As cenas de vandalismo e violência vistas na Praça da Estação na noite de segunda-feira foram resultado de um coquetel que soava previsível: aglomeração gigantesca, com policiamento e operações de trânsito claramente insuficientes. Se os organizadores mentiram sobre a expectativa de público, devem responder por isso, mas era de conhecimento geral, desde a manhã de anteontem, que Marília Mendonça seria a atração da noite de segunda-feira na Praça da Estação.
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'Brincaram com a segurança pública', diz PM sobre show de Marília Mendonça em BHApesar de brigas e tumultos em show de Marília Mendonça, Praça da Estação tem poucos estragos Vídeos registram correria, brigas e imprudências após show de Marília Mendonça em BHMultidão invade Praça da Estação para acompanhar show de Marília MendonçaAquário do Zoológico BH abre à noite nesta quarta pela Semana da CriançaHomem é morto a tiros no quintal de casa; cunhado, que seria alvo, fica ferido na pernaBasta dizer que, enquanto vídeos de arrastões já viralizavam em redes sociais no fim da noite de segunda-feira, a Polícia Militar e a Guarda Municipal ainda insistiam em negar o registro de ocorrências dessa natureza. Ao que tudo indica, se faltaram prevenção e alertas dos organizadores, faltou também capacidade de resposta e agilidade diante da situação que não se instalou de uma hora para outra.
PM culpa organização de show por tumultos
(Mateus Parreiras) O que era para ser um show surpresa, com acesso liberado para pessoas que de outra forma dificilmente teriam como assistir ao vivo a uma apresentação da cantora Marília Mendonça, se transformou em uma imensa aglomeração, com estrutura insuficiente e marcada por roubos e tumultos no Centro de Belo Horizonte. Mais que isso: instalou uma polêmica entre a Polícia Militar, a Prefeitura de Belo Horizonte e os responsáveis pelo show, acusados pelas autoridades de terem declarado estimativa de público mais de três vezes menor do que a previsível na noite de segunda-feira, na Praça da Estação, Centro da capital.
A estimativa informada seria de 15 mil pessoas, para a gravação de um documentário, mas compareceram mais de 50 mil à apresentação gratuita da estrela do sertanejo, segundo a PM. O resultado foi policiamento e operação de trânsito insuficientes, arrastões, crimes, depredações e transtornos na mobilidade urbana.
A organização divulgou o evento horas antes, mesmo sabendo que se tratava de uma atração que mobilizaria milhares de pessoas, sem comunicar isso às autoridades, segundo a PM e a PBH. “Não podemos brincar com a segurança pública e foi o que nós vimos aqui (durante o evento). Por que não foi retificado (a expectativa real de pessoas)? Por uma estratégia de marketing? O marketing não pode envolver a vida das pessoas”, disse o porta-voz da Polícia Militar, major Flávio Santiago.
A corporação informou que vai encaminhar denúncia ao Ministério Público, uma vez que a corporação precisou agir com poucas informações, tendo registrado 46 ocorrências, entre elas de roubos e furtos. Houve 14 prisões, cinco delas relacionadas aos arrastões que teriam sido monitorados pela inteligência. “Baderneiros se enfrentaram na Avenida Amazonas, na altura do número 105, levando prejuízo e perigo de dano e a Rotam teve de agir”, disse Santiago, que confirmou duas tentativas de homicídio com o uso de lâminas.
Capacidade
O oficial afirma que os responsáveis pelo evento sabiam que mais pessoas viriam, o que poderia ser comprovado pelas alterações no pedido de autorização à corporação e à PBH. “Mentiram (os organizadores), pois previram 20 mil pessoas. Quando souberam que a praça só comportava 15 mil pessoas, reduziram para 15 mil, para se adequarem à legislação, mas sabiam que a previsão seria de mais pessoas”, disse o porta-voz da PM. “Eles podem responder penal, civil e administrativamente. Por danos ou qualquer prejuízo com depredações que seja detectado pela prefeitura.
A Polícia Militar informou que só foi informada no final da semana, com “pouquíssimo tempo hábil para um planejamento”. “Basta imaginar que temos um evento como o carnaval sendo planejado desde agora. Ante isso, veja a irresponsabilidade em se fazer eventos sem a comunicação necessária. Quando não passo informações oficiais, inibo que o poder público se prepare com toda a efetividade para um evento dessa magnitude”, disse o militar. “Trabalhamos com a restauração da ordem pública e com redução de danos. Fizemos um trabalho rápido e que se não fosse essa ação conjunta com a prefeitura, talvez tivéssemos um evento catastrófico”, classificou.
Caso tivesse tempo hábil a informação do público real estimado, o porta-voz indicou que a PM poderia ter exigido cercamentos, bloqueios, revistas de todas as pessoas e que haveria até a possibilidade de vetar o evento. “Se vetássemos, teríamos, por conta das redes sociais, que lidar com pessoas indo até o local como forma de protesto. Massas insatisfeitas que por nossa experiência poderiam promover quebradeiras”, justifica.
Falta de comunicação
O subsecretário de Fiscalização da Secretaria Municipal de Política Urbana, José Mauro Gomes, afirma que, antes de liberar um evento, a administração municipal checa sempre se a PM e os Bombeiros foram comunicados, se há responsável técnico.
Produção
Por meio de nota, a assessoria de imprensa do evento informou que a produção local do show surpresa da cantora Marília Mendonça “adotou todos os procedimentos necessários para a realização do evento na Praça da Estação, como cercamento dos jardins, montagem de barricadas para garantir a segurança do público e profissionais que estavam trabalhando no local, contratação de empresa de segurança privada, acionamento dos órgãos de segurança pública e contratação de empresa de limpeza privada”.
O texto destaca que “a Praça da Estação foi entregue limpa ainda na madrugada após o evento”. O dimensionamento de público de 15 mil pessoas teria se baseado no que ocorreu em outras 15 capitais que receberam a turnê. “Ademais, o evento foi divulgado apenas pelas redes sociais da cantora e do produtor local, horas antes do show, em plena segunda-feira”.
De fato, como comprovou o Estado de Minas, apesar de milhares de pessoas terem comparecido ao evento e de cenas de brigas, tumultos e correrias, a Praça da Estação amanheceu limpa e com poucos danos ao patrimônio público, como canteiros pisoteados.