Quando entrei em um bonde pela primeira vez, devia ter uns 13 anos. Morava no Santo Antônio, Rua Leopoldina, e fui estudar no Instituto de Educação. Descia a rua sozinha, às 7h, porque o bonde estava no fim da linha, que era na Rua Carangola, e a escola fechava o portão de entrada às 7h30.
A preocupação maior era não perder a moeda para pagar a passagem, uma vez transposta a dificuldade de conseguir subir no estribo, segurando o balaústre e conseguir um lugar no banco que, naquela hora, e no fim da linha, já estava virado para a descida pela Rua da Bahia.
O condutor fazia a mágica de cobrar as passagens uma a uma, equilibrando-se do lado de fora do bonde. Outra dificuldade, para quem não era grande, era ter acesso ao cordão que sinaliza a parada. Saltava do bonde na Rua da Bahia, esquina de Timbiras, e descia calmamente até o Instituto de Educação, sem o menor problema.
Naquele tempo, não havia perigo, não havia transporte especial e o bonde era usado por todos, para passear, trabalhar ou estudar.
A idade foi aumentando e o uso do bonde foi ficando mais fácil, porque em lugar de subir a Timbiras para usá-lo na volta, era muito melhor seguir pela Avenida Afonso Pena até o abrigo que ficava quase na Praça Sete e tinha, nas laterais, lojinhas vendendo jornais, biscoitos, balas, tudo que a meninada queria e não tinha dinheiro para comprar; o cobrador não facilitava passagem de graça.
Os abrigos mereciam o nome que tinham, porque eram de alvenaria e protegiam os passageiros que esperavam o transporte nos dias de chuva. O fim da linha Santo Antônio era ali – e o motorneiro mudava de um começo para outro do veículo, e em algumas ocasiões também os fios elétricos que impulsionavam os bondes.
As linhas eram incríveis, serviam com segurança e horário todos os bairros da cidade e, quando foram extintas no começo da década de 1960, depois do advento do trólebus, somavam 73 quilômetros.
Ricos e pobres usavam bondes sem o menor constrangimento e as paqueras já existiam. Como os bondes tinham horários estabelecidos, era fácil seguir os namoricos na hora certa, era só não perder o bonde.
No fim dos anos 1950, inicio dos 60, o ponto mais carnavalesco da cidade, antes dos bailes nos clubes, era a Confeitaria Elite, que ficava na Rua da Bahia, entre Afonso Pena e Rua Goiás.
O ponto de parada do bonde era exatamente em frente à confeitaria e dele desciam a sociedade, moças, rapazes, casais para aproveitar a tarde cheia de “gatinhos” e socialites cariocas que vinham do Rio caçar marido em BH (e sempre conseguiam).
Outro lance que poucos conhecem, mas muitos aproveitaram, era a linha que ligava a Praça Sete à Pampulha. Fui em várias tardes de verão ao Iate Tênis Clube, na maior segurança, de bonde.
O bonde ainda era o transporte privilegiado quando, há 60 anos, comecei a trabalhar nos Diários Associados. Descia a Rua Leopoldina para tomar o bonde na Rua Carangola, descia a Bahia e parava em frente ao Cinema Metrópole, onde havia um ponto de parada.
Para onde voltava, às vezes mais tarde, para tomar o último bonde da noite, para voltar para casa. Naquele tempo, os bondes já começavam a ser substituídos pelos trólebus, que paravam de circular à meia noite, eram mais confortáveis, mas não tinham o encanto dos bondes abertos.