Depois da alegria de ser reconhecida por uma importante publicação britânica como uma das melhores instituições de educação superior do país (leia abaixo), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sofreu ontem um duro baque, em um ano já marcado por arrocho orçamentário generalizado e corte em bolsas de pesquisa. Está nas mãos da Justiça Federal o inquérito da Polícia Federal (PF) que indiciou 11 pessoas ligadas à universidade por suspeita de irregularidades e desvio de dinheiro destinado ao projeto do Memorial da Anistia Política do Brasil, no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, projeto financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela UFMG.
Essa fase da investigação se concentrou em verbas de R$ 6,7 milhões, destinadas à produção de exposição de longa duração no memorial. Entre os indícios de irregularidades preliminarmente apontados na apuração policial estão associação criminosa, falsidade ideológica, desvio de dinheiro e estelionato, segundo a PF.
O inquérito é fruto da operação Esperança Equilibrista, deflagrada em dezembro de 2017, com base em documentos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Na ocasião, a corporação conduziu coercitivamente para depor oito pessoas, entre professores e integrantes da cúpula da UFMG, como parte de investigação sobre suposto desvio de dinheiro destinado ao projeto do Memorial da Anistia.
Idealizado em 2009, o memorial visa à preservação e à difusão da memória política dos períodos de repressão – contemplados pela atuação da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. As obras começaram em 2013 e deveriam ter sido concluídas em 2015, de acordo com a Polícia Federal.
O projeto contempla dois eixos. Um deles era a reforma do “Coleginho” – edifício histórico da antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) –, a construção de dois prédios anexos e uma praça de convivência. Outro, a pequisa de conteúdo e produção de uma exposição de longa duração no imóvel reformado.
Desvio
A PF concluiu as investigações referentes à exposição e continua a apuração sobre as obras. O inquérito aponta “fortes indícios da prática de crimes de associação criminosa, uso de documentos ideologicamente falsos, desvio de verba pública, concussão, estelionato e prevaricação”. A corporação informou ainda que foi descoberto que a maioria dos estudantes e dos pesquisadores que recebiam bolsas para desenvolver pesquisas de conteúdo para a exposição de longa duração foi instada a repassar parte desses valores para alguns investigados. Em outra situação, ao induzir bolsistas a engano, alguns investigados obtiveram parte da remuneração dos pesquisadores, aponta a PF.
A corporação acrescentou que recursos do projeto foram gastos com despesas “estranhas ao seu escopo, beneficiando fornecedores e colaboradores”. “As provas reunidas no inquérito policial demonstram tentativas de esconder o descontrole e o desvio dos gastos por meio de prestação de contas com dados falsos”, afirma a PF, em nota. Na operação de 2017, a Polícia Federal informou que pelo menos R$ 4 milhões teriam sido desviados do projeto, em processo que pode envolver peculato e formação de quadrilha.
Mais caro
O valor total de implantação do MAP foi R$ 5,150 milhões na formalização do termo de cooperação. Ainda segundo a PF, na assinatura do primeiro aditivo, vigente entre novembro e dezembro de 2010, o montante deu um salto para R$ 14.318.231. Posteriormente, foram assinados outros cinco aditivos, o último com vigência até 31 de dezembro de 2018. Nele, o valor orçado já era estimado em R$ 28.817.864.48.
Desse montante, sempre de acordo com informações da Polícia federal, mais de 19 milhões foram efetivamente pagos, tendo sido destinados 6,7 milhões à produção da Exposição de Longa Duração – alvo do inquérito concluído – e o restante, para a obra, cujas apurações continuam.
Na época da condução coercitiva, entre os conduzidos estavam o então reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez; a então vice-reitora e atual ocupante do cargo máximo da instituição, Sandra Goulart; o presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira; a ex-vice-reitora Heloísa Starling (2006 a 2010), coordenadora do Projeto República da UFMG; a ex-vice reitora Rocksane Norton (2010-2014); e a socióloga Silvana Cozer, uma das responsáveis pelo Memorial da Anistia.
Na época da condução coercitiva, entre os conduzidos estavam o então reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez; a então vice-reitora e atual ocupante do cargo máximo da instituição, Sandra Goulart; o presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira; a ex-vice-reitora Heloísa Starling (2006 a 2010), coordenadora do Projeto República da UFMG; a ex-vice reitora Rocksane Norton (2010-2014); e a socióloga Silvana Cozer, uma das responsáveis pelo Memorial da Anistia.
Defesa
Por meio de nota, a UFMG informou que obedeceu estritamente as normas do Ministério da Justiça no projeto. "À UFMG coube a execução do projeto do Memorial da Anistia, seguindo de forma estrita regras, cronograma de execução financeira e critérios de avaliação estabelecidos pelo Ministério da Justiça. A universidade é um patrimônio do nosso país, se mantém (como sempre esteve e estará) à disposição das autoridades, confiante que todas as circunstâncias serão esclarecidas com a análise objetiva e imparcial das evidências”, diz o texto.
Projeto volta à estaca zero
Alvo de investigação sobre suposto desvio de recursos pela Polícia Federal, o Memorial da Anistia pode representar um prejuízo ainda maior para os cofres públicos, já que o dinheiro já desembolsado – R$ 19 milhões, segundo a PF – não deve se traduzir na concretização do projeto. No mês passado, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, visitou as obras no Bairro Santo Agostinho e anunciou que o prédio não vai mais abrigar o memorial.
De acordo com ela, o governo federal não tem dinheiro para esse fim. “Podemos encontrar um outro destino para esse prédio, mas o memorial, não temos recursos para isso”, disse, em 13 de agosto. Damares disse ter grande respeito aos anistiados e que a história está preservada em acervo sob os cuidados da UFMG. “A gente vai depois decidir o que fazer com a memória, com o acervo a museografia, o material, os livros, aí é uma outra situação. Mas o prédio não temos condição de entregar para a sociedade, não temos dinheiro mais para isso”, afirmou, na época.
Revés depois de destaque em ranking internacional
A revista britânica Times Higher Education (THE) colocou a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como uma das melhores instituições de educação superior do Brasil, ao lado das federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Catarina (UFSC) e de São Paulo (Unifesp). O ranking, também, coloca o Brasil na sétima colocação entre os países. Os Estados Unidos dominam a lista, com 172 universidades entre as melhores. O Brasil tem 46 – seis delas mineiras.
A melhor colocada entre as brasileiras – também líder na América Latina – é a Universidade de São Paulo (USP), que aparece entre as 300 melhores do mundo. A UFMG aparece na faixa que mostra as 600 até as 800 mais bem colocadas. Além da UFMG, as federais de Itajubá (Unifei), Lavras (Ufla), Ouro Preto (Ufop) e Viçosa (UFV) aparecem na lista, na faixa que revela as 1 mil mais bem posicionadas no mundo. A Unifei perdeu posições – ano passado, figurou entre as 800 melhores.
O THE avaliou as mil melhores instituições do mundo. O ranking analisa as instituições individualmente, até a posição de número 200. A avaliação considera aspectos de ensino, pesquisa, a transferência de conhecimento e internacionalização.