Um alerta gigantesco para o período de temporais que se aproxima vem do leito de um dos principais cursos d'água de Belo Horizonte, transformado em lixeira pelo descarte de catadores de recicláveis e da população em geral. O lixo que se acumula às margens do Ribeirão Arrudas, especialmente na região dos bairros Boa Vista e São Geraldo, na Região Leste de Belo Horizonte, já chama a atenção rotineiramente de quem passa todos os dias pela Avenida dos Andradas. Mas mais impressionante que o impacto visual da sujeira espalhada é o resultado do início do trabalho de remoção de resíduos feito nesta semana pela Superintendência de Limpeza Urbana da capital (SLU), que em pouco tempo retirou uma verdadeira montanha de material descartado no canal do Arrudas.
Enquanto a expectativa do órgão municipal era gastar uma semana em um trabalho específico para coletar entre 20 e 25 toneladas do leito do curso d'água em quatro pontos mais críticos, os garis retiraram 25 toneladas em apenas um ponto e em um único dia. Essa quantidade dá a dimensão da falta de respeito da população e serve de alerta para o que pode estar espalhado por canais, córregos e galerias cidade afora – sujeira da qual as pessoas tendem a se lembrar apenas quando ela se transforma em fonte de inundações, prejuízo e até mortes. E mostra que nem mesmo com uma unidade de descarte de entulho na porta de um dos locais mais complicados as pessoas insistem em jogar tudo o que é possível no ribeirão.
Entre o material retirado por um grupo de 22 garis estão garrafas PET, sofás, geladeira, televisão, panfletos e sacos de lixo doméstico, chegando ao total de 25 toneladas em apenas um dia. E isso tudo em frente à Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV) da Avenida dos Andradas, no São Geraldo. Ainda restam outros três pontos considerados mais complicados, como o cruzamento da Andradas com as avenidas Silviano Brandão, Mem de Sá e Jequitinhonha, o que deve aumentar bastante o serviço, que só vai terminar na semana que vem.
Na avaliação do chefe do Departamento de Serviços de Limpeza Urbana da SLU, Pedro Assis Neto, quatro questões impactam no resultado, que superou as expectativas da própria prefeitura. Um deles é o mau uso da URPV da Andradas, que recebe de graça até um metro cúbico de materiais inservíveis, restos de poda de árvore e entulho de construção. “Esse resíduo, que poderia ser depositado gratuitamente na unidade, acaba sendo jogado no ribeirão”, afirma Neto. Outra questão que contribuiu, ainda no quesito mau uso, é o fechamento da unidade aos domingos, o que facilita o descarte clandestino de fim de semana. “A gente já está trabalhando em um projeto para abertura aos domingos. É uma medida que pode ajudar”, acrescenta.
Os outros três fatores passam pelos catadores de materiais diversos, que abordam quem vai entregar algum resíduo na URPV e acabam jogando inservíveis no Arrudas; pela ação dos moradores de rua, que também descartam resíduos no ribeirão; e, por fim, pela deposição clandestina de lixo doméstico, já que muita gente joga sacos de lixo domiciliar no curso d'água. “As pessoas precisam se conscientizar sobre os serviços e sobre o impacto que a má utilização do serviço causa. Hoje temos praticamente 100% da população atendida pela coleta domiciliar. Não tem motivo para efetuar descarte incorreto do material. É um contrassenso enorme você ver uma deposição clandestina em frente à unidade que foi criada para isso. A população precisa entender que essa conduta causa muito impacto”, diz Pedro Assis Neto. Entre as principais repercussões se destacam alagamentos e enchentes, já que o lixo tampa locais de passagem de água e faz ruas e avenidas da cidade virarem verdadeiros rios quando acontecem os temporais.
ESQUEMA A limpeza do Arrudas e dos demais córregos da cidade é feita rotineiramente, segundo a SLU. Em cada ciclo de limpeza dos córregos, a SLU retira 3,5 mil toneladas de lixo. No caso do Arrudas, a operação na parte de cima das margens segue uma programação ao longo de todo o ano. Mas ações pente-fino como a desta semana, com entrada dos garis no leito, são mais complexas e por isso ocorrem, no mínimo, uma vez por ano. Os garis precisam, inclusive, de apoio dos bombeiros para supervisionar os acessos.
Bastante acostumado a levar entulhos e demais resíduos que são aceitos na URPV, o carroceiro Luiz Vieira, de 80 anos, diz que a falta de educação de muita gente acaba colocando nas costas dos carroceiros a fama de sujões. “Tem gente que vem de carro e joga tudo lá embaixo. Domingo mesmo, quando a unidade está fechada, eles jogam. Não têm vergonha nenhuma, até cachorro morto já vi jogarem. Sou carroceiro há mais de 30 anos e vejo o povo fazendo errado direto”, diz ele.
O aposentado Alcino Nogueira de Carvalho, de 68, é maratonista e treina com frequência na Avenida dos Andradas. Ele defende a colocação de câmeras no local para tentar inibir os sujões. “Eles vão fazer essa limpeza e amanhã (hoje) estará sujo de novo. Quando a gente vê alguém jogando e pede para não jogar, eles acham ruim. Acho que os carroceiros deveriam fazer campanhas para evitar que as pessoas jogassem, pois isso acaba prejudicando também o trabalho deles. Deveria haver uma fiscalização mais efetiva”, cobra. Segundo a SLU, uma comissão formada pelo órgão, pela Guarda Municipal e pela Secretaria de Política Urbana tem se reunido com o objetivo de traçar estratégias de combate. Uma delas passa pela melhor atuação da fiscalização, com a tentativa de identificar infratores e outros projetos de mobilização.
LIXO E PUNIÇÃO
20 a 25t
Quantidade de lixo que a SLU esperava retirar do Arrudas em uma semana de trabalho em quatro pontos críticos
25t
Total de entulhos coletados em um dia apenas em frente da Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes (URPV) da Avenida dos Andradas
R$ 5.779,62
Teto da multa prevista na legislação de limpeza urbana para quem descarta resíduos de forma inadequada na cidade
R$ 192,64
Multa para o infrator que depositar lixo doméstico em dias, horários e locais indevidos e não fizer o recolhimento do resíduo imediatamente após a notificação
Fonte: SLU