Jornal Estado de Minas

Brasil tem o maior número de morte de menores do mundo, alerta Unicef

 
A morte da menina Agatha Félix, de 8 anos, baleada durante incursão policial no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, chama a atenção para uma tragédia que dizima a juventude, em especial menores negros, também em Minas Gerais. No último sábado, por exemplo, um adolescente de 17 anos perdeu a vida em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A polícia o encontrou jogado em meio ao lixo, com um tiro na cabeça e outro no peito. Por ironia, o crime aconteceu em um bairro cujo o nome é Nova Esperança.





A violência também está retratada no diagnóstico Bem-Estar e Privações Múltiplas na Infância e Adolescência no Brasil, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “Um dado que preocupa muito a Unicef é o dos homicídios de adolescentes. No país, 11 mil menores são assassinados por ano. O dado absoluto é o mais alto do mundo. Esses menores são, em grande maioria, meninos, estão fora da escola há mais de seis meses e são negros”, afirma a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas. “No Brasil, enquanto os homicídios de adolescentes brancos estão diminuindo, os de negros estão aumentando”, completa.

Juventude perdida por mortes precoces”: assim o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) definiu a situação dos jovens no Brasil com relação a violência. Conforme o Atlas da Violência, 35.783 pessoas entre 15 e 29 anos perderam a vida no país em 2017.

A violência policial também preocupa. Conforme o levantamento do Ipea, 11 a cada 100 mortes violentas intencionais no Brasil, sem recorte de idade, foram provocadas pela polícia. Em Minas 151 pessoas morreram por intervenções policiais em 2018 – número menor que o total de 2017, quando o estudo computou 166.





Neste ano, a ação da Polícia Militar em Belo Horizonte, na Região de Venda Nova, virou motivo de protesto de moradores do Bairro Jardim Leblon. A morte do garoto Yuri, de 16, aconteceu em 21 de julho, quando militares, conforme boletim de ocorrência, trocaram tiros com suspeitos de tráfico de drogas na Vila Apolônia. Moradores, no entanto, negam envolvimento do adolescente com a criminalidade. A Polícia Civil investiga o caso.

Trabalho infantil


(foto: Arte EM)


A pobreza e a desigualdade em Minas Gerais se estendem ao trabalho infantil. Em diagnóstico divulgado neste ano, o Ministério Público do Trabalho expõe as fragilidades do estado no mapa da desigualdade social. Desde 2003, 70 crianças foram resgatadas exercendo trabalho escravo nos 853 municípios do território, maior número da Região Sudeste e quarto maior do Brasil (veja quadro).

A adolescente E.M.S. mora em Pouso Alegre, no Sul de Minas, uma das regiões mais prósperas do estado. Mas, aos 14 anos, ela já tem rotina de gente grande: cuida de duas irmãs, de 6 e 8, e de outras três crianças de uma vizinha. Também ajuda em casa, pois a mãe trabalha 12 horas por dia como auxiliar de limpeza em um hospital da cidade.





A adolescente ainda estuda e faz curso de inglês, usando os R$ 200 que recebe por olhar as meninas da vizinha. Perguntada sobre o que acha da rotina puxada, ela considera que é uma experiência importante para se preparar para o futuro. Mas também gostaria de ter algum tempo livre. “Queria ajudar minha mãe com as minhas irmãs do mesmo jeito, só que queria aproveitar mais a minha juventude”, completa.

Acolhida


Em Divinópolis, no Centro-Oeste do estado, uma mulher de 38 anos luta na Justiça pelo direito de adotar sete sobrinhos e tirá-los da situação de risco e abandono. Cinco deles, com idade entre dois e 14 anos, vivem com ela e o marido, 39, desde 2017. Este ano, os meninos ganharam mais uma irmã. Para não separá-los, a tia entrou com o pedido de guarda. Ainda na maternidade, buscou a menina, hoje com 3 meses, para morar com a família.

"O que a gente busca é que os municípios invistam na infância, que é o melhor investimento que se pode fazer. Tanto por razões de direitos humanos quanto econômicas. Para cada real investido na primeira infância, há um retorno entre R$ 7 e R$ 10" - Representante do Unicef no Brasil (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)


Mas a vida do casal, que já tem duas filhas, de 12 e 18 anos, não é fácil. A família vive na periferia da cidade, em uma casa improvisada, onde lida com a falta de infraestrutura. Lá não há calçamento nem saneamento básico. Sem nenhum suporte governamental, a única renda é a do marido, R$ 1,3 mil por mês para o sustento de 11 pessoas. Para complementar, eles contam com doações de projetos sociais.





Mesmo assim, não tiveram dúvidas em acolher os sobrinhos. Maus-tratos e abuso sexual são duas das suspeitas que pesam sobre a mãe e o pai biológicos, que são usuários de crack. Parte das crianças estava em um abrigo, em Mateus Leme, Região Metropolitana de Belo Horizonte, quando foram resgatadas pela tia. Agora todas as crianças estão devidamente matriculadas em instituições de ensino. Mas garantir o futuro de todos, diante de desafios como os apontados pelo Unicef para a infância e a juventude em Minas, ainda será um longo caminho. (Com Magson Gomes/Portal Terra do Mandu e Amanda Quintiliano/Portal Gerais, especial para o Estado de Minas)
 

Exploração sexual e acidentes preocupam

 
A maior malha rodoviária do país contribui para que o problema da exploração sexual também fique evidente em Minas Gerais. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) mapeou 184 pontos de prostituição infantil nas rodovias que passam pelo estado, a quarta maior taxa do país. A maior parte deles estão nas BRs 381, 040, 365 e 116 – todas com acima de 20 trechos irregulares cada. Grande parte das casas de prostituição estão em postos de abastecimento e paradas que margeiam as rodovias.

Os acidentes com menores trabalhando são outro dado que coloca Minas em posição de destaque negativo: são 1.141 ocorrências, a maioria delas nas cidades mais populosas, como Belo Horizonte, Contagem e Uberlândia. “Existe uma naturalização do trabalho infantil. Para muita gente, isso não é chocante, e até positivo. É preciso incentivar políticas públicas contra isso”, alerta a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer.