Jornal Estado de Minas

Unicef traça quadro alarmante da infância em MG. Veja dramas por trás dos números

 
O estado com maior número de municípios do Brasil, e também um dos mais desiguais. Em Minas Gerais, a carência começa justamente entre os que deveriam constituir a esperança de um futuro melhor: crianças e adolescentes, que encaram, principalmente no semiárido mineiro, condições precárias de saúde, educação e saneamento básico. O quadro – ilustrado em números pelo diagnóstico Bem-Estar e Privações Múltiplas na Infância e Adolescência no Brasil, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) – força muitos desses menores a compor parte do alicerce financeiro de suas famílias. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, a representante da Unicef no Brasil, Florence Bauer, afirma que a saída para esse quadro só virá com investimento em políticas públicas voltadas para o tripé educação, saúde e assistência social.





Uma das conclusões tiradas por Florence Bauer com base no relatório é de que o saneamento básico puxa a maioria dos problemas no Brasil. De cada 10 privações impostas a crianças e adolescentes no país, três estão associadas ao quesito. Não por acaso, a condição de Minas Gerais na área é a pior em comparação com outras unidades do Sudeste: 21,4% dos menores enfrentam privações nesse quesito, sendo que 7,2% sofrem extrema limitação quanto ao esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos. “As disparidades são o grande desafio, entre área urbana e rural, entre negro e não negros e entre ricos e pobres. A dimensão do saneamento é a que mais pesa em Minas Gerais. É um desafio. Houve avanços, mas ainda precisa melhorar bastante”, afirma a representante do Unicef.

De acordo com o levantamento do fundo internacional, 6,2% da população de até 17 anos em território mineiro não tem proteção contra o trabalho infantil. A taxa também é a maior da Região Sudeste – onde Minas tem ainda indicadores piores que a média em cinco de seis indicadores considerados (veja quadro). Diagnóstico do Ministério Público do Trabalho (MPT) reforça o cenário: o estado registrou o maior número de crianças e adolescentes em tarefas domésticas do Brasil desde 2003: 34.693 pessoas que deveriam estar nas escolas.

O relatório do Unicef e a visão de Florence Bauer do país convergem em outro aspecto: a maior parte das crianças e adolescentes, de Minas e do Brasil, sofrem com mais de uma privação. Além do saneamento, o estudo considera educação, acesso à informação, proteção contra o trabalho infantil, água, saneamento, moradia e renda.





Em Minas Gerais, 40,7% dos pouco mais de 5 milhões de crianças e adolescentes têm ao menos uma privação entre os quesitos pesquisados. Considerando o mesmo contingente, 14,6% enfrentam limitação extrema. “O que a gente busca é que os municípios invistam na infância, que é o melhor investimento que se pode fazer. Tanto por razões de direitos humanos quanto por razões econômicas. Para cada real investido na primeira infância, há um retorno entre R$ 7 e R$ 10”, pontua Florence Bauer.

Na tentativa de ajudar a resolver o problema, o Unicef promove capacitações na Região Norte de Minas Gerais. Atualmente, o fundo das Nações Unidas trabalha com 111 dos 144 municípios mapeados no semiárido do estado, que inclui, além do Norte, os vales do Jequitinhonha e Mucuri. Os cursos funcionam em ciclos, cada um deles abordando um tema. Todo o trabalho acontece em duas cidades-polo: Montes Claros, no Norte de Minas, e Araçuaí, no Vale Jequitinhonha.

O drama na vida real 

(foto: Arte EM)

E é de Montes Claros que vêm alguns dos personagens que dão feições aos números da vulnerabilidade infantojuvenil em Minas. Lá, a menina R.D.J.M., de 13 anos, e dois sobrinhos, de 3 e 5, sobrevivem em barracos de lona em um terreno ocupado ao lado do antigo lixão da cidade-polo do Norte de Minas.





Os pequenos sofrem com a desnutrição, pois não é todo dia que são alimentados. “Às vezes, falta coisa para os meninos. Tem dia que falta leite e café da manhã”, afirma a catadora Natália Tatiane Moreira, de 19 anos, mãe das duas crianças. O menino sofre de problema auditivo, que também compromete sua fala. O companheiro de Natália, José Graziel Costa, de 31, conta que está sem trabalhar há cinco anos, desde que perdeu o último emprego, de servente de pedreiro. “A gente sempre procura serviço, mas não acha”, reclama.

A família mora em um barraco de lona preta, onde a luz elétrica só chegou via ligação clandestina. Natália relata que só recentemente chegou água de torneira. Antes, era obrigada a esperar um caminhão-pipa da prefeitura, “que demorava até um mês para voltar”. O barraco foi erguido há oito meses, no terreno ao lado do antigo lixão de Montes Claros onde já vivia há 40 anos, em condições precárias, Maria Geralda de Jesus Moreira, de 55, mãe de Natália e ex-catadora do antigo lixão, desativado há oito anos.

Com ela mora a adolescente de 13, que cursa o oitavo ano pela manhã. Na parte da tarde, costuma “olhar’ os sobrinhos pequenos enquanto a irmã e mãe das crianças sai para catar material reciclável na área do antigo lixão, que segue recebendo entulho. Em meio às queixas de “gripe”, na verdade problemas respiratórios causados pela poeira, ela e a família sonham com ajuda para ao menos melhoras as condições de moradia, enquanto batalham para continuar sobrevivendo. (Com Magson Gomes/Portal Terra do Mandu e Amanda Quintiliano/Portal Gerais, especial para o Estado de Minas)