Jornal Estado de Minas

São Bartolomeu

Cansados de esperar, fiéis encaram obra de emergência em igreja do século 18

(foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

 Ouro Preto – A estrada rumo ao distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, na Região Central de Minas, leva, na essência, a um lugar bucólico, histórico e turístico – a paisagem tem fazendas pintadas no tradicional azul e branco, montanhas verdes, o Rio das Velhas estreito e ainda sem cor de poluição, além de cavaleiros solitários e sem pressa. Mas, nos últimos meses, os moradores perderam a paciência costumeira e decidiram proteger, com as próprias mãos, seu bem mais valioso: a matriz dedicada ao padroeiro, erguida no início do século 18. “Estamos esperando há três anos pela obra do PAC das Cidades Histórias, mas nada saiu do papel. Então, decidimos juntar recursos, comprar material e pagar pelo serviço necessário na cobertura do templo”, diz o guia de turismo rural Marco Aurélio Junqueira, em referência ao programa do governo federal para restauração do patrimônio.




Na gelada manhã de quarta-feira, um grupo de moradores se reuniu na igreja, com caloroso entusiasmo, para falar da iniciativa que já vai começar e terá acompanhamento de arquitetos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo tombamento em 1960, e da Secretaria de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto. “A igreja está interditada desde 1º de fevereiro”, observou, depois de consultar seu caderno de anotações, Ângela Maria da Silva, integrante do Conselho Comunitário. Confiante na obra emergencial, ela diz que abre a igreja e faz a limpeza todos os dias, a fim de evitar mais deterioração.


Com a interdição, foi desligada, para evitar incêndio, a parte elétrica da construção que guarda, além de altares barrocos, uma particularidade: no campanário, na parte dos fundos, de onde se vê a mata, encontra-se um sino de madeira, orgulho da comunidade, por ser “o único do país e um dos três no mundo”, como enfatiza Marco Aurélio, conhecido popularmente por Chumbinho. “Os problemas aumentaram com a umidade”, diz o morador, enquanto aponta o piso da sacristia, trincas nas paredes de pau-a-pique e adobe, além das gambiarras na fiação.


Participando do encontro, o presidente da Associação de Moradores de São Bartolomeu, Mauro Leonardo Penna Fontes, explica que o serviço emergencial será executado no telhado: “Estamos com medo da temporada de chuvas, então, faremos essa proteção”. Caminhando em direção à sacristia, ele mostra os caibros e as pilhas e telhas a serem usados na intervenção. “Já contratamos o serviço de um carpinteiro daqui mesmo”, contou Mauro Leonardo.




Além da cobertura e da parte elétrica, os moradores anseiam pelo restauro dos elementos artísticos – para segurança, todas as imagens foram retiradas e guardadas na Arquidiocese de Mariana, à qual a igreja está vinculada, via Paróquia Nossa Senhora de Nazaré, de Cachoeira do Campo. Enquanto não pode voltar ao templo, a comunidade participa das celebrações religiosas na Igreja Nossa Senhora das Mercês. Para a festa dos dias 24 e 25, em louvor ao padroeiro e ao Divino Espírito Santo, também patrimônio imaterial, foi montada uma tenda ao lado da matriz.


Há duas semanas como titular da paróquia, o padre Wander Torres Costa apoia a mobilização comunitária, pela preocupação com o patrimônio e iniciativa de fazer a obra. “Estou me inteirando de tudo e vamos fazer uma reunião para definir o caminho e planejamento”, afirmou o religioso, ressaltando que a paróquia tem 29 comunidades, incluindo a dedicada a São Bartolomeu, nome de um dos 12 apóstolos de Cristo.

 

(foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

O sino “mudo”

 

Uma das atrações da Matriz de São Bartolomeu, no distrito de mesmo nome, em Ouro Preto, é o sino da construção, feito de madeira. Ao subir ao campanário, os repórteres do Estado de Minas ouvem de Ângela Maria da Silva, do Conselho Comunitário: “Toma cuidado! Pisa nos barrotes, pois pode ter madeira podre na escada...” O guia de turismo rural Marco Aurélio Junqueira mostra a peça bem original, que teria, nos primórdios, um badalo de prata. “Dizem que foi roubado, então aqui ninguém nunca ouviu este sino tocando”, confessa. A presença do sino faz sentido: “Enquanto o de bronze não ficava pronto, este o substituía. E acabou ficando”. Mesmo mudo, o sino encanta pela história que o envolve e pela bela paisagem que se tem lá do alto do campanário. A placa na parede mostra que o sino foi restaurado em 1997, pela Fundação Gorceix.



 

 

Uma população unida pela mística da matriz 

Difícil não encontrar em São Bartolomeu – localidade famosa pelos doces, especialmente a goiabada, reconhecida como patrimônio imaterial municipal –, quem não tenha alguma ligação com a matriz. “É nosso ponto de convivência, de orações e de cerimônias como batizado, casamento, primeira comunhão e outros. Com ela fechada, perde também o turismo, pois é o grande ponto de visitação da comunidade”, diz Mauro Leonardo, ressaltando a localização da comunidade na Estrada Real.


À conversa, chega agora Vicente Quirino Fortes, de 84 anos, “nascido e criado” no distrito distante 18 quilômetros do Centro Histórico de Ouro Preto. Com um sorriso simpático, ele conta que, quando criança, ali pelos 9, 10 anos, tinha missão sagrada aos domingos. Saía cedo, a cavalo, para buscar, na sede, o padre que celebraria a missa na igreja. Na ida, seguia montado; na volta, o padre vinha a cavalo e o menino a pé. A situação se repetia ao levar o vigário no dia seguinte. Vicente era coroinha e se divertia com a tarefa nos domingos. “Ajudei muito os padres”, resume a época da meninice.

 

APROVAÇÃO Em nota, a direção nacional do Iphan informa que foi dada a aprovação para a obra de manutenção do telhado da matriz “executada pela comunidade e paróquia”. Os técnicos dizem ainda que “a intervenção não tem relação com a obra de restauro do bem, uma das ações previstas no PAC das Cidades Históricas em Ouro Preto”. A restauração tem projetos aprovados que se encontram, atualmente, com a Prefeitura de Ouro Preto para levantamento orçamentário solicitado pelo Iphan.




Segundo o secretário municipal de Cultura e Patrimônio, Zaqueu Astoni Moreira, a prefeitura trabalha para a revisão dos projetos dos elementos artísticos, os quais são de alta complexidade e foram elaborados há vários anos. “Essa revisão foi condicionada pela direção do PAC, em Brasília, para a aprovação do projeto e liberação do recurso. O restauro é uma iniciativa conjunta, que envolve município, Iphan e Igreja, proprietária do bem”, afirma.


Zaqueu afirma que a prefeitura não dispõe de recursos próprios para a iniciativa, orçada em R$ 7 milhões, e busca parcerias para a viabilização. “O município inscreveu, na quarta-feira, o projeto de restauro da Igreja São Bartolomeu no edital de direitos difusos do Ministério da Justiça, a fim de viabilizar o restauro em várias frentes”.