Dia dos Pais é ocasião para cada um lembrar o herói que o inspira, com admiração, reconhecimento e, em muitos casos, também saudade. Mas, em alguns lares, filhos e mulheres convivem com a dor e a delícia de dividir o cotidiano com aqueles que fizeram das missões heroicas também uma opção profissional. Neste domingo, entramos na rotina de famílias especiais para contar três histórias ligadas pela bravura e pontuadas por momentos bem particulares: a expectativa da chegada do primeiro filho, a união familiar antes do trabalho e o aconchego do lar, enquanto a esposa se dedica ela própria à sua profissão-coragem.
Um dia que ganha contornos especiais para o tenente Márcio José Brück e os cabos Heberth José de Melo Afonso e Márcio Afonso de Miranda, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, representantes de um extenso time de militares que atuaram no socorro imediato às vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Orgulhoso, mas sem reivindicar a condição de herói, o trio se tornou símbolo do trabalho extenuante e da dedicação da tropa, a partir do registro do repórter fotográfico Gladyston Rodrigues, do Estado de Minas, em uma imagem que viralizou na internet e se tornou memória da operação resgate. Como melhor presente, em qualquer tempo, os três acreditam na valorização da vida, no respeito e na solidariedade humana.
Morador de Barbacena, na Região Central de Minas, onde trabalha na 2ª Companhia Independente de Bombeiros Militares, Heberth José de Melo Afonso, de 35 anos, o cabo Melo, vai acordar mais cedo hoje para receber o abraço da mulher, Priscila, com quem está casado há 14 anos, e dos filhos Maria Gabriela, de 11, e Miguel Lucas, de 10. “Vamos tomar café juntos, é importante. Os meninos sempre fazem uma cartinha, algo para marcar o dia, então, é bom estarmos juntos antes de ir trabalhar”, conta o cabo Melo. Ele explica que, depois da tragédia ocorrida em Brumadinho em 25 de janeiro, com cerca de 300 vítimas entre mortos e feridos, passou a enxergar a vida de outra forma: se já dava prioridade ao tempo livre com a família, redobrou atenções e carinho. “Os conceitos são outros”, resume.
“Ser pai é uma bênção, por isso sou tão dedicado à família. No mundo de hoje, há perda de valores, daí a necessidade de conversar com os filhos, orientá-los, estar perto”, acredita o cabo Melo. Na tarde de quinta-feira, em clima de descontração doméstica, com Maria Gabriela e Miguel Lucas vestindo a farda, o militar disse que vai deixar a escolha profissional a cargo de cada um: “Se for da vontade deles seguir a carreira militar, ficarei feliz”. Enquanto os dois se distraem, Melo conta que, durante as buscas em Brumadinho, as crianças ficaram muito preocupadas. “Como o contato por celular era difícil, sei que choraram muito, em alguns momentos ficaram desesperados, ainda mais vendo as imagens na televisão.” De temperamento tímido, conforme o pai, o caçula chega de repente, abraça Melo e define: “É o melhor pai do mundo!”. E tem presente melhor?
Na casa do tenente Brück, em Juiz de Fora, na Zona da Mata, os irmãos Isabella, de 9, e Daniel, de 4, vão curtir a presença do papai, que está de férias da 2ª Companhia Independente de Bombeiros Militares, com sede em Barbacena. Mas ficará faltando a presença da mamãe Luciana Almeida Brück, que integra atualmente a equipe de busca por pessoas ainda desaparecidas em Brumadinho. Afinal, a profissão-coragem escolhida por ela e pelo marido tem reconhecimento, mas cobra seu preço. “Será a primeira vez que ela não poderá estar aqui, nem com o pai dela. Mas vida de militar é assim mesmo”, conforma-se o tenente. “Vamos comemorar a vida, os bons momentos”, resume.
Ao falar sobre a vida humana, o tenente Brück, de 43, se recorda dos dias de luta em Brumadinho, contra todas as adversidades, para tentar salvar vítimas e encontrar os que foram tragados pela lama da mineração, e do período posterior, quando, durante uma folga, sofreu um acidente na saída de Barbacena para Juiz de Fora. “Foi um período bem atípico, de provas. Muito aconteceu nesses seis meses. Mas, felizmente, estou bem.”
A exemplo de Melo, Brück quer mais é ficar ao lado das pessoas que ama. Com alegria, Isabella adianta que fez um desenho para presentear o papai nesta manhã. “E o que tem nesse desenho?”, pergunta o repórter. “Ah! Só eu e ele mesmo... mais ninguém”, resume, em tom de mistério. Logo depois, a menina, que acabara de chegar da escola, garante que considera Brück um herói, mesmo que ele não tenha essa vaidade. E por quê? “Porque ele salva vidas!”
PRIMOGÊNITO Morador de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, o cabo Márcio Afonso de Miranda, de 34, do 2º Pelotão de Bombeiros Militares, vive dias de muitas alegrias. Em janeiro, quando foi feita a foto dos três militares cobertos de lama após um dia exaustivo de buscas em Brumadinho, era o único que ainda não era pai. Pois, neste domingo, a mulher dele, a gerente comercial Ítala Fernanda Bezerra Sobreira Miranda, de 29, completa oito semanas de gravidez. Se for menina, o bebê que chegará ao mundo em março de 2020 vai se chamar Helena; caso seja menino, a escolha será Heitor. “Em qualquer caso, sempre ligado à mitologia grega”, adianta um dos guerreiros da batalha que ainda não terminou no Vale do Rio Paraopeba.
Bombeiro há nove anos, cabo Márcio soube há duas semanas que será pai pela primeira vez. “No primeiro ultrassom, ouvimos o coração do bebê batendo. Fiquei com os olhos cheios d'água”, conta o militar, feliz da vida e sem saber exatamente qual coração bateu mais: se o dele ou o da mulher. Casado há seis anos, ele revela o desejo de ter mais filhos. Quanto ao futuro e à profissão a seguir, confessa, com grande antecedência: “Vai ser o que quiser. O importante é ter coragem”.
A luta resumida em um instante
Na quarta-feira, o cabo Márcio Afonso de Miranda retorna novamente às buscas em Brumadinho, e diz que o espírito é de serenidade. Tanto na cabeça dele quanto na do tenente Brück e do cabo Melo, estão claros, embora sem traumas, os efeitos do desastre. Portanto, vale lembrar um momento emblemático nessa história: era fim de tarde, três dias depois da catástrofe que comoveu o mundo, quando os três se sentaram, exaustos e cobertos de lama, no chão do posto avançado da comunidade do Córrego do Feijão. Aquela segunda-feira começara às 5 horas para o trio, então mergulhado até o pescoço na tentativa de salvar vidas, resgatar corpos e buscar desaparecidos no meio do lodaçal no qual se transformou a região.
Depois de muito trabalho, esforço extenuante e um turbilhão de emoções contraditórias, ao contrário do que os três militares imaginavam, o fim de semana seguinte à tragédia seria de celebração em família: enquanto o tenente Brück comemoraria o aniversário do filho caçula em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o cabo Melo já estava soprando, em casa, em Barbacena, as 35 velinhas do bolo, e o cabo Márcio celebraria seis anos de casado em São João del-Rei.
Uma lembrança para eles, e uma inspiração para todos, para demonstrar que, por mais duros e tristes que sejam determinados momentos, é preciso superar a dor e celebrar a vida, que renasce hoje em cada abraço de pais e filhos. Por isso, feliz Dia do Seu Herói.