Minas Gerais entra hoje no mês tradicionalmente mais crítico para a ocorrência de incêndios florestais, segundo série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com uma conjunção preocupante de números e circunstâncias. Antes mesmo do início de setembro, o território mineiro já acumulava, até sexta-feira, 73% mais focos de calor do que nos primeiros oito meses do ano passado. E, enquanto o estado anuncia o envio de equipe do Corpo de Bombeiros para reforçar o combate a incêndios na Região Amazônica, a corporação está presente em apenas 76 municípios de Minas, menos de 10% do total das 853 cidades. O efetivo é outra questão delicada: são 6 mil militares, quando seria necessário pelo menos mais um terço, ou 2 mil agentes, para cuidar de 3,5 milhões de hectares apenas de vegetação protegida – sem considerar áreas fora das unidades de conservação e as demandas cotidianas dos bombeiros, que apenas até julho atenderam, a cada dia, média superior a 1 mil ocorrências.
A Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra) alerta sobre a defasagem do número de militares para essa tarefa, sustentando que, para dar conta de atender a todo o estado, o efetivo deveria ser de 8 mil agentes. Ainda segundo a entidade, a atual administração do governo estadual barrou a efetivação de 500 militares concursados para este ano.
Um desafio diante de um quadro de incêndios que se alastra em proporções preocupantes. Segundo dados do Inpe, até sexta-feira, os satélites do instituto haviam captado 3.024 focos de calor em território mineiro. Em 2018, até o fim de agosto não eram mais que 1.749. O aumento de queimadas em Minas espelha cenário do país em 2019, com aumento de 72% nos pontos de fogo quando comparado o período de 1º de janeiro a 30 de agosto com igual período do ano passado, ou 88.816 detecções contra 51.555 registradas em 2018. Realizado desde 1994, o monitoramento capta imagens de baixa (30 metros a 1 quilômetro) e média (10 a 50 metros) resolução espacial para estimar a superfície queimada no país.
SOBRECARGA Em Minas, em áreas como a de Uberaba, no Triângulo Mineiro, o número de incêndios em áreas verdes que demandam ação dos bombeiros é tamanho que, até o mês passado, a corporação ficou impossibilitada de atender a 395 outras ocorrências simultâneas a chamados para combate a focos em vegetação. Não é um caso isolado: em Barbacena, na Região Central do estado, as chamadas também dispararam neste ano e é necessário lidar com o desafio dos pedidos de socorro que superam a capacidade de atendimento.
“Devido ao clima seco e ao período prolongado de estiagem, propício ao incêndio florestal, é comum que haja vários focos simultâneos, o que, por vezes, dificulta o atendimento de todas as demandas. Outro fator que impõe dificuldades é que, no combate ao incêndio florestal, a topografia do terreno influencia sobremaneira a tática a ser usada, fazendo com que uma ocorrência perdure por horas, dificultando novos empenhos daquela guarnição de bombeiros. Por isso, é necessário envolvimento da população em ações preventivas, auxiliando a corporação a evitar ou minimizar o fogo em áreas verdes”, explicou o capitão Ricardo Augusto Pereira da Cunha, comandante da 1ª Companhia de Barbacena.
De acordo com ele, este ano foram 225 ocorrências de fogo em vegetação atendidas em Barbacena e região, sendo que a Companhia Independente – que inclui Conselheiro Lafaiete, São João del-Rei e Congonhas – atendeu a 382 chamados. Comparativamente, durante todo o ano de 2018 foram 174 ocorrências relativas a incêndios florestais em todos os municípios atendidos pela companhia. “Quando a demanda se sobrepõe à capacidade de resposta, fazemos a triagem das ocorrências, dando prioridade àquelas com risco iminente à vida e posteriormente ao patrimônio e ao meio ambiente, respectivamente. Quando os incêndios florestais não trazem risco imediato à vida ou ao patrimônio, as ocorrências são atendidas por ordem cronológica de acionamento via telefone 193”, explicou ele, que não detalhou o número de chamados que ficaram sem atendimento devido ao excesso de demanda.
Ontem, a região enfrentou mais um desafio. Bombeiros de Conselheiro Lafaiete tiveram de atuar para combater um incêndio de grandes proporções às margens da BR-040 nas imediações do Km 594. Por volta das 14h os miliatres já combatiam o fogo próximo ao antigo Viaduto das Almas e ao elevado que o substituiu. A ocorrência foi encerrada cerca de duas horas depois, mas as chamas voltaram e o fogo avançou. Até o fechamento desta edição, os militares continuavam atuando no combate às labaredas.
EFETIVO O vice-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra), sargento Marco Antônio Bahia, sustenta que são muitas ocorrências para um efetivo insuficiente, o que acaba por sobrecarregar o militar. “Precisamos de um efetivo de, pelo menos 8 mil pessoas para atender ao estado. Mas o número não passa de 6 mil. O bombeiro militar completa 30 anos de corporação e deixa o cargo. Todo ano muitos saem, mas não temos reposição correspondente. O número de evasão cresceu muito nos últimos 10 anos”, disse
As dificuldades também afetam o trabalho dos brigadistas. A Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda) afirma que trabalha com 81 agentes de combate ao fogo. E admite que por muitas vezes também precisa estabelecer uma ordem de prioridade para atender a tantas ocorrências simultâneas. “O número de brigadistas ainda não é o bastante. Principalmente quando a política de prevenção é insuficiente e a quantidade de incêndios, muito grande. Mas já se percebe grande progresso se comparado há 30 anos”, pontuou Dalce Ricas, superintendente da entidade.
No mês passado, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais lançou o Plano de Comando que prevê a ampliação do efetivo no estado até 2026. Na ocasião, de 2015 para 2019, a presença dos bombeiros militares saiu de 58 para 73 municípios, crescimento de 24% em quatro anos. A proposta é levar os militares para outras 57 cidades mineiras, totalizando 130 municípios até 2026. Em coletiva de imprensa, o comandante-geral do Corpo de Bombeiro Militar de Minas, coronel Edgard Estevo, afirmou que com 8 mil militares é possível cobrir todo o território do estado.
PODE PIORAR Enquanto o efetivo não cresce, os bombeiros trabalham com a probabilidade de o prolongamento da estiagem no inverno mudar a dinâmica dos incêndios na Grande Belo Horizonte, a região de Minas que mais sofre com queimadas. “Houve atraso no período de estiagem. Tivemos chuvas até julho e baixa temperatura. Agora começa o calor, mas ainda temos um friozinho. Os grandes incêndios ainda não começaram”, advertiu ao EM o segundo-tenente Leonan Soares Pereira, comandante do Pelotão de Combate a Incêndios Florestais dos Bombeiros.
“Historicamente, setembro é um mês mais crítico. Nesta época, entre os principais fatores de risco estão baixa umidade relativa do ar, vegetação ressecada, ventos fortes e altas temperaturas”, explicou Warley de Paula Pereira Barbosa, 1º tenente do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres, do Corpo de Bombeiros.
O Governo de Minas informou por meio de nota que o processo de provimento de servidores do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais está em andamento e que o início do curso de formação para o cargo de soldado está previsto para maio do ano que vem. Além da atuação dos militares no combate a focos, ações de prevenção, controle e combate a incêndios florestais são desenvolvidas, em âmbito estadual, pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), por meio do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio).
Ao longo da última semana, o Estado de Minas fez contato com o Corpo de Bombeiros para que a corporação se posicionasse em relação a questões de efetivo e à demanda de ocorrências simultâneas, mas não obteve respostas até o fechamento desta edição.