados imediatamente, no âmbito da própria secretaria, por parte da Corregedoria da Guarda Municipal. A investigação minuciosa dos fatos resultou na conclusão pelo arquivamento do processo contra o guarda municipal", informou.

Ainda de acordo com a secretaria, com relação à acusação feita contra a diretora de Prevenção, a apuração detalhada do teor da denúncia segue seu trâmite na Subcontroladoria de Correição do Município. "A análise da veracidade de mensagens enviadas por e-mails institucionais, divulgadas em redes sociais pela servidora, está em curso, com o mesmo rigor", conclui a nota.

Até a publicação da matéria, a equipe não havia conseguido entrar em contato com Márcia Cristina Alves para comentar a denúncia. Às 20h37 desta quinta-feira, o em.com.br recebeu um e-mail com uma resposta que seria dela. Na manhã sexta, às 10h31, também por e-mail, a Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção confirmou que o depoimento é mesmo da diretora, mas ressaltou não se tratar de um posicionamento oficial do órgão, que optou por se resguardar de fornecer informações durante o andamento da apuração do fato. 

Leia o conteúdo na íntegra: 

"Venho por meio deste solicitar direito de resposta a uma matéria publicada no site https://www.em.com.br/, onde meu nome foi citado com sérias e graves denúncias,  além de publicadas fotos com minha imagem em que me acusam de Racismo.

Abaixo uma nota pública que fiz e peço a publicação da mesma tendo em vista a agressão feita a minha pessoa sem as devidas evidências dos fatos.

Certa da atenção deste importante veículo de comunicação, agradeço.

Atenciosamente,
Marcia Alves

Venho publicamente me manifestar a respeito das publicações feitas com meu nome e colocando a minha pessoa em dúvida em relação a uma acusação e racismo.
Tenho a esclarecer:

1-  Afirmo veementemente que o referido e-mail não foi escrito por minha pessoa e inclusive já registrei ocorrência policial sobre isso há mais de um mês. 

2- O referido e-mail a que se refere a denúncia é do dia 22 de maio de 2019 e chegou ao meu conhecimento no dia 28 de junho, mais de um mês após  ao seu envio. Durante todo esse período jamais fui notificada da existência dele ou qualquer outra pessoa tomou conhecimento deste e-mail.

3-      Imediatamente ao conhecimento deste e-mail procurei as autoridades municipais para solicitar que fosse apurada a origem do mesmo e assim como afirmei veemente jamais ter escrito este e-mail.

4-    Registrei Boletim de ocorrência na delegacia de crimes virtuais, com provas materiais de que no dia e horário do envio do e-mail estava em uma agencia bancária, a 03 quilômetros de distância do meu local de trabalho, realizando uma transação presencial com uso inclusive de minhas digitais e filmagens de minha presença no banco, além dos comprovantes com os horários de todas as transações, na presença do gerente do banco, ficando neste local por um período de 01 hora das 12h20min às 13h15min.

5-      Destaco que pelo padrão do e-mail assim como pelo histórico de Google o referido e-mail foi acessado às 12h30min de um computador, não de um celular. De todo modo dentro da agência não é possível usar o celular e como disse anteriormente, as imagens e comprovantes do Banco atestam que eu não estava no computador nesse horário.

6-    Apesar de todas estas provas materiais, tenho uma prova muito importante, de minha índole e ética, de 27 anos de trabalho como servidora pública na defesa e promoção de direitos de crianças, adolescentes e jovens, comprovada pelas inúmeras ações, projetos, funções e inclusive publicações a respeito do Genocídio de Jovens Negros na cidade de Belo Horizonte. Quando assumi cargos na politica pública coordenando Programas e Projetos sempre defendi publicamente os direitos à vida, à liberdade e à justiça. Durante toda a minha trajetória profissional compartilhei experiências com as comunidades mais vulneráveis, com as pessoas mais fragilizadas e dediquei toda a minha profissional a estas pessoas.

7- É necessário que essa fraude seja investigada e quem a cometeu seja responsabilizado.

8-   esse momento crítico em que vemos as redes sociais sendo utilizadas para destruir pessoas, desqualificar projetos de interesse daqueles que mais precisam, atacar pessoas sem nenhum critério de razoabilidade, (pode-se ver pelo conteúdo do e-mail publicado com meu nome que nenhuma pessoa escreveria algo desta natureza sabendo de todas as suas consequências).

9- Reafirmo que a discussão sobre as questões raciais é fundamental, sobretudo neste momento de crise de representatividade. Temos nos debruçado muito sobre isso na produção de dados da SMSP, o recorte do IVJ (Índice de Vulnerabilidade Juvenil), é nosso principal indicador para implementação das políticas de prevenção à Criminalidade no Município. Para nós o combate ao racismo, é uma ação permanente, que se torna fundamental para as transformações sociais e rompimento dos silenciamentos históricos que desejamos. 

Para me defender de um ataque que considero grave é NECESSÁRIA A MINHA MANIFESTAÇÃO EM DEFESA DO DIREITO DE RESPOSTA, DO MEU COMPROMISSO PÚBLICO E DA MINHA LUTA DE ANOS PELA IGUALDADE NESSA CIDADE E NESTE PAÍS."

(Com informações de Frederico Teixeira e Cristiane Silva)


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