Uma quadrilha de tráfico de medicamentos ancorada no Paraguai pode estar por trás de dezenas de abortos feitos em hotéis de Belo Horizonte. Ontem, operação da Polícia Civil impediu a realização de dois procedimentos na Região Leste da capital e prendeu uma enfermeira de 36 anos que se passava por médica. Pelo menos 25 mulheres mineiras, de outros estados e até do exterior serão investigadas pelo crime, suspeitas de terem interrompido a gravidez. Foram apreendidos diversos materiais e chamaram a atenção os utensílios usados pela acusada: faca, estilete e tesouras escolares.
As investigações começaram há três meses, quando a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) recebeu informações sobre páginas na internet oferecendo o serviço. Depois de identificar a suspeita, Luciane Fernandes Ferreira, os investigadores receberam áudios de WhatsApp com as negociações. Os valores cobrados variam de R$ 4 mil a R$ 6 mil. “Ela estabelecia o preço dependendo do tempo de gestação. Tudo era feito em hotéis e motéis da capital o que, segundo Luciane, seria mais seguro para ela e as gestantes. Ela dizia que fazia aborto em mulheres com até 30 semanas de gravidez”, contou o delegado Luciano Guimarães do Nascimento. “O caso chamou ainda muita atenção pela amplitude das pessoas que a procuravam: do Sul, do Norte e Nordeste do país e do exterior.”
O delegado explicou que tudo começava numa página no Facebook, onde ela oferecia o serviço e passava, pela ferramenta de mensagem da rede social, seu número de telefone. A partir daí, as conversas evoluíam via WhatsApp. O local do procedimento era escolhido por Luciane um dia antes. A polícia apura ainda a origem e os responsáveis pelo fornecimento dos medicamentos. “A hipótese é de que eles estavam vindo do Paraguai”, afirmou Nascimento.
Para ontem, a enfermeira havia reservado dois quartos num hotel. Ela foi presa em flagrante, dentro de um deles. “A prisão é a ponta de um grande iceberg. Suspeitamos do envolvimento de pessoas também de outros estados, inclusive no fornecimento dos materiais”, informou o delegado Emerson Morais, outro responsável pelo caso. Nos quartos, foram encontradas cinco cartelas de comprimidos abortivos no valor de R$ 500 a R$ 800 cada drágea, remédios para dor, anestésicos, gazes e seringas, além de 11 vidros de uma medicação que não foi identificada e seria injetada na barriga das mulheres. Eles seguirão para análise no Instituto de Criminalística e frascos de álcool.
As duas gestantes têm 2 meses e 3 meses de gravidez. A primeira estava com R$ 4 mil para o pagamento do serviço e a segunda, com R$ 5,5 mil. Em depoimento, elas informaram que tomariam os remédios para expelir o feto em casa. As mulheres foram levadas ao Hospital Odilon Behrens e, em seguida, ouvidas e liberadas, pois o Código Penal não pune o ato preparatório. Na casa de Luciane, em Justinópolis, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a polícia achou mais 30 vidros do remédio desconhecido, R$ 12 mil em espécie e remédios.
Até o momento, 25 mulheres foram identificadas, qualificadas e serão intimadas a depor. De acordo com o delegado Emerson Morais, os investigadores tiveram acesso à documentação de que estavam grávidas, como exames de ultrassom e de sangue. Ao contrário das gestantes de ontem que não chegaram a fazer o aborto, se provado que essas 25 concluíram o procedimento, elas estão sujeitas a pena de 1 a 4 anos de prisão. As suspeitas deverão apresentar certidão de nascimento ou óbito da criança ou ainda, laudo médico apontando as razões da interrupção da gravidez.
Já Luciane está sujeita a pena bem maior. Ela foi presa por cometimento de aborto com consentimento da gestante, cuja punição prevista é 1 a 4 anos de detenção, e também por depósito de medicação de uso proibido, considerado crime hediondo e com pena prevista de 10 a 15 anos de prisão.