A Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Grande BH, onde se rompeu a Barragem B1 em 25 de janeiro, matando 249 pessoas e deixando 21 desaparecidos, deveria ter interrompido suas atividades em 2016 e as populações abaixo do reservatório precisariam ser avisadas sobre o risco de rompimento, naquele ano.
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A Vale informou que não tomou conhecimento do relatório e por isso não iria se posicionar sobre o seu conteúdo.
- Foto: Mateus Parreiras/EM/DA Press
A Vale informou que não tomou conhecimento do relatório e por isso não iria se posicionar sobre o seu conteúdo.
Em entrevista coletiva nesta quarta-feira, quando o desastre completa oito meses, foram apresentados os fatores causais que constam no inquérito para o rompimento da barragem e agravamento das consequências. Confira:
- Distorções no cálculo dos fatores de segurança
- Geologia local desconhecida
- Operação irregular (lançamento de rejeitos e largura de praia)
- Sistema de drenagem (interno e superficial) insuficiente e mal conservado
- Demora no rebaixamento efetivo da linha freática
- Existência de anomalias recorrentes
- Falhas em planos de emergência
- Auscultação (piezômetros, indicadores de NA, inclinômetros) deficiente
- Gestão de segurança e saúde no trabalho precária
Os problemas da barragem, segundo o relatório dos fiscais, começou já no conceito da construção, quando este ainda era pertencente à mineradora Ferteco, em 1976. O dique inicial, que é a primeira barreira feita para conter rejeitos e que serve de base para sustentar mais alteamentos (ampliação do reservatório), não contava com drenagem, retendo tudo que ingressava no represamento. "Com isso, esse dique e o primeiro alteamento feito, estavam altamente sujeitos a entrar em processo de liquefação", disse o fiscal do trabalho, se referindo ao processo de aumento e movimento da água dentro da massa de rejeitos, fazendo com que se comportem como líquido e desestabilizem o barramento.
Outro problema constatado desde cedo foi na questão de organização dos depósitos de rejeitos. O material arenoso dos rejeitos deveria se depositar formando uma praia de no mínimo 150 metros a partir da barragem, mas de 2002 a 2011 essa estrutura que afasta a água do barramento sequer existia, de acordo com o relatório. Foi a partir de 2012 que uma praia começou a ser formada, chegando em 2015 a sua extensão máxima, de 100 metros, 50 a menos que o ideal.
Pelas investigações, os fiscais concluiram que foram lançados de forma inadequado os materiais finos, como argila, de pouca permeabilidade e que acumula água perto do barramento. "Isso foi formando casas sobrepostas com água retida em vários níveis de argila. Em vez de a água infiltrar na estrutura e sair dela, começa a ser jogada para frente, para perto do barramento, criando os chamados lençóis empoleirados próximos aos diques", indica Botelho.
Foram sete níveis de água chegando na barragem em forma de lençóis empoleirados, resutando em grande dificuldade da estrutura para drenar a água que ingressava. O nível de acúmulo foi tão crítico, que em junho de 2017, se a Vale fosse bombear toda a água para fora da barragem, ao rítmo de 229,5 metros cúbicos por dia, levariam o ano todo para chegar num nível aceitável de segurança. Se fosse mantido um ritmo de 98,1 m3, o prazo saltaria para fins de 2018. "Era muita água. Só que essa ação não foi tomada pela Vale".
Outra proposta feita por consultoria propôs a perfuração de poços de rebaixamento.
Nenhuma dessas soluções foi executada. A Vale, então, optou por implementar Drenos Horizontais Profundos (DHP). Uma escavação com máquina atingindo 100 metros até o rejeito injetaria água para avançar e depois extrairia o líquido retido nas sete camadas de água acumulada entre os rejeitos. Foram projetados 29, mas apenas 14 foram executados. "Quando o 15º DHP injetou água, encontrou resistência e voltou para o próprio maciço e fraturou o dique inicial, escorrendo sobre a estrutura. A Vale então paralisou essas intervenções e procurava outras soluções. E as diretorias da Vale tinham conhecimento de tudo isso. Fizeram o projeto de poços profundos para rebaixar a linha d'água, mas não tiveram tempo para implementar", afirma o fiscal do trabalho.
Após checagem de relatórios os auditores da Superintendência Regional do Trabalho encontrou 99 anomalias que se repetiam a cada 15 dias. Entre elas, se destacavam o assoreamento de canaletas, trincadas nessas estruturas, bacia de dissipação não funcionava. Foram detectados vazamentos com a presença de rejeitos, o que indicava a formação de vazios dentro da barragem. Drenos de pvc foram quebrados pela atividade de pasto de 80 cabeças de gado. A praia de rejeitos ficou repleta de vegetação, com esse mato mantendo a água na região em vez de deixar que se dissipasse. Quando chovia, um grande volume de água se empoçava sobre a crista devido a uma inclinação indevida da estrutura.
Vários cupinzeiros e formigueiros abriram furos no barramento. A bBomba de água de nascentes estava com problemas de manutenção e parava de funcionar.
Foram detectados, também, manobras que sugerem maquiagem de números para a emissão de Declaração de Condição de Estabilidade (DCE). Para que a estrutura possa ser liberada pelos órgãos fiscalizadores, deveria apresentar fator de estabilidade igual ou superior a 1,30. Em 2015, o estudo de liquefação apontou índice de 1,20. Em julho de 2016, chegou a 0,93. "Para passar na avaliação, foi preciso uma maquiagem, ampliando o valor de um dos componentes da fórmula (que deveria ser de 0,23 a 0,31, mas foi adulterao para 0,36), conseguindo, assim, chegar ao fator mínimo", acusa Botelho.
Não bastasse tantos problemas para reter a água, no último trimestre de 2018 choveu 72% acima da média pluviométrica local. "
Tinha muita água na barragem e a Vale não adotou nada para tornar a drenagem eficiente. Ocorreu uma forte elevação da linha freática. Para saber mais como as condições da barragem estavam. foi preciso sondar a estrutura com 10 furos. Quando uma das perfurações foi feita sobre o oitavo dique de alteamento e atingiu os níveis 1 e 2 de diques, quer eram os mais suscetíveis a rompimentos, acreditamos que a estrutura se liquefez, sendo esse o gatilho para toda a tragédia", atesta o auditor.
Outro problema indicado pelo relatório foi o posicionamento errado do almoxarifado, dos escritório e do refeitório da mina, que não permitiam fuga em caso de rompimento, com os rejeitos podendo destruir essas estruturas em menos de um minuto.
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