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Casa dos horrores: entenda os crimes em asilo de Santa Luzia e veja como proteger idosos

Inquérito indicia seis pessoas por crimes que vão de desacato a tortura seguida de morte, passando por estupro. Dona da instituição pode pegar 490 anos de prisão


postado em 03/10/2019 06:00 / atualizado em 03/10/2019 07:40

Equipe da Polícia Civil anuncia indiciamentos: a delegada Bianca Prado acredita que haja outras vítimas(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Equipe da Polícia Civil anuncia indiciamentos: a delegada Bianca Prado acredita que haja outras vítimas (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


A unidade que deveria proporcionar qualidade de vida à terceira idade era um verdadeiro porão de agressões, maus-tratos e tortura. As investigações acerca dos abusos cometidos pelos proprietários e funcionários da Casa Acolhendo Vidas em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), foram concluídas e seis pessoas indiciadas por crimes que vão de desacato a tortura seguida de morte (veja quadro), passando por estupro de vulnerável, anunciou a Polícia Civil, na semana em que se comemora o Dia Mundial do Idoso – 30 de setembro. 

Se condenada com a pena máxima por todos os crimes pelos quais foi indiciada, a dona da casa de idosos,  Elizabeth Lopes Ferreira, de 47 anos, pode pegar 491 anos e 5 meses, segundo estimativa do Sidney Melo, agente penitenciário e bacharel em direito. Segundo ele, ela preencheria seis dos nove critérios especiais de pena previstos no Código Penal que elevam o tempo de prisão.  Um desses agravantes é o fato de Elizabeth ser “garantidora dos direitos dos internos”. O crime de estupro de vulnerável, revelado durante as investigações e que agrava a situação, tem pena máxima de 24 anos de prisão.

As apurações indicaram que 76 idosos foram vítimas. Dezoito morreram. Para alguns, esse é o fim de um episódio sombrio. Para outros, mesmo depois de tudo denunciado, o abandono persiste. De acordo com a Polícia Civil, sete idosos foram levados para outro asilo na capital mineira. Desses, quatro nunca receberam visita de parentes, mesmo depois da repercussão do caso. Famílias respondem por abandono de incapaz. Em Pará de Minas, na Região Centro-Oeste, outra notícia triste envolvendo um asilo: dois idosos sofreram queimaduras graves em um incêndio na noite de terça-feira.

"Esse é um capítulo macabro na história de Santa Luzia. Nunca vi nada igual. A gente só pode comparar com o que vimos nos livros de história." Foi o que a delegada Bianca Prado disse, ontem, em coletiva de imprensa para detalhar a finalização do inquérito. Durante os trabalhos, iniciados em 25 de julho, os investigadores ouviram mais de 50 pessoas, apreenderam documentos e obtiveram laudos médicos dos internos. Perícias, evidentemente, também foram realizadas. O inquérito terminou com o indiciamento de quatro pessoas da família da proprietária do asilo e de um cuidador. No decorrer das investigações, a corporação prendeu Elizabeth Lopes Ferreira, de 47 anos, dona do asilo; as filhas dela, Poliana Lopes Ferreira, de 27, e Patrícia Lopes Ferreira, de 21; e o marido, Paulo Lopes Ferreira, de 53. O dono do imóvel também foi indiciado, por lesão corporal, mas está em liberdade.

O caso chocou o Brasil. Os internos relatam que tinham como castigos a privação de alimentação e até de água, em períodos que iam de 24 horas a até três dias. Depoimentos denunciam ainda banhos frios e com baldes de água como punição. “Há relatos de quebrarem uma cadeira em um idoso. Outro que foi afogado na piscina. Um senhor chegou ao hospital com bicheira – infecção parasitária causada por larvas de moscas que invadem a pele”, contou a delegada. Entretanto, as 18 mortes não estão relacionadas diretamente com as agressões, mas, sim, ao agravamento do quadro clínico por falta de cuidados ou de medicamentos. "As pessoas tiveram a situação física agravada por causa da falta de medicamento e de higiene, além dos maus-tratos. Tudo o que aconteceu ali ou foi gerado por essa negligência ou acelerado por ela”, acrescentou a investigadora.

Abuso


De acordo com a delegada, uma jovem de 23, que tem os membros superiores e inferiores atrofiados, foi uma das maiores vítimas no asilo. Além das agressões, ela teria sofrido estupro e era vista sendo beijada por Elizabeth e Paulo. "Isso a gente consegue comprovar por meio dos relatos das testemunhas. Paulo e Elizabeth foram vistos, por mais de uma vez, beijando-a na boca à força", disse a delegada. Além disso, a jovem – que não tem condição de se mover devido a paralisia nos braços e pernas – dormia vestida e acordava sem as roupas. "Uma interna contou que ela gritava durante a noite por causa dos abusos", acrescentou. Elizabeth também foi acusada de estupro por um idoso. Na ocasião, ele tinha 70 anos, e contou à polícia que ela o obrigava a fazer sexo oral nela, além de outros atos libidinosos. "É importante dizer que esse senhor é lúcido. Ele estava no asilo por conta de um problema na perna. Hoje, inclusive, mora sozinho", disse.

Abandono


No dia da operação da polícia, havia 43 idosos na casa. A delegada explicou que grande parte das famílias dos internos não sabia o que acontecia por lá. "Estamos lidando com uma população muito humilde. Uma população que não tem o conhecimento do que é tortura e do que é maus-tratos". Entretanto, há relatos de que cinco idosos contaram aos familiares sobre os abusos e nenhuma providência foi tomada. Desses idosos, alguns estão em casa de familiares. Outros, em asilos. Sete foram para uma casa de idosos no Bairro Heliópolis, na Região Norte da capital mineira. Quatro nem sequer chegaram a ser procurados pelos familiares, que vão responder por abandono. As famílias que colocam seus parentes em instituição e não prestam mais nenhum auxílio incorrem no crime de abandono, como prevê o artigo 98 do Estatuto do Idoso, com pena de seis meses a três anos e multa. “Trata-se de um inquérito à parte. Essas famílias já estão respondendo por abandono de incapaz”, acrescentou.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


A delegada responsável pelo caso acredita que o número de vítimas pode ser maior do que o inquérito concluído. Por meio dos documentos encontrados no asilo, foi possível identificar 43 vítimas. As outras surgiram por relatos testemunhas no decorrer da investigação, chegando a 76. "Mas são cinco anos de funcionamento do asilo. Possivelmente, temos muito mais vítimas", acrescentou. Por isso, a delegada faz um apelo: "A gente precisa que as vítimas e testemunhas nos procurem." (Colaboraram Gabriel Ronan e João Henrique do Vale)

Risco que pode ser evitado

Somente em Belo Horizonte, a Delegacia de Proteção do Idoso recebe, em média, 10 denúncias de violência contra pessoas com mais de 60 anos por dia, conforme mostrou reportagem do Estado de Minas publicada em 18 de agosto. Até aquela data, a delegacia havia instaurado 2 mil inquéritos que apuravam agressões psicológicas e físicas, apropriação indevida de bens ou proventos, entre outros. Cerca de 40% do total diz respeito a ameaças, brigas e lesões corporais, segundo os dados do órgão de segurança. Em muitos casos, o risco está dentro da própria casa e a ameaça é um parente. Em outros, um cuidador contrato isoladamente ou por meio de instituição. Buscar informações detalhadas sobre a casa de idosos e observar de perto a rotina de trabalho de profissional contratado é essencial. Para os que vivem sozinhos, medidas de segurança devem ser reforçadas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) caracteriza como idoso todo indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, 28 milhões de pessoas estão nessa faixa etária, 13% da população do país. De acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual tende a dobrar nas próximas décadas. Segundo a pesquisa, em 2043, a proporção de jovens até 14 anos será de 16,3%. E ainda há muito a ser feito para proteger quem está nessa faixa etária.

No Brasil, o Estatuto do Idoso foi sancionado em outubro de 2003 e prevê direitos nas áreas da previdência, assistência social e habitação. Também determina que a fiscalização das entidades governamentais e não governamentais de atendimento ao idoso deve ser feita pelos conselhos do Idoso. As entidades que deixam de cumprir as determinações podem pagar multa que varia de R$ 500 a R$ 3 mil, podendo haver até a interdição do estabelecimento. O estatuto ainda tipifica como crime dificultar acesso prioritário nos bancos, desdenhar e humilhar, deixar de prestar assistência ao idoso e o abandono em casas de saúde e hospitais.

Afaste o perigo


Ponto a ponto da segurança do idoso que vive sozinho, auxiliado por cuidador ou institucionalizado

Sozinho
» Tenha sempre um número de emergência de alguém em quem confie para acionar quando se sentir em perigo
» Tenha em mãos os telefones da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros
» Reforce as medidas de segurança da casa, assegure-se de que as trancas estão acionadas
» Dê preferência para residir em locais iluminados
» Os familiares devem fazer visitas constantes, sempre que possível
» Não repasse a senha do cartão de banco para as pessoas nem assine nenhum documento dando acesso à sua conta
» Procure o auxílio da família antes de fornecer dados ou assinaturas a pessoas alheias ao ambiente familiar

Com cuidador
» A família deve observar a rotina de trabalho do cuidador para saber como tem desempenhado as funções
» Busque referência do cuidador em trabalhos anteriores. Descubra se fez curso para exercer essa função
» Instale câmeras para acompanhar o dia a dia do idoso
» Não repasse a senha do cartão de banco para cuidadores e não assine nenhum documento que dê acesso à conta
» Não permita que o cuidador receba benefícios em lugar do titular

Institucionalizado
» Busque informações sobre a instituição. Descubra se está regular junto à prefeitura, órgãos de fiscalização como a – Vigilância Sanitária e o Ministério Público.
» Converse com outros idosos que vivem no local para saber como se sentem e como é o tratamento
» Visite o local para saber como é o ambiente, a estrutura e clima da instituição
» Não permita que a casa retenha o cartão de benefícios do idoso
» Denuncie se a unidade exigir assinatura de procurações para recebimento do benefício pelo idoso

Fonte: Coordenadoria Estadual de Defesa do Idoso

Fogo em asilo deixa 2 feridos


Dois idosos sofreram queimaduras graves em um incêndio que atingiu um asilo na noite de terça-feira, em Pará de Minas, no Centro-Oeste do estado. Devido à gravidade dos ferimentos, eles foram levados de helicóptero ao Hospital João XXIII, em Belo Horizonte. O fogo começou por volta das 21h em um dos quartos do imóvel, que fica no Bairro JK. Segundo o Corpo de Bombeiros da cidade, as vítimas dormiam nesse cômodo, que foi atingido pelo fogo. Os bombeiros conseguiram apagar as chamas antes que elas se espalhassem para outras áreas do lar de idosos. Os dois feridos tiveram queimaduras em 80% ou 90% do corpo, em diferentes graus e seguiam internados até o fechamento desta edição. A suspeita é de que o fogo tenha começado por causa de um cigarro no quarto. Um inquérito policial foi instaurado para apurar as circunstâncias do incêndio.


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