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Estado de Minas

Entenda o crime da pirâmide que lesou 6 mil pessoas e movimentou R$ 1 bi

Após prender Marcel Bicalho, cabeça do esquema, polícia busca captadores e apura destino do dinheiro arrecadado. Suspeita-se de evasão de divisas por meio de paraísos fiscais


20/08/2019 06:00 - atualizado 20/08/2019 07:32

O inspetor Anderson Pinto e os delegados Márcio Nabak e Gustavo Barletta em entrevista sobre o golpista. Suspeito se disse aliviado por ser preso e não morto(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
O inspetor Anderson Pinto e os delegados Márcio Nabak e Gustavo Barletta em entrevista sobre o golpista. Suspeito se disse aliviado por ser preso e não morto (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


“Ainda bem que fui preso. Achei que seria morto”. Foi o que o suspeito de ser um dos maiores golpistas envolvendo esquema de pirâmide financeira disse à polícia ao ser surpreendido num resort no distrito de Arraial d'Ajuda, Porto Seguro (BA). Marcel Mafra Bicalho é suspeito de liderar uma organização criminosa que captava investidores no setor de criptomoeda e mercado Forex – mercado financeiro destinado a transações de câmbio. O golpe vitimou cerca de 6 mil pessoas em todo o país e a empresa movimentou de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. A polícia ainda procura captadores da pirâmide e apura para onde todo o dinheiro arrecado foi destinado. Suspeita-se que tenham sido usados paraísos fiscais. Para a polícia, Bicalho disse não ter aplicado golpes, que não é um estelionatário e que pagaria a todos os investidores. O esquema da pirâmide está previsto na Lei 1.521/51, que dispõe sobre crimes contra a economia popular (veja quadro). Mas Marcel pode responder por organização criminosa, estelionato e evasão de dívidas, segundo a polícia.
 
“No início do ano, recebemos algumas vítimas relatando que tinham feito investimentos com o Marcel Mafra Bicalho e que não teriam tido o retorno prometido. E, ao começarmos a investigar, podemos perceber que não eram apenas vítimas de Minas e, sim, de todos os estados da Federação”, disse o delegado Gustavo Barletta. Segundo os levantamentos dos policiais civis do Departamento Estadual de Investigação de Crimes contra o Patrimônio (Depatri), Marcel organizou uma rede de captadores que prometia retorno dos investimentos a uma taxa de 30% a 100% ao mês, com aporte mínimo de R$ 1,5 mil. Marcel atraía as vítimas, que entravam com R$ 5 mil, por exemplo, e receberiam R$ 8 mil e assim sucessivamente.
 
Marcel começou as atividades criminosas em Montes Claros, na Região Norte de Minas Gerais, com o objetivo de captar investidores no setor de criptomoedas e mercado Forex. As investigações apontam que o suspeito começou criando um canal no Youtube e gravando vídeos para explicar como investir no mercado – ainda muito pouco conhecido. A plataforma ensinava, ainda que superficialmente, sobre os lucros e benefícios. “Isso foi chamando a atenção das pessoas que tinham um patrimônio, uma herança ou uma rescisão contratual e não sabiam o que fazer com esses recursos. Essas pessoas viram nos vídeos de Marcel uma possibilidade de ganhar dinheiro”, contou o delegado. Entretanto, por se tratar de um assunto de grande complexidade, logo ele convidava os alunos para investir o dinheiro em sua empresa própria. Os responsáveis pela investigação contam que ele atraía investidores de perfis diversos. “Chegou a informação de uma pessoa que investiu mais de R$ 5 milhões, por exemplo.”
 
“O 'piramideiro' paga os investidores antigos com os recursos dos novos. Até que essa bolha estoura. E foi o que ocorreu em setembro do ano passado”, disse o delegado. O modo de ele operar chamou a atenção de um grupo “antipirâmide”. Marcel foi sabatinado e os supostos especialistas descobriram que ele tinha apenas um conhecimento básico sobre investimentos, que era um charlatão, explicou. “O grupo divulgou isso em toda a internet, o que fez com que a credibilidade dele fosse a zero”, explicou o delegado. A notícia fez com que muitos investidores sacassem seus recursos.
 
Segundo as investigações, há cerca de um ano, a empresa desapareceu do mercado e Marcel passou a se esconder dos credores de diversas regiões do país. No resort onde morava, pagando aluguel de R$ 30 mil ao mês, Marcel contava com seguranças armados, que recebiam salários mensais de até R$ 10 mil. Seus gastos totais por mês em de R$ 100 mil a R$ 120 mil. Ele chegou até mesmo a se isolar em uma ilha do litoral baiano durante uma das fugas. Para ficar na ilha,  desembolsava R$ 120 mil por mês. “Ele ficou lá de três a quatro meses, mas logo decidiu ir para um lugar com estrutura melhor já que sua esposa não conseguia mais viver em tal isolamento”, acrescentou o delegado. “Marcel passou a ser um 'homem das cavernas'. Havia seis meses que não saía da propriedade”, acrescentou. Ainda segundo o delegado, o suspeito disse que evitava até ir ao andar de baixo da casa. “Sei que se alguém me ver, vão me matar”, teria afirmado ao falar de seu “alívio” por ter sido localizado pela polícia.
 
O golpista contou aos investigadores que se perdeu no próprio sucesso. Marcel nega ser um golpista e admite apenas que “cometeu erros de investimentos” depois de ter atraído um grande número de clientes. “Ele diz que arriscou demais e perdeu o dinheiro e que, se puder, vai pagar seus credores”, contou o delegado.

Laranja


Além de Marcel, a polícia prendeu Leonardo Oliveira Silva, de 32, suspeito de ser um “laranja” do amigo. O homem, que inicialmente tinha um salário de R$ 1,5 mil passou acumula patrimônio avaliado em R$ 3 milhões. “Leonardo era concunhado dele. Quando Marcel viu que a bolha estourou,  passou bens, imóveis, terrenos, carros para ele. Leonardo é uma pessoa que não tem uma profissão certa. E era bem simples”, explicou.
 

Pirâmide criminosa


O esquema

  • O golpe da pirâmide está previsto na Lei 1.521/51, que dispõe sobre crimes contra a economia popular, em seu artigo 2ª, inciso IX. O esquema consiste em tentar ou obter ganhos ilícitos através de especulações ou meios fraudulentos, causando prejuízo a diversas pessoas.  A pena prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção e multa.

  • O "esquema de pirâmide" ou “pirâmide financeira” é um modelo fraudulento de negócios, que não tem como dar certo. Necessita de captação constante de outras pessoas, que geralmente têm que pagar alguma coisa para entrar na base do negócio, sob a promessa de receber lucro ou vantagens exponenciais pela captação de novos integrantes. Assim, apenas o criador, e no máximo um pequeno grupo de envolvidos, acaba realmente enriquecendo.

O caso de Marcel Bicalho

  • Marcel Mafra Bicalho iniciou as atividades criminosas em Montes Claros, no Norte de Minas. Há cerca de quatro anos, ele fundou a “Mattos Investing”, com o objetivo de captar investidores no setor de criptomoedas e mercado Forex

  • Inicialmente, ele criou um canal no Youtube e gravou vídeos para redes sociais para explicar como investir no mercado – ainda muito pouco conhecido. A plataforma ensinava, ainda que superficialmente, sobre lucros e benefícios

  • Marcel convidava os alunos para investir o dinheiro em sua empresa própria, com promessa de retorno dos investimentos a uma taxa de 30% a 100% ao mês, com aporte mínimo de R$ 1,5 mil

  • O 'piramideiro' paga os investidores antigos com os recursos dos novos. Quando o negócio de Marcel foi desmascarado na própria internet, ele perdeu a credibilidade, tornando insustentável o fluxo de recursos 


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