Dados do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG) indicam que o perigo representado pela tragédia envolvendo um caminhão de transporte de caçambas, que terminou com a morte da psicóloga Ivanilda José Basílio Felisberto, de 58 anos, prensada em seu carro na Rua Professor Aníbal de Mattos, no Santo Antônio, Região Centro-Sul de BH, é mais comum do que parece. Quando se juntam os registros de infrações feitos pelos três radares que monitoram 24 horas por dia o tráfego pesado nas avenidas do Contorno e Nossa Senhora do Carmo, dois dos principais corredores da cidade, e na Rua Haiti, no Bairro Sion (Região Centro-Sul), e as autuações feitas pela Polícia Militar e Guarda Municipal, já são 1.236 multas no primeiro semestre de 2019. A média é de um caminhão flagrado em área proibida a cada quatro horas na cidade.
Os números deste primeiro semestre são bem maiores do que os anos anteriores completos, mas a situação pode ser explicada pelo fato de os dois radares das avenidas do Contorno e Nossa Senhora do Carmo e o da Rua Haiti terem ficado desligados por quase dois anos, o que torna a comparação entre períodos passados prejudicada. A BHTrans não comenta o motivo da inatividade desses equipamentos por tão longo tempo. A empresa alega que os dados exclusivos dos fiscais eletrônicos não estão disponíveis porque o órgão considera os registros somente depois que eles efetivamente se tornam multas.
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Belo Horizonte tem hoje diversas vias com restrições para trânsito de caminhões. As proibições incluem trechos de corredores com grande fluxo de veículos, como as avenidas Antônio Carlos, Pedro II, Andradas, Amazonas, Raja Gabaglia, Afonso Pena e Tereza Cristina, além da Contorno e da Nossa Senhora do Carmo. Contudo, entre essas há fiscalização apenas nas duas últimas, o que torna os números de multas aplicadas ainda mais longe da quantidade de infrações realmente cometidas. No ano passado, por exemplo, apenas 820 autuações foram computadas – e dessas, 653 apenas em dezembro, quando os radares foram religados, segundo a BHTrans. Em 2017, foram 169 e 363 em 2016.
A negligência dos motoristas é o que mais chama a atenção. Em depoimento à polícia, o caminhoneiro Ricardo Maciel Pereira, de 57, que dirigia o veículo que arrastou dois carros na segunda-feira, disse que não viu a placa que proíbe o tráfego de caminhões na Rua Professor Aníbal de Mattos. A defesa dele também sustenta que o veículo de carga havia passado por uma vistoria na semana passada, o que excluiria a possibilidade, segundo os advogados, de o caminhão ter perdido os freios. Ricardo tem 25 anos de experiência na profissão e trabalhava ao lado do irmão quando o acidente aconteceu.
Na edição de ontem, moradores da rua do Bairro Santo Antônio reforçaram ao Estado de Minas o fato de que o desastre de segunda-feira era uma questão de tempo, ao denunciar que o fluxo de caminhões no local é diário e intenso, apesar da proibição exposta em várias placas. Há registro inclusive de outro veículo de carga que desceu a via desgovernado no fim da década de 1980, parando em um lote que na época estava vago, mas onde atualmente há um prédio.
Exceções
Ainda que muitas vias de acesso ao Centro de Belo Horizonte tenham restrições ao tráfego pesado, há casos em que a legislação permite o trânsito de caminhões em vias íngremes. Mas, para isso, o motorista precisa portar a Autorização Especial de Trânsito (AET). Trata-se de um documento expedido por órgãos públicos do estado ou de municípios, para permitir circulação de veículos ou combinações de veículos usados no transporte de carga que não se enquadrem nos limites de peso e dimensões estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O documento pode ser solicitado pela empresa, pela pessoa física ou por um despachante e a concessão está condicionada a locais e horários em que a operação pode ocorrer.