As autoridades da segurança pública em Minas Gerais já haviam alertado para os casos de extorsão mediante sequestro comandados de dentro de presídios, a partir do uso de telefones celulares pelos presos. Agora, novo alerta, desta vez da Polícia Federal, dá conta de que a contabilidade e movimentação financeira da principal organização criminosa do Brasil, originária dos presídios de São Paulo, também ocorre dentro de uma cadeia, que fica no estado do Paraná. Em operação desencadeada ontem, a Polícia Federal em Minas e demais autoridades estaduais que fazem parte da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) revelaram um esquema de arrecadação mensal com o tráfico de cocaína em todo o Brasil, que chega a R$ 5 milhões por semana. Além disso, a investigação identificou mais de R$ 7 milhões movimentados em 45 contas bancárias com o tráfico apenas no âmbito de um inquérito e por isso o objetivo da operação foi desmontar o núcleo financeiro do grupo, já que, na avaliação do delegado Alexsander Oliveira, apenas prender os traficantes não está surtindo efeito.
Tudo começou em novembro de 2018 a partir da apreensão do celular de um preso de Uberaba, no Triângulo Mineiro. Para a Polícia Federal, ele é o líder da chamada “Geral do Progresso” em Minas, célula da facção criminosa responsável pelo tráfico de drogas. A partir desse alvo, a investigação conseguiu chegar até o homem apontado como o principal contador da organização em todo o Brasil, membro da célula conhecida como “Resumo Integrado do Progresso dos Estados e Países”. Ele está preso na Penitenciária de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, mas isso não foi suficiente para impedir que o criminoso fizesse a contabilidade do tráfico de drogas lidando com os líderes de todas as regiões. O trabalho coordenado pela PF identificou, no curso das investigações, um sistema de depósitos de pequenos valores oriundos da venda de drogas. Esses depósitos – de R$ 20, R$ 40 ou R$ 50 – juntavam somas de até R$ 9.999, valor limite para que as movimentações disparassem o alerta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Depois de depositadas, as quantias eram transferidas para outras contas ou sacadas.
“Essas 45 contas que foram alvo da investigação movimentaram no período mais de R$ 7 milhões. Mas isso é um universo muito pequeno. Foi o que a gente pôde identificar nessa operação. Só o tráfico de cocaína da facção movimenta, semanalmente, mais de R$ 5 milhões”, diz o delegado Alexsander Oliveira. O inquérito identificou esse valor a partir do monitoramento do membro da facção preso no Paraná. “Ele fornecia as contas bancárias onde os valores do tráfico deveriam ser depositados e fazia a conferência por meio de fotos dos depósitos feitos pelos faccionados que eram recebidos por ele. Fazia tabelas em papel, que depois eram repassadas por apoiadores desse contador, que as digitalizavam para o controle efetivo”, explica o delegado.
O que mais chama a atenção é que uma penitenciária não impedia esse trabalho financeiro de funcionar. Ontem, o Estado de Minas mostrou que a Polícia Civil em Minas Gerais já havia alertado sobre a ocorrência de extorsões mediantes sequestros comandadas de dentro da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH. O último caso foi o sequestro de um menino de sete anos em Florestal, também na região metropolitana, ordenado do presídio que deveria ser de segurança máxima. Na operação deflagrada pela Ficco ontem, um dos 52 alvos de prisão em Minas e mais três estados – Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul – já estava preso na Penitenciária Professor Aluizio Ignácio de Oliveira, em Uberaba, no Triângulo. O contador da facção estava detido no Paraná, e outros quatro presos também já eram presidiários.
“A pena privativa de liberdade tem, no direito, como efeito e como objetivo tirar de circulação aquelas pessoas que estão afetando a sociedade. Se o sujeito é preso e retirado do convívio social poque está praticando crimes, é de se esperar que ele fique sem contato com o exterior para que pare de cometer crimes. E essa facilidade com que aparelhos de celular são colocados em presídios realmente impossibilita que a pena privativa de liberdade cumpra sua função”, diz o delegado Alexsander Oliveira. O policial aponta que cortar o funcionamento de celulares dentro das cadeias poderia ajudar bastante o combate ao crime organizado. “A organização (facção criminosa paulista) nasceu dentro dos presídios. O seu comando está dentro dos presídios e não há outra forma (de contato com o exterior) que não seja por meio de telefone celular ou troca de bilhetes. Mas a troca de bilhetes, que eles também fazem, tem uma velocidade muito menor do que o preso que fica 24 horas por dia com o telefone na mão”, pontua.
Em menos de uma semana, é a segunda vez que a Polícia Federal deflagra uma operação no presídio de Piraquara, no Paraná. Na última terça-feira, uma operação da PF do Paraná também focou o núcleo financeiro da facção criminosa, mas o alvo foram os recursos da contribuição mensal de filiados da organização, além de outros valores arrecadados como contribuição dos cerca de 24 mil faccionados no Brasil, dos quais cerca de 10% em Minas. De acordo com a PF, os recursos levantados pela facção tanto com ações secundárias, como as que foram alvo da operação de terça-feira, quanto com o tráfico de drogas, que representa a movimentação financeira de maior monta do grupo, são voltados para a “Sintonia Final”. Essa é a célula apontada como líder da facção. Em fevereiro deste ano, 22 membros apontados como membros desse setor foram transferidos para o sistema prisional federal, como forma de evitar a articulação da facção.
OPERAÇÃO CAIXA-FORTE
Veja o que a Polícia Federal descobriu com a ação deflagrada ontem em Minas e em outros três estados e os resultados dela
Em Minas, eram sete alvos, em Uberaba e Conceição das Alagoas. Os demais alvos são das cidades de Campo Grande/MS, Corumbá/MS, São Paulo/SP, Ribeirão Preto/SP, Itaquaquecetuba/SP, Embu das Artes/SP, Curitiba/PR, Londrina/PR, São José dos Pinhais/PR, Almirante Tamandaré/PR, Colombo/PR, Fazenda Rio Grande/PR, Goioerê/PR, Mandirituba/PR, Matinhos/PR, Paranaguá/PR, Pinhais/PR e Piraquara/PR.
1) Em novembro de 2018 as investigações começaram a partir da apreensão de um celular de um membro da facção preso em Uberaba
2) Ele é apontado como chefe do líder da “Geral do Progresso” de Minas, célula responsável pelo tráfico de drogas
3) A partir dessa conexão, os policiais chegaram até o contador principal da facção no Brasil. De dentro do presídio de Piraquara, no Paraná, ele fazia toda a contabilidade do tráfico de drogas no Brasil
4) Somente com a venda da cocaína, os policiais encontraram informações de R$ 5 milhões arrecadados por semana no Brasil
5) A PF também identificou movimentação efetiva em 45 contas de R$ 7 milhões desde o início das investigações
6) O esquema funcionava da seguinte maneira: a partir de contas de laranjas, os traficantes faziam pequenos depósitos, de R$ 20 ou R$ 50, por exemplo. Quando esses valores somavam até R$ 9.999, eles eram sacados ou transferidos, para não chamar a atenção do Coaf, que trabalha a partir do limite de R$ 10 mil.
7) Esses recursos chegavam até a chamada Sintonia Final da facção, grupo que comanda a organização. Para isso, esse ciclo de depósitos e transferências se repetia em média três vezes
OS NÍVEIS DA HIERARQUIA
» Assim como outras investigações já realizadas no Brasil, a Operação Caixa-Forte esbarrou em diferentes graus de comando da facção
» A principal delas é a Sintonia Final, grupo de 22 presos de São Paulo que são apontados como os cabeças, entre eles Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola
» Abaixo da Sintonia Final vem o Resumo Integrado dos Estados e Países, grupo responsável por uma espécie de gerência da facção a nível nacional
» As diferentes regiões contam com o Resumo Regional e os estados têm o setor chamado de Geral. A Geral do Progresso, por exemplo, atua no tráfico de drogas