Jornal Estado de Minas

Novo Bento: por que vítimas da tragédia de Mariana reclamam da 'terra prometida'



Mariana – O atraso na entrega das casas do Novo Bento e uma série de problemas no dimensionamento, possibilidades de uso, acesso e conforto nos imóveis oferecidos à comunidade prolongam o drama das 240 famílias que serão reassentadas depois que o povoado de Bento Rodrigues, em Mariana, foi engolida pelo rompimento da Barragem do Fundão, no desastre que completa quatro anos em 5 de novembro. Desde a tragédia de 2015 já foram estabelecidas cinco datas para entrega das casas, a primeira delas em 2018. Neste ano, a conclusão das moradias que estava prevista para 27 de agosto de 2020 já foi novamente adiada para 2 de dezembro do mesmo ano. Contudo, a estimativa dos atingidos e de seus advogados é de que só a partir de 2021 seja possível ocupar as novas acomodações.

Nesta semana, a equipe do Estado de Minas ouviu várias reclamações feitas por atingidos da comunidade arrasada a seus representantes legais sobre os imóveis que receberão da Fundação Renova, entidade criada para lidar com os efeitos da tragédia da mineradora Samarco. Essas questões serão repassadas também aos advogados do escritório Anglo-Americano SPG Law, que processa a BHP Billiton – dona da Samarco ao lado da Vale – nas cortes do Reino Unido, onde fica a sede da BHP. Tais situações podem ajudar a mostrar que a reparação e as indenizações no Brasil não trarão toda a justiça que as vítimas merecem, reforçando o caso, de valor estimado pelos propositores da ação internacional em algo como 5 bilhões de libras (cerca de R$ 25 bilhões).

Os advogados pedem que seus clientes não sejam expostos, para evitar retaliações, uma vez que dizem ser pressionados pela Fundação Renova a abandonar o processo internacional e demais demandas para aderir ao Programa de Indenizações Mediadas, da entidade, sob pena de perda de benefícios. De acordo com os representantes legais dos atingidos, os lotes no reassentamento do terreno conhecido como Lavoura, onde será erguido o Novo Bento, são muito diferentes do que foi apresentado na maquete para a comunidade, na fase de escolha do lugar e aprovação do projeto. Segundo advogados, clientes estão recebendo áreas muito menores do que tinham na vila devastada pelos rejeitos de minério.

Parte desses terrenos, de acordo com defensores, também apresenta declividade acentuada, mesmo para as famílias que viviam em áreas planas.
Outro problema apontado é a paisagem. Em Bento Rodrigues, apesar da proximidade com a Barragem do Fundão (cerca de cinco quilômetros), a estrutura de mineração não era visível para os moradores. Agora, em várias partes do novo assentamento eles avistam a Barragem do Doutor, na Mina de Timbopeba, da Vale, que chegou a ser interditada pela Justiça e cujas sirenes e movimentação de veículos pesados causam ruídos 24 horas por dia, segundo os atingidos.

Segundo os advogados, quando a área de Lavoura foi apresentada, a Renova teria prometido que a disposição das casas seria a mesma de Bento Rodrigues. Mas, hoje, o que dizem ter percebido é que a disposição, a vizinhança, a declividade e outros pontos não respeitam esse acordo. “Nesse caso, a Fundação Renova sempre diz que haverá compensação financeira, mas sem que haja enriquecimento ilícito. Os parâmetros até hoje não foram expostos aos atingidos”, disse um dos advogados.

Outro problema é nos imóveis onde idosos e pessoas com dificuldades de locomoção serão reassentados. “Um dos projetos de casa para idosos, por exemplo, acabou com uma quantidade excessiva de degraus (54) e rampas para chegar ao quintal, onde seria possível o plantio de hortas, pomares, e a manutenção de criações, afrontando normas de acessibilidade.
Seria o mesmo de ter de subir e descer um edifício de quatro andares”, compara um dos defensores. “Há projetos de casas de três andares sem nenhuma acessibilidade para idosos”, reclama outro.

Os representantes legais dos atingidos também consideram que a melhor área do terreno foi destinada à Prefeitura de Mariana (90 hectares de terras do Novo Bento) e as piores acabaram destinadas às pessoas mais idosas. Questionaram, também, o fato de o uso dos terrenos ser menor do que o previsto. Isso porque, afirmam, a área foi considerada rural para estipular o preço do metro quadrado e urbana no momento de definir a limitação do potencial construtivo. 

Há ainda grande confusão entre a reparação (prover aquilo que foi perdido) e a indenização (compensar prejuízo físico, psicológico e do modo de vida). Quando os atingidos discutiam a indenização pela perda das áreas, perda do direito de convivência com seus vizinhos, a diferença de topografia e acessibilidade dos imóveis, essas questões acabam sendo tratadas como indenizações, quando para eles se tratam de reparações. “O que os atingidos querem é que o valor dos bens seja equivalente aos dos imóveis de Mariana que a Fundação Renova adquiriu nos últimos três anos (foram mais de 60 imóveis)”, disse outro advogado que representa pessoas afetadas.

Outra preocupação diz respeito ao custo de vida no novo assentamento, que podem ser elevados, segundo argumentam representantes legais da comunidade. “Haverá um enorme impacto na vida das pessoas, pois em Bento Rodrigues elas pagavam R$ 30 de taxas de luz a cada três meses, por exemplo; agora pagarão IPTU e taxas de água, luz e esgoto em valores muito mais altos. O custo de manutenção dessas novas residências serão altíssimos e a acima dos padrões de vida do atingidos”, alega um dos advogados, referindo-se à diferença de taxas pelo fato de a nova comunidade estar erguida em área considerada urbana, e não rural.



Entidade diz que houve
acordo sobre condições


Consultada sobre as questões levantadas por advogados dos atingidos pelo desastre do Fundão, a Fundação Renova destacou que área onde está sendo implantado o novo Bento foi aprovada pela comunidade em maio de 2016, por meio de votação favorável de mais de 90% das pessoas afetadas.
“Da mesma forma, em fevereiro de 2018 o projeto urbanístico foi aprovado pela comunidade com 99,44% de votos favoráveis, em assembleia geral realizada em Mariana”, diz nota da entidade. De acordo com a fundação, o modelo aprovado prevê a reconstrução das casas, assim como a retomada do modo de vida e a manutenção das relações de vizinhança. “Por isso, todas as ações de reparação relacionadas ao reassentamento são definidas em conjunto com os próprios moradores, respeitando os aspectos sociais, econômicos e individuais”, acrescenta.

Segundo a fundação, o terreno onde está sendo instalado o reassentamento foi transformado em área de expansão urbana pela Prefeitura de Mariana em dezembro de 2017, para atender a um requisito legal de uso e ocupação do solo. Em seguida, o terreno foi dividido em lotes, com o mínimo de 250 metros quadrados, “mesmo que as áreas anteriormente ocupadas pelos atingidos fossem menores”.

A Renova sustenta que cada futuro morador foi atendido por um arquiteto contratado pela fundação, para formulação do projeto das casas. “A proposta das moradias deve garantir condições de habitabilidade e acessibilidade e o respeito ao modo de vida familiar e comunitário. Somente depois de chegar a um resultado satisfatório pelos moradores o projeto é considerado pronto para ser avaliado, para fins de emissão de alvará pela Prefeitura de Mariana”, prossegue o texto, acrescentando que cada núcleo familiar terá sua adaptação acompanhada por ao menos três anos após a ocupação.

Por fim, a entidade argumenta que os prazos de reassentamento são afetados pelo processo de tomada de decisões com participação dos atingidos e acompanhamento do Ministério Público. “Todos os assuntos que podem impactar os prazos do reassentamento estão sendo tratados no âmbito de uma Ação Civil Pública, em discussões realizadas em audiências judiciais que contam com a participação do MP, mantenedoras, representantes dos atingidos, além da Fundação Renova”, informou.

• O que dizem  os atingidos

» Lotes do assentamento de Novo Bento são menores do que os atingidos pelo rompimento em Bento Rodrigues
» A declividade de alguns terrenos é excessiva, sendo que muitas áreas de atingidos eram planas.  Imóveis de idosos e pessoas com dificuldade de locomoção não contemplariam suas necessidades
» Foi prometido que a disposição das casas seria similar à de Bento Rodrigues, mas isso não estaria sendo respeitado
» Novo Bento é 24 horas sujeita à poluição sonora de caminhões e sirenes da mina de Timbopeba e outras
» Novo Bento era uma área rural (Lavoura) e foi convertida em área urbana. Com isso, haverá um enorme impacto no custo de vida das pessoas
» A previsão para edificação do Novo Bento era para 2 de dezembro de 2020, mas a estimativa dos atingidos é de que se avance para de 2021

• O que diz a    fundação Renova

» O terreno do Novo Bento foi dividido em lotes, com o mínimo de 250m2, “mesmo que as áreas anteriormente ocupadas pelos atingidos fossem menores”.
» As moradias devem garantir condições de habitabilidade e acessibilidade e respeitar o modo de vida familiar e comunitário. O projeto só é aprovado depois de considerado satisfatório pelos moradores
» O modelo prevê a reconstrução das casas e a retomada do modo de vida e a manutenção das relações de vizinhança, com decisões tomadas em conjunto com moradores
» A localização da área do assentamento foi aprovada com mais de 90% de votos pelos atingidos
» As características de uso e ocupação do solo foram definidas pela Prefeitura de Mariana, atendendo a requisitos legais
» O processo de tomadas de decisões sobre o reassentamento com participação popular influencia nos prazos de entrega das moradias
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