Jornal Estado de Minas

Bilinguismo

De idiomas, bilíngue ou internacional: as diferenças do ensino que abre fronteiras


 
O futuro está indo muito além da matemática, da história e da geografia. Com a demanda do mercado por perfis inovadores e a busca de formação mais ampla e integral, explodiu nos últimos anos a procura pela educação que valoriza outro idioma. No passado, inglês, francês e até o latim eram ensinados com excelência nas salas de aula de colégios públicos, para serem dominados pela vida toda, mas alterações legais e os rumos da educação brasileira mudaram a história. Hoje, língua estrangeira se tornou diferencial no ensino privado, com disparada no número de instituições aptas a atender a esse nicho em Belo Horizonte, seja em colégios internacionais ou naqueles com um programa bilíngue. E aguçam os olhares neste período em que as instituições abrem matrículas para o ano que vem. O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep/MG) estima aumento em torno de 40% no número de escolas a oferecer o programa nos últimos dois anos. E alerta para os cuidados com os detalhes, já que muitas podem não ser realmente bilíngues.





Hoje, o ensino de idiomas é previsto, mas esbarra em diversos problemas, desde a formação do professor até a regulamentação, conforme comenta a diretora do Bernoulli Go, Andreza Félix. “A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) pôs o inglês como obrigatório a partir do 6º ano, o que dará acesso a quem não estuda em programas bilíngues e cursos livres”, afirma. A base, aprovada ano passado, estabelece conhecimentos e competências a serem desenvolvidas por estudantes de todo o país ao longo da escolaridade básica.

Dados do British Council, organização internacional do Reino Unido para relações culturais e oportunidades educacionais, mostram que 5% dos brasileiros falam inglês, mas apenas 1% é fluente na língua. A presidente do Sinep, Zuleica Reis, explica que, por não haver regulamentação oficial, as organizações que reúnem as escolas bilíngues definiram parâmetros para que uma instituição de ensino seja considerada como tal. Na educação infantil, ela deve ter no mínimo 75% da carga horária diária no idioma estrangeiro; no ensino fundamental 1, pelo menos um terço da carga horária diária deve ser em outra língua que não o português. Já nos ensinos fundamental 2 e médio é preciso que 25% da carga horária diária seja na segunda língua.

Diretora da unidade Nova Lima do Colégio Santo Agostinho, Lorena Macedo afirma que a procura por escolas com esse padrão começou quando elas ofertavam apenas os projetos de high school (o equivalente ao ensino médio na América do Norte): jovens que tinham a expectativa de estudar fora e queriam, por isso, aprender inglês de maneira eficaz. No colégio, tudo começou com um convite do governo canadense para implementar os programas, que, de tão fortes, levaram ano passado à criação da área de internacionalização.





O programa bilíngue foi implantado há dois anos, desde o maternal. Nele, matérias tradicionais são ensinadas em inglês, durante o período das aulas. “Vamos costurando o projeto de internacionalização até a universidade, ajudando, inclusive, o aluno que quiser cursar o ensino superior fora do país”, explica. “É um processo muito mais amplo que só ensinar o inglês de forma corrente. O aluno pequenininho começa a falar e mistura com português, a princípio, de maneira que parece meio mágica. A intenção é que o estudante do fundamental 1 saia fluente na língua”, diz. No high school, feito separadamente, há opção de diploma com dupla certificação, que permite o aluno, como um nativo canadense, estudar naquele país.

FUTURO Para Lorena, o movimento é muito maior que as línguas em geral e passa por preparar o aluno para o futuro. “Pesquisas mostram que 65% das profissões ainda não existem, logo, precisamos ampliar esse leque para além das fronteiras”, diz, lembrando que o projeto bilíngue envolve o conhecimento das matérias curriculares em inglês. A diretora faz um alerta: “As famílias precisam estar atentas ao que está sendo chamado de projeto bilíngue. Não é uma aula de inglês estendida, cuja carga horária era de duas vezes por semana e passa a ser de quatro ou cinco. Bilinguismo envolve o conhecimento das matérias curriculares em inglês. A língua é o meio para se atingir o fim”.

Aprender e entender as matérias em outro idioma significa, nesse ponto de vista, mais que dar ao aluno uma segunda língua, mas ensiná-lo a ser crítico, a pensar e querer mais, criar hipótese, soluções e conclusões. “Esse é o motivo que me dá certeza de que é um processo que não vai parar por aqui. Não tira o peso acadêmico, mas temos que oferecer mais. Mesmo não sabendo o que vem pela frente, fortalecemos as múltiplas habilidades dessa criança para que ela lide com o incerto”, afirma.





A estudante Laura Caetano de Sá, de 17 anos, está no 3º ano do ensino médio do Santo Agostinho e se formou também na high school da unidade Nova Lima do colégio. Ela tinha as aulas do currículo convencional brasileiro pela manhã e, quatro tardes por semana, aulas do currículo canadense. Eram ministradas quatro matérias por semestre, sendo inglês e redação obrigatórias. Entre as disciplinas, temas diferentes do que se aprende na sala de aula das escolas brasileiras: discussões políticas globais, ciências ambientais, empreendedorismo, liderança e turismo. Laura conta que optou pelo programa quando tinha 14 anos. “Foi uma decisão minha, pois eu tinha um incômodo pessoal com o sistema de ensino brasileiro, no qual o aluno é treinado só para fazer prova do Enem e fazer redação no modelo do Enem. Acaba limitando a criatividade dos estudantes”, diz.

Com uma possibilidade bem diferente à vista, Laura se jogou na internacionalização, aproveitando as oportunidades de cursos de verão. Em 2017, foi para o Boston College, nos Estados Unidos, ano passado esteve em Toronto (Canadá), por um programa da escola para aperfeiçoar o inglês e no último mês de junho foi para Harvard estudar políticas e direito. O ganho de conhecimento foi ainda maior. “As aulas de redação e a experiência de fazer ensino médio fora do país melhoraram muito minha escrita. A escola treina os modelos convencionais para o Enem nas aulas de redação. A high school melhorou de fato minha capacidade de escrever.”

De olho em cursos de biologia molecular e genética, a adolescente está tentando vaga na graduação de universidades norte-americanas e canadenses e não descarta fazer o Enem. “O meu perfil de estudante é outro. Não concordo com o modelo de educação brasileiro.”




 
 

Qual a diferença de escola/curso de idioma, educação bilíngue e escola internacional?


  • A escola de inglês (ou outro idioma) enfatiza a estrutura gramatical da língua, do vocabulário; ela explora o ensino da língua como uma matéria em si para aprendizado.

  • Educação bilíngue é o inglês sendo dado dentro da escola. A diferença é que se ensina o idioma integrado às outras matérias, como artes, matemática, geografia e história. Com isso, o inglês passa a ser o meio de instrução para desenvolver a matéria, e não uma matéria em si. O modelo gera integração curricular, fazendo com que o segundo idioma ou o idioma-alvo se torne o meio pelo qual a instrução se dá.

  • A escola internacional, como a inglesa, britânica, alemã, francesa e suíça, usa o currículo do país-alvo, ou seja, não é o currículo brasileiro – a educação bilíngue usa o currículo brasileiro. As instituições internacionais começam o ano letivo em setembro, porque na Europa ou nos Estados Unidos é assim. Eles usam o currículo e calendário escolar ao qual a escola está ligada.




Regulamentação

  • A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação reconhece somente um tipo de ensino bilíngue: o que abrange língua portuguesa e intercultural indígena. Dessa forma, escolas que usam o inglês e outros idiomas não têm uma legislação específica que oriente suas atividades. Essas instituições seguem os parâmetros curriculares nacionais estabelecidos pelo Ministério da Educação. Para uma estruturação mais formal do trabalho com o segundo idioma, alguns colégios optam por adotar currículos de outros países, o que requer uma cuidadosa adaptação à realidade brasileira.

FONTE: Sinep/MG 
 
Aula na Fundação Torino: escola, que começou exclusivamente italiana, hoje tem também currículo brasileiro (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Internacionais são outra possibilidade 

 
A importância de um segundo idioma há muito é falada. A proliferação de cursos de língua estrangeira em um primeiro momento e o aumento da carga horária em escolas públicas são parte de um processo que vem se construindo ao longo dos anos. Mas somente agora há a preocupação maior de se fazer escolas mais próximas de uma realidade mundial. Mas, e quando um segundo idioma apenas não basta? Entram, então, em cena as escolas internacionais, que são sustentadas por dois critérios: a cultura e o modelo didático educacional. “Na cultura, vou além do idioma”, afirma a diretora-geral da Fundação Torino, Márcia Naves.

O colégio, localizado no Belvedere, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, nasceu exclusivamente italiano há 43 anos, com o objetivo de dar suporte educacional às famílias de profissionais que vinham da Itália trabalhar na fábrica da Fiat em Betim, na Grande BH. Os filhos de brasileiros também começaram a frequentá-la e, em 1992, tornou-se uma escola internacional, com currículo também brasileiro e chancelada pelos ministérios da Educação da Itália e do Brasil. A partir daí, cresceu com a mentalidade de formar cidadãos sem fronteiras até se consagrar como a maior escola italiana fora do país de origem, conforme explica a diretora.





Os processos seletivos não ocupam necessariamente todas as vagas, pois, mais que o cognitivo, é preciso um comportamento que se adeque à escola. A demanda aumentou nos últimos anos, mas há restrição na oferta. Com o diploma do ensino médio, o aluno pode pleitear uma vaga em qualquer instituição de ensino superior da comunidade europeia como um europeu, sem entrar na cota de estrangeiro.

CURRÍCULO Disciplinas diferentes das oferecidas na grade curricular de uma escola tradicional puramente brasileira, todas aprendidas em outros idiomas, são a marca registrada de uma escola internacional. No Caso da Fundação Torino, integram a proposta pedagógica matérias como história da arte e arquitetura. História do Brasil e mundial são ensinadas em profundidade. Livros importados dão luz à literatura internacional, que também é valorizada na versão brasileira.

Desde pequeninos os estudantes são chamados a falar português, italiano e inglês. No fundamental 1, em que a carga horária é maior do que a do Brasil, as crianças são alfabetizadas simultaneamente em português e italiano. O inglês entra como outra língua. No fundamental 2, o espanhol aparece como a quarta língua. “No ensino médio, o aluno está apto a falar todas. Ele conhece em profundidade, nas suas mais diversas formas, seja na ciência ou na literatura”, diz Márcia. “Temos um modelo educacional, as disciplinas e a cultura. E dentro da cultura temos o subitem que é o idioma. É assim que enxergamos. Não falamos de globalização de empresas, mas de indivíduos.”





Sem a chancela de governos e sem intenção de ser bilíngue, para o ano que vem quem adere ao programa de bilinguismo é a Rede Arnaldo, com o padrão e a metodologia da empresa International School. “Não seremos uma escola bilíngue. É um programa de educação, por meio do qual os professores de português, matemática, geografia e das outras disciplinas continuam dando suas matérias, mas com uma integração dos conteúdos com o inglês. A metodologia vai trabalhar projetos em que o idioma atue como o articulador de outras áreas”, explica a diretora de ensino da rede, Lucilene Antunes. O programa trás ainda muito conteúdo de tecnologia, matemática, engenharia e artes.

O perfil do professor também é diferenciado: com fluência em inglês e aberto à aprendizagem. Ele será orientado pedagogicamente pela escola a tratar dos conteúdos. Em um estudo sobre a fauna brasileira, por exemplo, embora o conteúdo seja de ciências, na aula de inglês poderia se fazer a comparação com outros tipos de animais mundo afora. “É muito lúdico. É programa com muita história, desafios e estratégias envolvendo arte, metodologias de tecnologias. Não foi a busca por mais um produto de mercado, mas por ampliar esse contexto cultural das crianças. E nada melhor do que fazer isso do que pela linguagem”, acrescenta.

Parcial Também na linha da oferta bilíngue está o Bernoulli Go, que começou a funcionar este ano e que faz questão de ressaltar: uma escola brasileira, com as composições do currículo das disciplinas tradicionais em língua portuguesa. A proposta é para atender aos alunos de 4 a 10 anos, na unidade criada para ir da educação infantil ao fundamental 1. O inglês é ofertado diariamente, dentro da carga horária da criança. A partir do ano que vem, quando a primeira turma vai para o 6º ano, será proposta a continuidade do projeto.



“É uma imersão parcial. Todos os dias, há um percentual significativo de língua inglesa, mas não é mesmo ofertado pelas escolas internacionais, em que o inglês é protagonista na matriz. A formação do currículo brasileiro tem uma proposta contemporânea no trabalho com a língua, diário e constante”, diz a diretora da unidade, pedagoga especialista em educação bilíngue Andreza Félix.  

Palavra de especialista 

Eliane Ferreira, diretora do Colégio Unimaster/Grupo SEB, pedagoga e mestre em educação na área de informática educacional e gestão
 
Uma janela para o mundo
 
Hoje, com a globalização da economia e do próprio modo de vida, não bastam qualificações profissionais ou acadêmicas. A proficiência em línguas estrangeiras aumenta as oportunidades no mundo do trabalho. E não precisamos mais atravessar o oceano para complementar uma dupla certificação. Temos nos mercados mineiro e brasileiro excelentes escolas e redes de educação que se preocupam em oferecer esses programas, a exemplo da certificação do High School. Com ela, o estudante pode concorrer a vagas em universidades americanas e canadenses, entre outras, e ainda estará mais preparado para fazer exames como Toefl, Toeic – ou pode mesmo nem precisar fazê-los. O programa se inicia no 9º ano do ensino fundamental e termina no final do 2º ano do ensino médio. Temos ainda, escolas bilíngues, em que os estudantes desenvolvem os conteúdos e habilidades em uma segunda língua, além do idioma materno. Há um mito de que a alfabetização simultânea de duas línguas pode causar confusões linguísticas. Bialystok e colaboradores (2005) defendem que o bilinguismo, na verdade, contribui com o processo de alfabetização, pois a criança tem uma capacidade maior de compreensão da escrita e seus mecanismos, assim como uma facilidade em transferir os princípios de leitura de uma língua para outra. A língua materna, no entanto, é essencial para a aquisição da segunda língua, pois ela proporciona a base necessária para que a criança possa construir suas hipóteses e visão de mundo. 

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