Jornal Estado de Minas

Celebração

Sete meses após tragédia, Brumadinho tem de heroísmo à escalada de fraudes

A delegada de Brumadinho Ana Paula Gontijo está a frente de 84 inquéritos que investigam fraudes para obtenção indevida de indenizações - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA PRESS

Do combate a incêndios ao salvamento de vidas; do simples resgate de um animal até a atuação em grandes catástrofes. Apenas de janeiro a julho deste ano, a rotina dos bombeiros de Minas Gerais incluiu 212 mil atendimentos, ou mais de mil a cada dia. O principal deles ficará marcado para sempre na história não só da corporação, mas também do estado: a tragédia de Brumadinho, que completou sete meses no último dia 25.

Já são mais de 200 dias de trabalho, sem data para terminar, que já levou à identificação de 248 vítimas e que ontem, data em que a corporação completou 108 anos, possibilitou a  localização de mais restos mortais – o que deve fazer o número de desaparecidos não identificados, atualmente em 22, diminuir novamente. Os trabalhos de resgate foram distinguidos ontem, com homenagens aos mineiros e entrega de medalhas da Ordem do Mérito Imperador Dom Pedro II a militares de outros estados que apoiaram as atividades de busca e salvamento, após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, na cidade da Grande BH.

Uma distinção ao trabalho incansável, que ainda ontem, passados mais de sete meses, envolvia 115 bombeiros, 18 frentes de trabalho e 164 máquinas atuando em pontos estratégicos, à procura de vítimas de uma das maiores tragédia do país. “Foi um desastre que abalou o Brasil e impôs a necessidade da maior operação de buscas do país. Nossos militares se doaram em prol de cada uma das vítimas, e transformaram a operação em um evento reconhecido pelos brasileiros como exemplo de solidariedade e heroísmo. Como organização, fomos profundamente impactados pelo irrestrito apoio das corporações irmãs e, como forma de materializar nossa gratidão, outorgamos a medalha Dom Pedro II ao Corpo de Bombeiros do Ceará, do Distrito Federal, de Alagoas, de Sergipe, de Goiás, do Paraná e da Paraíba”, disse o comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar de Minas, coronel Edgard Estevo.

O oficial destacou a bravura dos militares no trabalho de salvamento. “Sabemos que as adversidades são muitas, é preciso reconhecer que houve avanços e que, da parte deste comando, todos os esforços possíveis estão sendo empenhados para fazer crescer esta corporação”, disse, sobre esta que já é a maior operação de busca e salvamento realizada no país.

Segundo a corporação, não há prazo para interrupção das buscas.
Muitos segmentos de corpos ainda estão sendo encontrados. “Enquanto ainda for possível a identificação dos segmentos que encontramos, quase que diariamente, vamos continuar trabalhando. Como sempre, trabalhamos com uma parceria muito forte com a Polícia Civil, os equipamentos ainda conseguem identificar por meio de DNA as vítimas. Então, continuamos trabalhando”, disse o comandante dos bombeiros.

O volume de rejeitos, que se espalhou por uma área de 4 milhões de metros quadrados, foi de cerca de 10,5 milhões de metros cúbicos, o que equivale a 4,2 mil piscinas olímpicas. Para retirar todo esse material, foi necessário que os bombeiros organizassem um trabalho de inteligência. De acordo com a corporação, já foram movidos 12% do montante total de lama. “Trata-se de um trabalho de inteligência de escavação.
Escavamos locais com maior probabilidade, com base no movimento da lama, a profundidade, entre outros”, acrescentou.

O governador Romeu Zema (Novo) elogiou os trabalhos: “Só tenho a agradecer a todos que arriscaram a vida, que se ausentaram de suas famílias, que fizeram tudo que estava ao seu alcance. O Corpo de Bombeiros realmente merece o nosso reconhecimento”, disse.

A corporação já mostra preocupação com a aproximação do período chuvoso, que deve demandar novas formas de ação. “É possível que tenhamos de mudar a estratégia de atuação, em razão do período chuvoso que se aproxima, deixando o terreno todo de uma forma diferente. Podemos mudar a estratégia, mas não vamos abandonar as famílias que perderam entes queridos”, completou o comandante dos bombeiros.


 Fraudadores usam variações de golpes

O desastre que levou um mar de lama e rejeitos a Brumadinho, deixando rastro de destruição e morte, também revelou lado obscuro que acompanha tragédias dessa magnitude: pessoas que, alheias ao sofrimento das vítimas, querem tirar proveito financeiro do desastre, cometendo diferentes tipos de fraudes. Nesta semana, em Papagaios, na Região Centro-Oeste de Minas, mais um foco desses crimes foi identificado: quatro pessoas foram autuadas em flagrante, acusadas de estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e falsificação de documentos públicos e particulares. A Delegacia de Brumadinho já instaurou 84 inquéritos para investigar casos do gênero. “O ser humano é movido por dinheiro”, constata a delegada de Brumadinho, Ana Paula Gontijo, que está à frente da maioria das apurações.

A quadrilha, formada por dois homens e duas mulheres (uma delas com 17 anos), foi abordada por policiais militares quando deixava Papagaios com documentos e receitas médicas falsas. A documentação seria usada para comprovar que eles viviam na cidade de Maravilhas, na Bacia do Rio Paraopeba, área atingida pela tragédia.
“Estavam em busca de indenização, passando-se por moradores da área”, disse o delegado regional de Pará de Minas, Carlos Henrique Gomes Bueno, responsável pela investigação. Uma das detidas atuava como agente de saúde e confessou ter feito 40 declarações, algumas verdadeiras e outras falsas.

Um indicativo da escalada de fraudes é o aumento repentino na população de Brumadinho. Em 2018, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), havia em torno de 39 mil habitantes na cidade. De março para cá, o número saltou para 46 mil pessoas, conforme informou a delegada do município. “Em busca de declaração falsa, muita gente se mudou para a cidade. Um aumento de quase 6 mil pessoas em poucos meses em um município que não está estruturado para isso”, afirma.

Ainda há casos de imobiliárias que falsificam contratos de aluguel, colocando datas retroativas. “Temos diligências abertas para apurar esses casos. Esse crime demora para prescrever. Muitos estelionatários acreditam que basta deixar de receber os benefícios para não serem processados, mas podem responder pelo que fizeram no passado. Pode demorar dois, cinco anos, mas vamos apurar todas as fraudes”, garante a delegada.

A delegada percebe que, de tempos em tempos, são arquitetados novos tipos de golpes.
A primeira onda surgiu dias depois do desastre, ocorrido em 25 de janeiro. Quando a Vale anunciou que pagaria R$ 100 mil para as vítimas, estelionatários tentaram incluir nomes nas listas. Em fevereiro, foram presas 32 pessoas em flagrante. “Tentaram inserir nomes de pessoas já falecidas, gente que nunca existiu e até de foragidos”, revela a delegada.

A delegada conta que um estelionatário fez de tudo para incluir o nome do irmão entre as vítimas. “Conseguimos apurar que o irmão estava vivo e era foragido da Justiça de Santa Catarina, condenado por homicídio”, disse. Na época, foi expedido mandado de prisão e os dois foram presos, um deles em Santos (SP). “Um deles estava em Brumadinho recebendo benefícios: estava hospedado em hotel, fazendo uso de passagens aéreas e tratamento odontológico custeado pela Vale”, afirma. Depois da investigação, a Polícia Civil conseguiu retirar 40 nomes da lista de desaparecidos, a maioria deles inserida por fraude.

Responsável pela barragem que se rompeu, a Vale anunciou compensação de R$ 100 mil para cada vítima morta, R$ 50 mil para quem perdeu terreno ou imóvel e R$ 15 mil para quem perdeu a produção. O segundo grupo de fraudes inclui pessoas que tentavam comprovar que tinham plantações ou desenvolviam outro tipo de atividade econômica na área atingida, conta a delegada.

Um caso de repercussão é o de Ana Maria Vieira Santiago, uma ex-candidata que disputou o cargo de deputada distrital em Brasília. Ela é acusada de falsificar documentação para receber R$ 50 mil por terreno e R$ 15 mil pela produção.
“Ela ainda desfrutava de médico, cartão de loja de departamento para comprar roupas, trouxe depois o filho dela e ficaram abrigados em hotel com tudo à disposição”, informou Ana Paula.

O filho da candidata também entrou na fraude, alegando que teve o ombro fraturado quando fugia da lama. “A Vale chegou a autorizar a realização da cirurgia, mas a fraude foi descoberta.” A Justiça arbitrou fiança no valor de R$ 65 mil.

Em março, a Vale anunciou pagamento aos moradores de Brumadinho como indenização emergencial: um salário mínimo para adultos, meio para adolescentes e um quarto para crianças. Para conseguir os benefícios, estelionatários buscaram formas de comprovar que eram moradores da cidade, inclusive com transferências de título de eleitor: foram 400 solicitações a mais, segundo a delegada. “As pessoas não se atentaram que o título deveria ser anterior a 25 de janeiro. Perceberam que não ia dar certo, então pararam”, informa. Sem ter declaração de residência, muitos tentaram o documento em postos de saúde. Uma quadrilha começou a falsificar declarações: com papel timbrado e carimbo falsificados. A fraude é atribuída inclusive ao vereador de Mário Campos Josimar Silva Cardoso (PDT)
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