Uma mulher foi morta por marido, namorado, companheiro ou ex a cada três dias em Minas Gerais no primeiro semestre deste ano, período em que ocorreram 64 feminicídios no estado e outras 104 tentativas. No Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, lembrado pela primeira vez em 2019, o quadro geral indica que os números de crimes contra a vida são tão escandalosos quando os de agressões. Considerados dados de todo o ano de 2018, houve em território mineiro nada menos que 144.957 registros policiais de violência doméstica e familiar contra a mulher. São 16 episódios por dia ou um aproximadamente a cada 4 minutos – sem contar os casos que nunca chegam ao conhecimento das autoridades. Uma curva que vem se mantendo praticamente estável nos últimos três anos.
A Lei Maria da Penha, que completou neste mês 13 anos de vigência, trouxe arcabouço legal de proteção para as mulheres. No entanto, especialistas lembram que para que os assassinatos e o quadro geral de violência se reduzam, é necessário mudar uma cultura que persiste, embora bastante contestada, de que a mulher é propriedade do homem. Os próprios dados do feminicídio demonstram o tamanho do desafio: apenas em Belo Horizonte, oito mulheres foram assassinadas entre janeiro e agosto deste ano por homens com quem haviam se relacionado, número que já ultrapassou a soma de todo o ano passado na capital, quando foram sete assassinatos.
“Os feminicídios ocorrem por uma série de fatores. O sentimento de posse, o machismo muito presente na sociedade... O homem se sente dono da mulher e age como se pensasse: 'Se não é minha, não vai ser de mais ninguém'”, afirma a promotora de Justiça Patrícia Habkouk. E completa: “A violência contra a mulher é antiga, fenômeno global, não vem de hoje. São mortes toleradas pela sociedade, coberta por costumes e tradições.”
A opinião sobre a importância de uma mudança cultural é compartilhada pela delegada responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Carla Conceição. “Nossa sociedade machista guarda resquícios do patriarcado. Há muito o que se avançar nesse sentido”, afirma. Ela destaca a importância da Lei Maria da Penha, mas ressalta que é preciso mais. “A lei sozinha não vai fazer transformação. Mesmo com a lei, se mantivermos a cultura do machismo, não conseguimos avançar e ter resultados positivos”, diz.
A opinião sobre a importância de uma mudança cultural é compartilhada pela delegada responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Carla Conceição. “Nossa sociedade machista guarda resquícios do patriarcado. Há muito o que se avançar nesse sentido”, afirma. Ela destaca a importância da Lei Maria da Penha, mas ressalta que é preciso mais. “A lei sozinha não vai fazer transformação. Mesmo com a lei, se mantivermos a cultura do machismo, não conseguimos avançar e ter resultados positivos”, diz.
Com o propósito de formar futuras gerações, ocorreram ontem ações educativas para lembrar o Dia de Combate ao Feminicídio. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi realizado ato em memória de Lílian Hermógnes da Silva, morta aos 44 anos, em um crime que, de acordo com as investigações, ocorreu a mando do ex-marido. Na ocasião, foi lançado o concurso de redação com o tema "A importância da educação na prevenção à violência contra a mulher e o feminicídio", promovido pelas secretarias de estado de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social e de Educação e pelo Ministério Público.
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Um dos avanços da Lei Maria da Penha foi a instituição de uma rede de proteção à mulher. No entanto, a promotora Patrícia Habkouk lembra que é necessário avançar. “A estrutura da rede não é suficiente. Em Minas Gerais, são 853 municípios e temos delegacia da mulher e serviço especializado em menos de 10%, 63 deles. A representante do MP lembra ainda que muitas mulheres não denunciam a violência. “Um grande desafio, muitas vezes, é a mulher enxergar que está em situação de violência doméstica. Às vezes, está sob violência psicológica enorme, que não percebe.”
Para pedir apoio, a vítima de violência doméstica pode procurar a Delegacia Especializada de Atendimento à mulher ou as delegacias de homicídios, em cidades onde não há a especializada, para fazer o pedido de medida protetiva. Outro caminho é procurar os serviços especializados, os centros especializados de atendimento à mulher ou os centro de referência especializados de Assistência Social (Creas) e Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
Mineiras na vanguarda
Os movimentos feministas reivindicam, ao longo da história, que os homicídios cometidos contra as mulheres sejam punidos como ato extremo de violência motivados pela questão de gênero. Uma mudança na compreensão da questão foi motivada pelo movimento Quem ama não mata, criado em agosto de 1980 em Belo Horizonte. Até então havia uma corrente que defendia o entendimento de que o homem poderia matar a mulher em defesa da própria honra. Jovens se indignaram contra o assassinato das mineiras Eloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha, por seus respectivos maridos e seu ato político que reuniu cerca de 400 pessoas na Igreja São José em plena ditadura militar se tornou divisor de águas na luta das mulheres.
Uma das consequências dos atos foi a criação do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). A jonralista Mirian Chrystus e a socióloga Celina Albano foram eleitas a primeira presidente e vice-presidente do centro. Para comemorar os 39 anos desse espaço será realizada na segunda-feira (26) roda de conversa com Celina Albano. "Mirian liderou o movimento Quem ama não mata até a realização do ato público e Celina sugeriu trazer para Minas a experiência das feministas europeias, liderando a criação do CDDM e se tornando a primeira presidente", afirma a socióloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Beth Fleury. Mirian, embora tenha sido eleita para ocupar a presidência, teve que sair por questões de saúde.
Celina teve participação expressiva na articulação de mulheres no Congresso Nacional, movimento que ficou conhecido como “lobby do batom”, e que resultou em importantes avanços no campo da igualdade de gênero na Constituição de 1988. A roda de conversa, que ocorrerá no Teatro da Cidade, abordará a atuação histórica do feminismo mineiro e brasileiro na década de 1980.
Beth Fleury destaca que a atuação do Quem ama não mata foi fundamental para a mudança de uma compreensão amplamente aceita na sociedade brasileira, do assassinato em legítima defesa da honra. “A tese da livre defesa da honra deixava livres homens assassinos confessos”, diz. As ações do movimento influenciaram no julgamento de Doca Street pela morte de Ângela Diniz, socialite assassinada aos 32 anos, em Armação de Búzios, em 30 de dezembro de 1976.
Beth lembra que a tese foi derrotada naquele julgamento. A opinião pública da época foi mobilizada de forma a combater os crimes bárbaros contra as vidas das mulheres. A movimentação das feministas mineiras pautou as primeiras políticas públicas para a proteção à mulher e contribuiu para que, anos depois, fossem instituída a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio. “Em 1983, entregamos documento ao governador de Minas, Tancredo Neves, que, com Franco Montoro, em São Paulo, criaram os dois primeiros conselhos estaduais das mulheres e as duas primeiras delegacias de mulheres”, recorda.
Porém, ainda hoje os movimentos se mantêm na luta para que homens que cometem feminicídio sejam punidos adequadamente.