Manter o equilíbrio entre escapar de carros e desviar de pedestres. O interminável desafio de ciclistas que pedalam no dia a dia pelas ruas de Belo Horizonte fica mais evidente que nunca em uma das mais emblemáticas áreas de lazer da cidade: a orla da Lagoa da Pampulha. Para tentar mediar essa disputa, a maior área contínua da capital dedicada aos fãs do pedal vai passar por mudanças. Hoje, 7,5 quilômetros das pistas exclusivas para bikes estão no asfalto, apenas com uma delimitação, ora por blocos de concreto, ora por taxa refletivas, separando quem pedala e os automóveis. Segundo a BHTrans, está sendo desenvolvido um projeto para elevar esses trechos ao mesmo nível do passeio, onde está o restante dos 11,5 quilômetros dedicados às bicicletas às margens da represa.
Leia Mais
Ciclistas sofrem 2,6 acidentes por dia em BH; veja as saídas propostas pela BHTransBicicletários ineficientes barram integração com ônibus em BH; entendaVídeo: o que mostra a experiência de testar os 90km de ciclovias de BHCiclovia da PampulhaEstudo mapeia ciclovia de BH e aponta circuito 13,3 km menor do que o oficial Carro capota, atropela bicicleta e deixa ciclista ferido em BetimDesafio no trânsito: bicicleta é mais ágil do que carro em BH; veja teste Ação em BH vai mostrar como está a mobilidade urbana na cidade; veja comoPolícia Civil realiza operação para combater desmanche de veículos em MinasBicicletas compartilhadas: conheça a aposta para consolidar o sistema em BHShow de rock destina 75% da renda para refugiados em BHVacina fundamental para imunização de bebês está em falta em diversos postos de saúde da capitalHomem é preso ao ser flagrado com 200 pássaros silvestres na BR-040A coordenadora de Sustentabilidade e Meio Ambiente da BHTrans, Eveline Trevisan, admite que o uso de bicicletas na orla da Pampulha é conflitante. Antes da implantação dos 7,5 quilômetros de pistas que ainda estão no mesmo nível do asfalto – trecho que faltava para que todo o contorno da lagoa fosse coberto por espaço para bikes –, havia um conflito grande entre ciclistas de velocidade, que treinam em volta da lagoa, e aqueles de lazer, ou quem usa bicicleta eventualmente como transporte.
A instalação da ciclovia no asfalto foi uma das estruturas para bicicleta que renderam mais polêmica na cidade, devido à reação que partiu principalmente dos ciclistas de velocidade. “A gente entendeu que eles nunca vão usar ciclovia, porque não é o objetivo deles. Andam mais velozmente e precisariam que algo fosse feito para que o motorista de automóvel entendesse a presença deles ali, ao lado da ciclovia e junto dos carros, na pista de rolamento. Então a gente sinalizou no piso e temos algumas placas, informando o motorista da presença de ciclistas”, afirma Eveline.
Agora, com o objetivo de elevar esse trecho para diminuir o conflito entre carros e ciclistas, a disputa muda de patamar. “Ao colocar bicicletas no mesmo nível dos pedestres, damos mais segurança para o ciclista, que sai da pista de rolamento. Mas temos outra questão, que é a segurança de quem caminha. O que pretendemos é que a sinalização do lugar de cada um esteja bastante nítida, para que pedestres e ciclistas entendam qual é o seu espaço”, acrescenta a coordenadora.
O advogado Igor Magno, de 24 anos, pedala com frequência na orla da Pampulha. Ele começou a andar de bike em 2012, quando tinha foco mais em velocidade. “Desse ponto de vista, preferia quando não tinha a ciclovia, porque andava em grupo e o grupo não cabe na ciclovia. Mas, para quem anda sozinho, o melhor é o espaço exclusivo”, reconhece.
Igor observa que elevar a ciclovia significa reduzir o espaço de conflito, com carros, por exemplo, mas avalia que uma solução que atenda a todos os interesses é complicada. “Sempre vai ter alguma questão a ser discutida. A solução para a Pampulha não é tão simples”, diz ele.
Desastre no asfalto
Também advogado, José Custódio Pires Ramos Neto, de 29, sofreu um grave acidente enquanto pedalava na orla, em 2013, justamente pela proximidade com carros. Ele seguia pela ciclovia no asfalto, delimitada por blocos de concreto. Na altura do Iate Tênis Clube, precisou ir para a rua, pois a pista para bikes estava bloqueada por tapumes.
A motorista que passava deu um golpe de volante e o acertou com o carro. O resultado foi uma queda feia. “Fui de cara naqueles blocos enormes. Bati de frente e capotei com a bicicleta. Cortei o braço e saiu muito sangue. Foi assustador. Bati a cabeça e o capacete me salvou, mas fiquei com um hematoma gigante no pescoço. No Hospital João XXIII, inicialmente os médicos não queriam me liberar, porque não sabiam direito a origem da mancha”, contou.
Depois disso, ele praticamente não voltou mais à Pampulha. “Fiquei com trauma após o acidente. O Código de Trânsito Brasileiro e a Lei de Mobilidade Urbana dão preferência para os pedestres e os ciclistas, mas os carros agem como se tivessem toda a preferência do mundo”, afirma. Ele diz que acha muito difícil uma solução para todos os conflitos da Pampulha, e duvida que erguer os sete quilômetros de ciclovias ao nível do passeio vá resolver a situação. “Mesmo tendo sinalização bem chamativa, não sei se vai ser tão interessante. Acho que a ciclovia vai virar uma extensão do passeio”, diz ele, destacando que o risco de acidentes com pedestres vai aumentar.
São esses conflitos que levaram o arquiteto Breno Bizinoto – um dos ciclistas que participaram da elaboração do Plano de Mobilidade por Bicicleta de Belo Horizonte (PlanBici) – a defender que a criação de ciclovias não é a solução para lugares como a Pampulha, onde já não há espaço para tantos pedestres, ciclistas, crianças, animais e carros. Ele entende que nesses casos o ideal é a convivência das bicicletas com o trânsito de forma harmônica. “O ideal seria que carros e ciclistas pudessem compartilhar o espaço. E na maioria dos casos eles podem. É insustentável achar que cada modal vai ter seu espaço exclusivo, sem dividi-lo com mais ninguém”, afirma.
BHTrans chega a beco sem saída
A prática de esportes na orla da Lagoa da Pampulha atrai milhares de pessoas, especialmente nos fins de semana, tornando os conflitos um desafio que a BHTrans não consegue resolver. Pensando em minimizar essa disputa e em aumentar o espaço de quem pratica esportes, a empresa municipal de transporte informa que já estudou várias situações para diminuir o espaço dos veículos, mas sem sucesso.
“Fizemos todos os estudos possíveis, entre eles a adoção de mão única na orla. Todos indicaram que se prejudicaria muito o interior dos bairros. Há um espaço de circulação muito grande que seria jogado para as áreas residenciais da Pampulha. Então, ao colocar isso na balança, prejudica-se muito o morador”, diz Eveline Trevisan, coordenador de Sustentabilidade e Mobilidade da BHTrans.
Eveline diz que o maior sonho que tem com relação à orla da lagoa é poder tratar toda a Avenida Otacílio Negrão de Lima com velocidade máxima de 30km/h. A partir desse tratamento, naturalmente a convivência entre carros, bicicletas e pedestres seria facilitada, com a possibilidade de as bikes transitarem no próprio asfalto com segurança. “É algo que precisamos amadurecer. No dia a dia, os carros já transitam em velocidade mais baixa, o problema é durante as madrugadas e noites”, acrescenta.
Mobilidade no pedal
Mobilidade no pedal
Desde domingo o Estado de Minas publica a série Desafio Bike BH, mapeando os 90 quilômetros de ciclovias da capital, os problemas e os projetos para a área. A primeira reportagem mostrou que parte das pistas exclusivas para bikes da cidade se encontra em situação precária. Na segunda-feira, o EM indicou como a insegurança em bicicletários ou a ausência deles em estações de ônibus e metrô encarecem os deslocamentos. A edição de ontem revelou que os adeptos das pedaladas são vítimas de 2,6 acidentes a cada dia, causados sobretudo pela disputa de espaço com veículos.