A 20 dias da cerimônia de reabertura, a Igreja São Francisco de Assis, ícone do conjunto moderno da Pampulha, em Belo Horizonte, apresenta uma novidade que já pode ser admirada por moradores e visitantes interessados em conhecer a obra projetada, na década de 1940, por Oscar Nimeyer (1907-2012). Bem do lado esquerdo de quem olha para o painel de autoria de Cândido Portinari (1903-1962) sobre a vida do padroeiro do templo está pronto o restauro de parte dos jardins criados pelo paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) – no total, são cerca de 12 mil metros quadrados. Na manhã de ontem, a diretora de Gestão e Educação Ambiental da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), Laura Mourão, mostrou o andamento do serviço, que tem acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e inclui a área interna ainda fechada por tapumes. A expectativa é que tudo fique pronto na semana que vem, após duas semanas de trabalho, adianta Laura.
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Sujeira ainda desafia lagoa três anos depois de a Pampulha virar patrimônio da humanidadeTrês anos depois de título à Pampulha, MP vai à Justiça por demolição do anexo do IateForro e teto da Igrejinha da Pampulha são refeitos para evitar infiltraçõesIgrejinha da Pampulha passa pelos últimos retoques para a reabertura na sexta-feiraConforto no cartão-postal: bancos retornam à Igrejinha da PampulhaExemplo europeu: os estrangeiros que passaram o sábado limpando a PampulhaCalorão com promessa de recorde nesta sexta-feira e 'refresco' no fim de semanaCom equipe de oito jardineiros da fundação, que se somam a 15 cedidos pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital/Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Sudecap/Smobi), a paisagista explica que as etapas seguem as cartas patrimoniais, por serem jardins históricos, e também o projeto de Burle Marx. “No início, na década de 1940, os jardins da igreja eram ocupados pelas roseiras, com flores de várias cores. “Ele concebeu o local como memorial descritivo sobre a filosofia das rosas. Mas, quando esteve aqui, em 1992, Roberto alterou todo o projeto em forma e conteúdo.”
Datam de 26 anos atrás, portanto, os contornos de cimento nos canteiros, que ficaram sob terra e só vieram à tona na obra de restauro da igreja em 2005. “Depois, ficaram novamente cobertos pelo mato e enterrados”, mostra a paisagista e coordenadora do viveiro de mudas. “Vamos usar milhares de mudas aqui, nem dá para estimar quantas. Aproveitamos algumas sobreviventes, levamos para o viveiro e estamos produzindo muito.” O objetivo é a consolidação de todos os jardins públicos de Burle Marx em BH, para acabar de uma vez com esse quadro de morte, recuperação e morte novamente. “Roberto se sentia insultado quando modificavam os jardins dele. Por isso, estamos seguindo rigorosamente o traçado”, afirma Laura, debruçada no canteiro de obras sobre as plantas feitas pelo seu “mestre”.
Orgânico
Embora esteja proibida a visita ao interior da igreja, pertencente à Arquidiocese de Belo Horizonte, principalmente para fotos, dá para ver, pela vidraça, que não há mais andaimes. Na fase atual, funcionários da empresa contratada pela PBH cuidam do sistema de iluminação externa, cujos equipamentos devem se harmonizar com os jardins.
Integrante do conjunto reconhecido como patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), os jardins da igrejinha têm predominância de cana-da-índia, uma das plantas preferidas de Burle Marx. “Os mineiros precisam entender que têm um tesouro e devem preservá-lo, não destruindo, não pisoteando, não arrancando as mudas, enfim, conservando”, diz a diretora. Sobre as capivaras, ela tem uma certeza: causam menos estragos do que a ação humana. “Se os animais arrancarem uma ou duas plantas, podemos substituí-las. Mas, se não houver conscientização, os estragos serão enormes e permanentes”, acredita.
Na manhã de ontem, com calor escaldante, céu muito azul e total ausência de chuvas, muita gente foi à orla da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, para curtir a paisagem, caminhar ao ar livre ou ver o conjunto reconhecido pela Unesco (Igreja São Francisco de Assis, Casa do Baile, MAP e Iate Tênis Clube, unidos pelo espelho d'água). Um grupo de turistas da Holanda, Estados Unidos e Bélgica, acompanhados de guia, ficou longo tempo admirando o painel e o jardim. Já os amigos Ana Júlia Fiocco, designer, e Rafael Barros, engenheiro, de São Paulo, consideram fundamental o restauro dos jardins, certos da importância deles no cenário urbano. “Esse patrimônio é a história de nosso país”, observou Ana Júlia.
Lírios, bela-emília, lantana, clorofitos, grama pelo-de-urso e muitas outras plantas chegam, em centenas de caixotes, ao canteiro de obras de igrejinha. Laura explica que a única não produzida no viveiro na Pampulha, por falta de matrizes em BH, é a cana-da-índia laranja, que foi, então, cedida pela Floricultura Beija-Flor. “É para fazermos os contornos dos jardins”, concluiu.
Andamento
Em nota, a PBH informa que as obras na Igreja São Francisco de Assis se encontram praticamente finalizadas, restando apenas a execução de pequenos serviços de acabamento na parte externa. Cumprindo o cronograma previsto, “a reabertura da Igrejinha da Pampulha está próxima e o valor total investido foi de aproximadamente R$ 1,1 milhão”. Os recursos são do PAC Cidades Históricas, do governo federal, sob coordenação do Iphan.
A intervenção contemplou, além da remoção completa do forro e do reboco e a impermeabilização de toda a laje interna com instalação de forro novo, a recuperação das juntas de dilatação; proteção dos pisos e dos bens integrados, tais como afresco, púlpito, batistério, degraus e painéis internos em azulejos; remoção do reboco deteriorado e lixamento da pintura na laje frontal; instalações elétricas e cabeamento estruturado; tratamento do sistema de drenagem e reforma de esquadrias e passeios externos frontais.
Enquanto isso
Quadros sob guarda
Com a reabertura da Igrejinha da Pampulha, voltarão a ser expostos, nas paredes da nave, os 14 quadros de autoria de Cândido Portinari (1903-1962) recriando as cenas da via-sacra. As peças foram retiradas em 18 de outubro de 2017 e encaminhadas para restauro, sob escolta da Polícia Militar do Meio Ambiente, à reserva técnica do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor), da Escola de Belas Artes, no câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por questão de segurança, o acervo não pode ainda ser mostrado.