Jornal Estado de Minas

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Escalada de crimes comandados por presos em Minas: 99% das extorsões mediante sequestro partem dos presídios, diz delegado


Crimes de sequestro comandados de trás das grades mostram a fragilidade de unidades prisionais, inclusive as que deveriam ser de segurança máxima, como a do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Ontem, mais uma ação suspeita de ter sido articulada dentro da carceragem veio à tona: o sequestro de um garoto de 7 anos em Florestal, também na Grande BH. Há indícios de que dois homens já presos tenham arquitetado o crime no interior do complexo, apesar de a estrutura contar com bloqueadores de sinal de celular que teoricamente permanecem ativos.

O sequestro durou quase dois dias e os bandidos pediram R$ 300 mil para libertar o garoto. De acordo com delegado responsável pelo caso, a “grande maioria” das ocorrências de extorsão mediante sequestro é articulada por presidiários. Na comparação entre junho deste ano e o mesmo mês de 2018, o número delas dobrou de quatro para oito (veja gráfico). No ano passado inteiro foram 79.

As informações foram repassadas em coletiva de imprensa da Polícia Civil na manhã de ontem. De acordo com a Polícia Civil, o sequestro ocorreu em 19 de junho.
Por volta das 8h daquele dia, dois homens surpreenderam e renderam a empregada doméstica quando ela retirava o lixo da casa. Com uma submetralhadora e uma garrucha, eles entraram na residência. Foi por volta das 10h que o pai da criança, empresário do ramo imobiliário, chegou em casa. Perto das 11h, a criança e a mãe chegaram. Todos foram rendidos.

Por volta das 12h, os sequestradores deixaram a residência em um carro Renault Logan levando a criança para um cativeiro em Pequi, a 40 quilômetros de Florestal. "Lá, os bandidos exigiram – mediante grave ameaça – a quantia de R$ 300 mil. A criança foi mantida refém por aproximadamente 20 horas", explicou o delegado Marcus Vinícius do Departamento Estadual de Operações Especiais (Deoesp).
No cativeiro, a polícia encontrou carrinhos, máscaras de super-heróis e até videogame, aparentemente para entreter o menino sequestrado.

Após horas de pânico e uma longa negociação com a polícia, a criança foi liberada em um ponto de ônibus próximo a um trevo, em Pará de Minas. Nenhum dinheiro foi levado. Para o delegado, a escolha da família como alvo se deve a seu alto poder aquisitivo. "A elevada capacidade financeira da família chamou a atenção dos bandidos", considerou. De acordo com ele, em função de seus negócios, o pai da criança movimenta altas quantias. "Sabendo disso, os bandidos começaram a monitorar a rotina da família. Inclusive, tentaram praticar o sequestro 15 dias antes da consumação da ocorrência", acrescentou.

O que chama a atenção é que, segundo a Polícia Civil, a articulação do sequestro e condução das negociações ficou a cargo de um homem que cumpre pena na Penitenciária Nelson Hungria. Os investigadores suspeitam que outro detento tenha sido responsável por conseguir o veículo utilizado no transporte da criança.
"Essa dupla é considerada a mandante do crime de extorsão mediante sequestro", completou o investigador.

Trata-se de Daniel Augusto Cypriano, de 35, e Thiago Rodrigues Ribeiro, de 32. Daniel é natural de Barra Mansa (RJ) e responde por roubo a banco, homicídio, sequestro e formação de quadrilha. Já Thiago é de Janaúba, na Região Norte do estado, e também tem uma lista extensa criminal: roubo, causar incêndio, sequestro, formação de quadrilha e crimes relacionados ào tráfico de drogas. Além deles, outros dois homens e dois adolescentes são investigados.

CELULAR NA CELA


“O departamento antissequestro da Polícia Civil apurou diversos crimes de extorsão mediante sequestro neste ano. Todos eles praticados e coordenados por pessoas que já estão presas. E, na data de hoje, uma equipe do Deoesp encontrou dois celulares nas celas de Daniel e Thiago. Mas antes de entrarmos em uma das celas, o preso quebrou o aparelho”, explicou o delegado. “Vários crimes apurados pelo departamento têm envolvimento de detentos perigosos presos em penitenciárias. Agora, na nova fase da operação, vamos tentar identificar como os aparelhos chegam até os detentos e possível envolvimento de agentes públicos”, completou.

Em junho, o Estado de Minas mostrou que, somente de janeiro a abril, foram apreendidos nada menos que 2.441 celulares nas 197 unidades prisionais geridas pela Secretaria de Administração Prisional de Minas Gerais (Seap-MG), segundo dados da pasta.
A média é de 20 apreensões por dia no período.

Comparando os números das apreensões atuais e os de 2018, observa-se que as tentativas de entregar aparelhos nos presídios continuavam no mesmo ritmo. A média diária deste ano é pouco menor que a de todo o ano passado, quando foram apreendidos 7.658 celulares – cerca de 39 aparelhos por unidade prisional. Entre janeiro e abril de 2018, entretanto, o total de telefones apreendidos foi maior que o de igual período deste ano: 2.613 celulares, 21 aparelhos por dia, em média. Considerando os números do ano passado, as apreensões equivaleram a um celular para cada grupo de nove detentos, numa população carcerária de 72.481 presos em Minas Gerais.

De acordo com Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nos 197 estabelecimentos prisionais são realizadas ações de revistas rotineiras e operações a fim de retirar objetos ilícitos do interior das celas. “A pasta soma esforços para coibir a entrada de telefones celulares em suas unidades prisionais durante a entrada de visitantes, tais como as revistas por meio de equipamentos de escâner corporal, portais e banquetas detectores de metais, além da aplicação dos procedimentos operacionais padrão durante as visitações de acordo com o Regulamento e Normas de Procedimentos do Sistema Prisional de Minas Gerais (ReNP)”, informou por meio de nota.

Atualmente, além do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, quatro sistemas prisionais contam com bloqueadores de sinal de celular. Os aparelhos estão presentes no Complexo Penitenciário Público Privado, em Ribeirão das Neves; Penitenciária Francisco Floriano de Paula, em Governador Valadares; Penitenciária Deputado Expedito de Farias Tavares, em Patrocínio, e Penitenciária Professor João Pimenta da Veiga, em Uberlândia.

Os bloqueadores existentes estão ativos. Questionada sobre novas medidas, a eficiência do aparelho e número de celulares apreendidos, a secretaria não respondeu. Entretanto, em janeiro, o EM questionou a Seap quanto à falta de tecnologia para barrar os celulares dentro dos presídios.
Na época, a pasta confirmou a tese, afirmando que isso ocorre devido à mudanças nos sinais das operadoras, que chegam com uma potência maior do que a capacidade do bloqueador.
 
Nelson Hungria é interditada

O Complexo Penitenciário Nelson Hungria (CPNH) não poderá mais receber presos. A unidade prisional foi interditada pela terceira vez em pouco mais de um ano. A decisão é do juiz Titular da Vara de Execuções Criminais de Contagem, Wagner de Oliveira Cavalieri. Em Minas Gerais, 44,6% das unidades prisionais estão total ou parcialmente interditadas – ou seja, não podem mais receber internos. Entre os motivos estão a superlotação e o déficit de agentes penitenciários. A Nelson Hungria estava parcialmente interdidata, mas medidas estabelecidas pela Justiça para que funcionasse não teriam sido cumpridas, segundo Cavalieri. A decisão coincide com a divulgação de que sequestro de uma criança em Florestal teria sido comandado por presos. Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que ainda não foi notificada oficialmente da decisão judicial. “A Sejusp ressalta, contudo, que cumpre as determinações do Poder Judiciário”, completou.
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