A falta de médicos em Minas Gerais ainda deixa feridas abertas para a população. Enquanto o governo federal lança um novo projeto, que redefine critérios para a distribuição de pessoal, o estado enfrenta déficit de aproximadamente 200 profissionais do Programa Mais Médicos, especialmente em aglomerados urbanos, como a Região Metropolitana de Belo Horizonte. E, nesses grandes centros, as vagas não devem ser repostas. No modelo de financiamento da atenção primária lançado ontem pelo Ministério da Saúde, o Médicos pelo Brasil, as vagas destinadas aos estados da Região Sudeste serão 4.432, contra 5.184 do Mais Médicos. A diretriz adotada pelo atual governo é dar prioridade a locais considerados mais vulneráveis, com maior dificuldade de acesso, transporte ou permanência dos contratados.
A população passou a sentir com mais rigor os problemas causados pelo déficit de pessoal na atenção básica especialmente a partir dos fim do ano passado, quando o governo de Cuba saiu do Programa Mais Médicos depois de cinco anos enviando profissionais de saúde para o Brasil. O país caribenho decidiu repatriar seus cidadãos diante de críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Ainda em campanha, ele afirmou que usaria o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, conhecido como Revalida, para testar os conhecimentos dos profissionais cubanos que atuavam no país.
Com as vagas deixadas pelos cubanos de partida, o Ministério da Saúde publicou edital para selecionar brasileiros que quisessem aderir ao programa. Mas muitos dos inscritos para substituir os estrangeiros abandonaram vagas em seus postos de saúde de origem. A situação foi mapeada pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), que apontou Minas Gerais como o estado mais afetado. Atualmente, há 1.191 profissionais do Mais Médicos atuando em 426 municípios mineiros. Mas ainda há cerca de 200 vagas em aberto, cerca de 15% do total.
A saída dos médicos cubanos ainda é lamentada pelo aposentado Márcio Roberto Alebral, de 47 anos, usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) de Santa Luzia, na Grande BH. Ele ficou com uma sequela neurológica após uma cirurgia de coluna e por isso faz acompanhamento frequente. Atualmente usa o Posto de Saúde Morada do Rio, mas antes era paciente do Posto Nossa Senhora das Graças, onde atendia uma profissional cubana. “Podia perceber que o atendimento dela era muito correto com os diagnósticos, com medicamentos e com o cuidado que ela tinha. Além de tudo, tinha um relacionamento muito bem consolidado com funcionários do posto e moradores da comunidade, então foi um impacto muito grande quando ela se foi”, afirma.
Para Márcio, entre os médicos brasileiros existem muitos exemplos de pessoas que não se interessam pelas áreas mais pobres e olham a profissão apenas do ponto de vista financeiro. Os cubanos se preocupavam mais com as questões humanas, segundo ele. “Ela fez falta como profissional e também como pessoa, porque já havia criado uma relação que todos enalteciam principalmente a figura humana. Era um atendimento muito humanizado, muito profissional”, avalia. O posto que O paciente frequenta hoje também contou com outra médica cubana, segundo os funcionários, que deixou a unidade há cerca de seis meses.
Grande BH afetada
Cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, como Santa Luzia, ainda sofrem com a falta de profissionais após as baixas no Mais Médicos. Algumas fizeram concursos e conseguiram repor o quadro, mas várias ainda têm déficit na atenção básica. Em Contagem, a segunda cidade mais populosa da Grande BH, ainda há 17 vagas em aberto. Em Lagoa Santa, faltam quatro médicos, enquanto em Pedro Leopoldo precisa contratar ao menos um profissional, assim como Sabará. As prefeituras alegam que a demora na contratação se deve à dificuldade de fixação dos profissionais nas unidades básicas de saúde mais afastadas do centro ou de grande vulnerabilidade social.
Em Belo Horizonte, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, são1.080 médicos na atenção primária e 589 equipes de Saúde da Família atuando nos centros de saúde. “Segundo dados da primeira quinzena de julho, 13 equipes estão incompletas e há 22 vagas em aberto para profissionais de apoio dos centros de saúde, sendo 10 ginecologistas e 12 pediatras”, informou a pasta, acrescentando que a prefeitura tem trabalhado para reforçar o número de médicos. A administração contabiliza em mais de 2 mil o número de médicos contratados pelo município desde o início de 2017, mas admite a dificuldade de recrutar pessoal, especialmente em especialidades como a pediatria. “Esse é um desafio encontrado em todo o país, por questões de mercado”, informou, em nota. O município sustenta ainda que já deu início a processo para promover um concurso com 500 vagas na saúde.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que seu novo programa vai dar prioridade aos municípios mais vulneráveis. “O Ministério da Saúde vem mantendo a reposição dos profissionais no programa Mais Médicos apenas em cidades mais vulneráveis, em geral pequenas, além dos distritos sanitários indígenas. Neste momento, está em andamento um novo edital que prioriza o atendimento para esses municípios com os mais altos índices de vulnerabilidade do país, que avaliaram as necessidades locais de reforçar o atendimento na atenção primária. Cabe reforçar que o número de vagas em aberto é dinâmico e varia constantemente, conforme a saída e a reposição dos profissionais”, diz o texto.
Os municípios beneficiados são divididos em cinco categorias: rurais remotos, rurais adjacentes, intermediários remotos, intermediários adjacentes e urbanos. Terão prioridade para receber profissionais os rurais remotos, rurais adjacentes e intermediários remotos que, juntos, concentram 3,4 mil cidades, além das unidades de Saúde da Família ribeirinhas e fluviais e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas. O novo programa foi elaborado a partir da metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseada em estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Do total de vagas do Médicos pelo Brasil, 13 mil serão para essas localidades de difícil provimento. Os salários dos profissionais poderão chegar a R$ 31 mil.
Prioridade para áreas carentes
O governo federal lançou ontem o Programa Médicos pelo Brasil, que deve substituir o Mais Médicos e ampliar em pouco mais de 7,3 mil o número de profissionais nas áreas mais carentes do país. Cinquenta e cinco por cento dos profissionais serão contratados para atender às regiões Norte e Nordeste, enquanto no Sudeste vai diminuir o número de vagas. O programa define novos critérios para alocação dos profissionais, considerando locais com maior dificuldade de acesso, transporte ou permanência dos servidores, além do quesito de alta vulnerabilidade. A nova proposta ainda prevê formação de médicos especialistas em medicina da família e comunidade.
O novo programa vai coexistir com o Mais Médicos até o fim dos contratos vigentes. Os profissionais que quiserem migrar para o Médicos pelo Brasil também terão que participar do processo seletivo. Ao todo, serão 18 mil vagas. “Vamos reestruturar o sistema de saúde brasileiro, partindo da atenção primária. Isso vem de uma sequência de ações”, afirmou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante cerimônia no Palácio do Planalto.
Os médicos do novo programa serão selecionados para duas funções: médicos de família e comunidade e tutor médico. Todos deverão ter registro no Conselho Regional de Medicina (CRM). Os médicos formados no exterior, inclusive os cubanos que deixaram o Mais Médicos e continuaram no Brasil, deverão passar pelo processo de revalidação do diploma (Revalida) para obter o registro e atuar no programa.
A medida provisória que cria o Médicos pelo Brasil foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e será encaminhada para avaliação do Congresso Nacional. Com a aprovação, o governo vai lançar edital para a seleção e contratação dos profissionais. Atualmente, existem 3,8 mil vagas, mas até o fim de 2020 o governo espera ocupar todas as 18 mil vagas, que passaram do programa anterior para o novo. O orçamento previsto para o Mais Médicos (R$ 3,4 bilhões, em 2019) será, gradativamente, transferido para o lançado ontem.
Áreas vulneráveis
Os municípios beneficiados são divididos em cinco categorias: rurais remotos, rurais adjacentes, intermediários remotos, intermediários adjacentes e urbanos. Terão prioridade para receber profissionais os rurais remotos, rurais adjacentes e intermediários remotos que, juntos, concentram 3,4 mil cidades, além das unidades de Saúde da Família ribeirinhas e fluviais e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas. O novo programa foi elaborado a partir da metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseada em estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Do total de vagas do Médicos pelo Brasil, 13 mil serão para essas localidades de difícil provimento. Os salários dos profissionais poderão chegar a R$ 31 mil.
Os profissionais serão contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ao longo dos dois primeiros anos no programa, os médicos receberão bolsa-formação no valor de R$ 12 mil mensais líquidos, com gratificação de R$ 3 mil adicionais para locais remotos e de R$ 6 mil para Distritos Sanitários Especiais Indígenas, além de gratificação por desempenho. (Com agências)