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Estado de Minas

Lei Maria da Penha: após 13 anos, mais nomes de vítimas viram ícones de luta

Em mais um aniversário da legislação que busca coibir violência, escalada de agressões não para e mulheres como estudante mineira assassinada seguem batizando campanhas


postado em 07/08/2019 06:00 / atualizado em 07/08/2019 13:34

(foto: Arte/Janey)
(foto: Arte/Janey)


Marina tinha 24 anos. Mulher determinada, batalhadora, íntegra e de um coração gigante, lutou até o último dia de vida por seu maior sonho: cursar medicina. Mas nunca pôde concretizá-lo. Após quatro anos estudando, em dezembro do ano passado, foi baleada e morta pelo ex-namorado. Há cinco meses, mãe e irmã transformaram o luto em luta e criaram o Projeto Marinas, para ajudar mulheres colocadas em situação de risco por companheiros ou ex. Hoje, data em que a Lei Maria da Penha, inspirada em outra vítima, completa 13 anos, Marina Maximo se tornou mais um nome-símbolo de um crime que resiste em recuar, apesar de toda a mobilização. Basta dizer que, apenas no primeiro semestre deste ano, 73.457 ocorrências de violência doméstica foram registradas em Minas. São mais de 2 mil casos acima do total registrado no mesmo período de 2018 e impressionantes 405 agressões por dia, quase 17 a cada hora – isso considerados apenas aqueles que efetivamente chegam ao conhecimento das autoridades. 

“Marina nos deixou um legado: não podemos aceitar mulheres vítimas de feminicídio e violência doméstica. Assim, vamos usar a triste história dela para salvar outras Marinas que ainda possuem vidas”, disse a estudante de direito Gabriella Maximo, de 29 anos, a irmã da universitária morta pelo ex-namorado em Sete Lagoas. A Lei Maria da Penha (11.340/06), considerada uma importante conquista no combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres, recebeu esse nome em homenagear a outro símbolo dessa luta: Maria da Penha Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido.

Foi a nova legislação que permitiu que vários tipos de violência contra a mulher fossem denunciados, trouxe uma série de medidas para proteger a mulher agredida, alterou o Código Penal e permitiu que agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Estipulou ainda a criação dos juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, para dar mais agilidade aos processos. Mas as ações não têm dado conta derrubar os números da violência. Os últimos dados divulgados pela Polícia Civil em relação a violência doméstica mostram um aumento de 71.406 (2018) para 73.457 (2019) casos em Minas Gerais de janeiro a junho. Em Belo Horizonte, o número teve uma discreta queda: de 9.003 para 8.962, considerado o mesmo período.

O feminicídio, alvo de outra lei específica (número 13.104, de 9 de março de 2015), representa a última etapa de uma escalada de violência ou de um relacionamento possessivo, doentio e abusivo. Em 17 de dezembro último, de acordo com o registro policial, Marina foi a vítima: estava em casa quando o ex apareceu e a baleou, antes de também se matar. A irmã conta que a jovem havia terminado o relacionamento de sete anos, pois não se sentia feliz. O ex-namorado não respeitava a decisão e estava sempre buscando formas de se reaproximar.

Aparentemente, o relacionamento era saudável. A família não tinha percebidos sinais de violência. Mas, após o desfecho trágico, parentes fizeram um apanhado e perceberam os sinais de possessividade. “Ele a tratava como propriedade, a exibia como se fosse seu troféu. Então, deixamos o alerta para esses sinais. Muitas vezes enxergamos como excesso de carinho e amor, mas não é. É abuso. É violência! É fundamental observar esses sinais. Somente assim conseguiremos salvar a vida de outras Marinas”, alerta Gabriella Maximo. A frequência com que casos como o da ex-estudante de medicina se repetem assusta, e se mantém em alta. Segundo dados da Polícia Civil, em Minas Gerais o número de feminicídios aumentou de 62 no primeiro semestre de 2018 para 64 no mesmo período deste ano. Em Belo Horizonte, o salto foi de dois para seis, um incremento percentual de 250%.

A irmã de Marina acredita que o principal problema com as vítimas que enfrentam relacionamentos abusivos é que elas não percebem que a situação não é saudável. Não conseguem entender que suas vidas estão em risco. “A violência psicológica que essas mulheres vivem faz com que acreditem que têm de suportar o relacionamento a qualquer custo”, afirma Gabriella Maximo.

Vítimas de todos os perfis e classes


Marinas, Marias, Terezas, Fernandas, moradoras das regiões Sul ou Norte, Leste ou Oeste, do interior ou da capital... A delegada Isabella Franca, da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância chama a atenção para o fato de que a violência doméstica independe de etnia, de orientação sexual, de renda, de cultura, de nível educacional, de idade ou de religião. “São mulheres de todos os tipos”, resume.

Ela também chama a atenção para a necessidade de detectar cedo os sinais de um relacionamento abusivo. Muitas vezes, devido ao sentimento de posse, o parceiro passa a monitorar a vítima em diferentes escalas, desde checar mensagens em redes sociais ou aplicativos como o WhatsApp até controlar roupas ou fazer chantagens emocionais.

(foto: Arte/Janey)
(foto: Arte/Janey)


A policial explica que é necessário romper o ciclo da violência e adverte para o aumento da tensão, quando o agressor se mostra irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. A fase seguinte costuma ser o ato de violência, quando a falta de controle chega ao limite. Nesse nível, toda a tensão acumulada se materializa em agressões verbais, físicas, psicológicas, morais ou patrimoniais.

Posteriormente, o ofensor costuma se mostrar arrependido. Trata-se da fase conhecida como “lua de mel”, caracterizada pela mudança de comportamento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos.

Socorro


Se você se identificou com os sinais, procure ajuda, alertam autoridades. Seja de amigos, seja de um profissional, seja da própria polícia. Porém, pedidos de socorro ao poder público nem sempre resolvem. Eles foram incapazes, por exemplo, de evitar a morte de Tereza Cristina Peres de Almeida, de 44, executada ao lado do filho, Gabriel Peres Mendes de Paula, de 22, ao sair de uma academia no Bairro Ipiranga, na Região Nordeste da capital.

Denúncias e agressões culminaram na abertura de cinco inquéritos por violência e em três pedidos de medidas protetivas contra o acusado do crime, Paulo Henrique da Rocha, de 33, com quem a vítima havia tido um relacionamento. Houve também pelo menos um pedido de prisão, negado pela Justiça. Mãe e filho foram assassinados no último dia 29, em um crime que chocou a cidade. Tereza foi atingida por quatro tiros – três no peito e um na cabeça. O filho morreu com um tiro no ouvido. Depois do crime, o acusado foi preso.

A delegada Isabella Franca acredita que houve avanços, mas aponta que é necessário a maior integração entre os órgãos públicos. “Precisamos tentar mensurar o risco à vida no atendimento das vítimas, além de trazer um acolhimento cada vez mais especializado para encorajar a quebra do ciclo da violência”, disse.
 
Conheça o Projeto Marinas

O projeto Marinas surgiu 2 meses após o falecimento de Marina. Foi concretizada a criação do projeto com uma passeata, que ocorreu em Sete Lagoas em 17 de março, no dia do aniversário da vítima. Conheça: @projetomarinas


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