Ao reabrir as portas, nesta manhã, aos moradores de Belo Horizonte e visitantes, a Igreja São Francisco de Assis, à beira da Lagoa da Pampulha, traz à tona uma história de mais 70 anos marcada por momentos de extrema beleza – como ocorre agora, com o fim da obra de restauração –, e de polêmica, a exemplo do período de 14 anos (1945-1959) em que ficou sem bênção oficial, devido à forma criada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e ao painel em homenagem ao padroeiro, no qual o santo protetor do templo e da natureza aparece ao lado de um cachorro. A cena, que teria sido reprovada pelo então bispo de BH dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), foi lembrada pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD), que visitou a chamada Igrejinha da Pampulha, ontem, antecipando-se à cerimônia de reinauguração marcada para as 9h30 de hoje, Dia de São Francisco.
Ressaltando que são gastos, anualmente, R$ 25 milhões com a limpeza da lagoa, Kalil cobrou providências para dois problemas urgentes do conjunto moderno, que inclui o espelho d'água: a solução para o impasse do Iate Tênis Clube, clube particular pressionado a destruir um anexo que destoa da obra de Niemeyer; e a questão do esgoto, que continua a ser lançado diariamente na lagoa, pendência que cabe à Copasa. Entre os aspectos positivos, Kalil destacou, além da reforma do templo, os jardins projetados pelo paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) e restaurados pela equipe da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), com cuidado especial devotado pela diretora de Gestão e Educação Ambiental, Laura Mourão.
Cobranças e impasses históricos à parte, com a cerimônia desta manhã – que não deve contar com a presença do ministro Osmar Terra, nem do recém-nomeado superintendente do Iphan em Minas, Jeyson Dias Cabral da Silva –, o espaço de fé, cultura e história poderá novamente receber a visita dos brasileiros e estrangeiros interessados em conhecer o ícone do conjunto de Niemeyer.
À frente da igreja vinculada à Arquidiocese de BH, como assistente pastoral, está o padre Welinton Lopes, titular da Paróquia de Santo Antônio, no Bairro Jaraguá, na Região da Pampulha. Ele adiantou que hoje, às 19h, haverá no local a bênção dos animais, uma tradição nas igrejas e capelas dedicadas a São Francisco. A primeira missa será celebrada no domingo, às 10h30. Excepcionalmente no próximo dia 12, sábado, data consagrada a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, a celebração eucarística também ocorrerá nesse horário. Para os turistas, uma boa notícia: depois de tanto tempo fechado, o templo ficará aberto todos os dias das 8h às 18h, devendo em breve funcionar a lojinha de suvenires.
Casamentos
As noivas também merecem destaque nesta história, pois elegeram a Capela Curial São Francisco de Assis, como é chamada pela Arquidiocese de BH, um dos templos preferidos para a cerimônia do “sim”. O atraso nas obras, por sinal, teve a ver com as datas de mais de 200 casamentos marcados para 2017 e que não poderiam ser desmarcados, devido ao compromisso com firmado com os casais. A situação chegou a um ponto que as noivas fizeram protesto na frente da igrejinha.
Ontem, padre Welinton informou quem quiser se casar na igrejinha em 2020 e 2021 poderá procurar a arquidiocese a partir de janeiro próximo. Ele esclareceu que não há uma lista de espera, nem valor das cerimônias definido. “Mais do que um desafio, estar como assistente pastoral é uma missão, pois temos, além do espaço de fé, precisamos preservar um monumento importante para a comunidade.”
Segurança
Um dos problemas sérios não só na Igreja São Francisco de Assis, mas em toda a região do conjunto moderno da Pampulha está na segurança, principalmente para se evitarem agressões ao patrimônio, a exemplo das pichações da qual o templo foi vítima em 2016 e 2017. “Falta consciência e educação”, disse o chefe do Executivo municipal, acompanhado, na visita, do comandante da Guarda Civil Municipal, Rodrigo Prates. Kalil adiantou que o patrulhamento na capital terá reforço de 1 mil militares da PM a partir do ano que vem.
Diante do painel externo de São Francisco, que foi pichado em ato que ganhou repercussão internacional, o comandante da Guarda explicou que a vigilância do monumento está garantida. “Desde a semana passada, há presença física aqui, 24 horas por dia, e vai continuar assim, com, no mínimo, três pessoas. É um lugar amplo, aberto, sem grades e muito frequentado”, disse Rodrigo Prates. Ele destacou a disposição de não permitir pichações em nenhum ponto da cidade: “Tolerância zero”.
Simplicidade
O arcebispo metropolitano de BH e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo, que vai presidir a solenidade de reabertura, destacou que a festa de São Francisco de Assis marca o momento da reabertura “da nossa amada Igrejinha da Pampulha, com sua simplicidade e beleza, para que cada pessoa, a partir da fé, cultive novos hábitos, coerentes com os parâmetros de uma ecologia integral”. Ele disse ainda que São Francisco ensina que “o autêntico testemunho cristão” exige simplicidade e respeito com toda a obra de Deus: “Seja, pois, acolhido por todos, a partir da reabertura da igreja, e também do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, o convite para se cultivar mais harmonia na relação com a natureza, preservando o planeta, a nossa casa comum.”
Esperada para a cerimônia de hoje, a presidente do Iphan, Kátia Bogéa, disse que entregar a Igreja São Francisco de Assis totalmente restaurada aos belo-horizontinos e turistas é um orgulho para a entidade. “Devolver a igreja pronta para receber casamentos, batizados e missas é garantir para a população o direito de usufruir de um bem cultural que é de todos, que é patrimônio mundial. Além de a igreja estar pronta para acolher as mais diversas celebrações religiosas, BH recebe de volta um importantíssimo equipamento cultural, parte do conjunto moderno da Pampulha, propulsor do turismo que atrai visitantes de todo o mundo”, disse. Kátia Bogéa estará na capital na companhia do diretor do Departamento de Projetos Especiais do Iphan, Robson de Almeida.
Fique ligado
Hoje
9h30
» Solenidade de reabertura da Igreja São Francisco após 15 meses de restauração
19h
» Bênção dos animais, por ser o Dia de São Francisco, padroeiro da igrejinha e protetor da natureza
Missas
» Todos os domingos, às 10h30. No dia 12, sábado, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, também haverá missa nesse horário
Casamentos
» Cerimônias para 2020 e 2021 poderão ser marcadas a partir de janeiro. Ainda não há lista de espera
Visitação
» A igreja estará aberta para receber moradores e turistas todos os dias, das 8h às 18h
Em resposta à cobrança do prefeito Alexandre Kalil sobre a necessidade de retirada do esgoto da Lagoa da Pampulha, a Copasa divulgou nota informando que sua responsabilidade no programa de despoluição da represa é retirar os lançamentos da bacia hidrográfica, trabalho que hoje atinge a cobertura de 95%. “Para atingir os 100%, a empresa desenvolve em conjunto com os municípios de Belo Horizonte e Contagem um trabalho de identificação e correção de lançamentos indevidos de esgoto em galerias pluviais e sarjetas das vias públicas em vilas, aglomerados, favelas e em fundo de vales que, para serem corrigidos, exigem melhorias na urbanização”, informou, dando a entender que as duas prefeituras também precisam fazer sua parte.
Satisfeito com da reabertura do templo, o arquiteto e professor Flávio Carsalade, disse que, neste momento, a Igreja São Francisco de Assis tem a sua “redenção”, pois ficou livre de todos os problemas, em especial as infiltrações, e está dentro do compromisso com a Unesco. Autor do livro Pampulha, da coleção A cidade de cada um, Carsalade, contou, na obra, a polêmica que envolveu os primeiros anos da construção religiosa – de 1943 a 1945. Insatisfeito com o resultado da arquitetura e do painel dedicado a São Francisco, o bispo dom Cabral não fizera a sagração do templo, o que só ocorreu em 1959, por dom João Resende Costa.
Copasa divide responsabilidade
Em resposta à cobrança do prefeito Alexandre Kalil sobre a necessidade de retirada do esgoto da Lagoa da Pampulha, a Copasa divulgou nota informando que sua responsabilidade no programa de despoluição da represa é retirar os lançamentos da bacia hidrográfica, trabalho que hoje atinge a cobertura de 95%. “Para atingir os 100%, a empresa desenvolve em conjunto com os municípios de Belo Horizonte e Contagem um trabalho de identificação e correção de lançamentos indevidos de esgoto em galerias pluviais e sarjetas das vias públicas em vilas, aglomerados, favelas e em fundo de vales que, para serem corrigidos, exigem melhorias na urbanização”, informou, dando a entender que as duas prefeituras também precisam fazer sua parte.
Revitalização por todos os lados
Mesmo com a movimentação causada pela presença do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que ontem visitou a Igreja São Francisco de Assis na véspera da reabertura do templo restaurado, turistas não puderam entrar na igrejinha, que será aberta hoje à visitação. Quem visitou o local ontem teve de se contentar em admirar o interior recém-restaurado apenas pelas vidraças. Foi o caso das gaúchas Janine Meneghetti, publicitária, e das arquitetas Júlia Carvalho e Anamary de Grande, que visitavam a Pampulha pela primeira vez. O jeito foi tirar muitas fotos, como fez o casal de Brasília (DF), o militar Leandro Garcia e Priscila Soares, médica, que levou o filho Miguel, de 5 meses. “Ficou show”, disse Leandro, enquanto Priscila lembrava a semelhança com Brasília do templo projetado por Niemeyer.
Quem entrou na Igrejinha ontem e lembrou da situação anterior à obra, quando baldes eram colocados no interior para conter água das infiltrações, aplaudiu o restauro. Na comitiva do prefeito, Henrique Castilho, da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), que comandou a obra, contou os detalhes do projeto, que teve a estrutura impermeabilizada para se evitarem novas infiltrações. Os procedimentos aplicados na igreja incluíram revitalização de piso, revestimentos, pinturas, recuperação de elementos danificados, remoção do forro da nave, instalação de telhas e calhas, revisão da instalação elétrica e reforma dos sanitários.
Como parte das ações firmadas para a reabertura da Igreja, a Arquidiocese de BH se encarregou da recuperação do mobiliário original e da via-sacra de autoria de Cândido Portinari. A restauração dos 14 quadros foi realizada pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG). Logo depois da visita de Kalil, a coordenadora do Memorial da Arquidiocese, Goretti Gabrich Fonseca, dava início à ornamentação da Capela do Santíssimo, na lateral direita da nave, para a bênção de hoje, que terá a presença também da diretora do Cecor/UFMG, Bethânia Reis Veloso. Sobre o restauro das 14 pinturas de Portinari, Bethânia explicou que foi feita uma “intervenção minimalista”, de forma a não interferir no original. “Houve dois anos de pesquisa sobre as obras e um de trabalho. Descobrimos até mesmo fissuras e borbulhamentos que foram mantidos por serem da época do trabalho. Também não usamos produtos químicos”, disse a diretora.
História
Satisfeito com da reabertura do templo, o arquiteto e professor Flávio Carsalade, disse que, neste momento, a Igreja São Francisco de Assis tem a sua “redenção”, pois ficou livre de todos os problemas, em especial as infiltrações, e está dentro do compromisso com a Unesco. Autor do livro Pampulha, da coleção A cidade de cada um, Carsalade, contou, na obra, a polêmica que envolveu os primeiros anos da construção religiosa – de 1943 a 1945. Insatisfeito com o resultado da arquitetura e do painel dedicado a São Francisco, o bispo dom Cabral não fizera a sagração do templo, o que só ocorreu em 1959, por dom João Resende Costa.
Outra versão sobre a primeira igreja em estilo moderno do país se refere a uma divergência do bispo dom Cabral com o então prefeito Juscelino Kubitschek, que teria destinado um terreno na Praça Raul Soares para construção da primeira igreja batista da cidade. Mas há uma terceira versão: a de que o templo teria sido erguido em local não povoado, sem envolvimento da Cúria e, portanto, à revelia da Igreja Católica.
Outras histórias povoam a igreja, desta vez os jardins. Conforme a paisagista Laura Mourão, os jardins originais eram roseirais. “No início, na década de 1940, os jardins da igreja eram ocupados pelas roseiras, com flores de várias cores. “Ele concebeu o local como memorial descritivo sobre a filosofia das rosas. Mas, quando esteve aqui, em 1992, Roberto Burle Marx alterou todo o projeto em forma e conteúdo”. Datam de 26 anos atrás, portanto, os contornos de cimentos nos canteiros, que ficaram sob terra e só vieram à tona na obra de restauro da igreja em 2005. As mudas usadas agora são do viveiro da PBH, que leva o nome do paisagista.