Não custa nada fazer o bem – esse era lema na vida pessoal e a direção no trabalho pastoral do arcebispo emérito de Belo Horizonte, cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo, que morreu ontem, aos 95 anos, vítima de pneumonia. Seu corpo será sepultado na noite de amanhã, na cripta do Santuário de Adoração Perpétua – Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, na capital, após missa de corpo presente celebrada às 17h pelo arcebispo metropolitano de BH e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Walmor Oliveira de Azevedo. Do Vaticano, onde participava do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, dom Walmor enviou mensagem lembrando que dom Serafim descansa agora “na palma da mão de Deus”, numa referência à expressão muito usada pelo religioso, natural de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha.
Para o arcebispo dom Walmor, “o cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo é presença admirável no coração do amado povo de Deus”, e, após mais de 50 anos de dedicação à Arquidiocese de Belo Horizonte, deixa um legado especial. “Sua caminhada missionária fez crescer no coração de cada pessoa, principalmente os cristãos católicos de nossa amada arquidiocese, o amor a Jesus Cristo e à Igreja. No coração de todos, estará sempre a gratidão, a admiração e o respeito por dom Serafim”.
O arcebispo considera o momento “desafiador e doloroso para toda a grande família da arquidiocese”. “Essa tristeza sempre aperta o coração de todos nós, quando a morte chega à nossa casa, entre nós, bem perto de nós, e se ilumina para crermos com a luz da ressurreição de Jesus. Quem morre n'Ele, vive e ressuscita para sempre”, acrescentou. Dom Serafim foi arcebispo metropolitano de BH entre 1986 e 2004, ano em que foi sucedido por dom Walmor.
Em Roma, durante encontro com os bispos que participam do Sínodo, conforme informação da Arquidiocese de BH, o papa Francisco saudou o povo de Belo Horizonte e se solidarizou com o clero e a família de dom Serafim, que terá, durante o velório, missas celebradas às 7h, 10h, 15h, 18h e 20h, na Igreja Boa Viagem, na Região Centro-Sul. Dom Walmor chega hoje da Itália e retorna na sexta-feira para continuar a participação no grande encontro da Igreja sobre a Amazônia.
Ação pastoral
Comovido com a perda, o irmão mais novo do cardeal, Eustáquio Araújo destacou: “Ele foi o 'dom generosidade'. Um verdadeiro pai para mim”. Sérgio Araújo Rabelo, de 59, sobrinho de dom Serafim, também destacou essa característica em um homem sempre preocupado em doar seu tempo e coração. “Ele perguntava às pessoas: 'O que posso fazer para ajudar?'”, contou ontem Sérgio, diretor-executivo da Fundação José Fernandes de Araújo, da qual dom Serafim era presidente honorário. Existente há 39 anos, e batizada em homenagem ao pai (1901-1975) do cardeal, a entidade foi criada para ajudar universitários carentes, oferecendo o benefício de 50% nas mensalidades – entre as instituições parceiras estão a PUC Minas, a Faculdade de Ciências Médicas e a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje). Em quase quatro décadas, foram atendidas 7,8 mil pessoas
“Meu sentimento é de muita gratidão por tudo o que dom Serafim fez e, como ele mesmo dizia, nunca acumulou. Seu objetivo era se doar para o povo, ressaltando que 'não custa nada fazer o bem'”. Nos dias em que esteve hospitalizado, “com o corpo resistente e a fadiga natural da internação”, uma das preocupações do cardeal era a situação do time do coração, o Atlético. “Contei para ele que nem o Atlético nem o Cruzeiro estavam em boa situação no campeonato (Brasileiro), e ele reagiu bem-humorado: 'Então, só nos resta o América'”, relatou Sérgio. Por ser um cardeal, o caixão terá as bandeiras do Vaticano e da Arquidiocese de BH, “mas, certamente, haverá um lugar no velório para a bandeira do Atlético”, afirmou o sobrinho.
Dom Serafim sempre falou com muito afeto da terra natal, Minas Novas, e também do pai, José Fernandes de Araújo. Em abril de 2009, em entrevista ao Estado de Minas, num escritório que ocupava na Avenida Brasil, o cardeal mostrou a cadeira portátil com a qual seu pai, dentista prático, viajava pelo Vale do Jequitinhonha a fim de atender a quem precisasse. Então com 85 anos e muito sorridente, fez questão de posar para a foto, certo de que o equipamento enaltecia o ofício, a região e a figura paterna. Admiradora das ações pastorais e agradecida pelo apoio durante obras do mosteiro, em 1991 e 1996, a comunidade das irmãs concepcionistas de Macaúbas, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, divulgou nota de pesar e enalteceu o “cumprimento da missão”.
A Polícia Militar também manifestou pesar. Dom Serafim deixou parte de sua história inscrita na PM mineira. “Ele integrou as fileiras da corporação, servindo como 1º tenente capelão padre no 3º Batalhão da PM em Diamantina, de 1955 a 1957, contribuindo sobremaneira para elevação do nome da corporação de Tiradentes”. O presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputado Agostinho Patrus, disse que dom Serafim teve trajetória marcada pela fé e dedicação a Minas e à Igreja, sendo “exemplo de liderança e solidariedade”.Do Jequitinhonha para o mundo
Do Jequitinhonha para o mundo
Dom Serafim Fernandes de Araújo nasceu em 13 de agosto de 1924, em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha. Foi o terceiro arcebispo metropolitano de BH, sucedendo dom João Resende Costa no governo da arquidiocese, em 5 de fevereiro de 1986. Viveu sua infância em Itamarandiba e, aos 12 anos, foi estudar no Seminário de Diamantina, onde se formou em humanidades, em 1942, e em filosofia, em 1944.
Foi enviado para estudar em Roma, onde fez mestrado em teologia e direito canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana. Ordenado padre em 12 de março de 1949, na Catedral de São João Latrão, em Roma, retornou ao Brasil em 1951. Foi pároco em Gouveia, onde ficou de 1951 a 1957 e, nesse mesmo período, exerceu ministério de capelão da Companhia Industrial de São Roberto. De 1956 a 1957, assumiu o posto de capelão militar do 3º Batalhão Militar da Polícia Militar. Foi também diretor de ensino religioso da Arquidiocese de Diamantina e professor de direito canônico no Seminário Provincial.
Em Curvelo, na Região Central, onde foi pároco em 1957 e cônego de 1958 a 1959, dom Serafim atuou também como professor em várias escolas. Sagrado bispo em 7 de maio de 1959, com apenas 34 anos (foi o mais novo bispo do Brasil), se transferiu para BH para ser auxiliar de dom João Resende Costa. Assumiu ainda os cargos de vigário-geral, administrador e diretor de ensino religioso da Arquidiocese, além de se tornar professor de cultura religiosa da PUC Minas, da qual se torna reitor a partir de 1960.
Foram muitas as atividades do religioso. Dom Serafim participou do Concílio Vaticano II, de 1962 a 1965, viajou para vários países, em visita a universidades para participar de seminários e congressos sobre educação e, entre 1978 e 1981, foi membro do Conselho Federal de Educação.
A posse como arcebispo coadjuntor – com direito à sucessão do arcebispo de BH – ocorreu em dia 31 de março de 1983, no Ginásio do Mineirinho, na Pampulha – três anos depois, assumiu como arcebispo metropolitano. A nomeação como cardeal veio em 18 de janeiro de 1998. A cerimônia de início da trajetória no novo posto foi celebrada em 21 e 22 de fevereiro de 1998 pelo papa João Paulo II, hoje São João Paulo II. O título de arcebispo emérito de BH foi conferido em 2004, quando dom Walmor assumiu o governo da Arquidiocese de BH.
Linha do tempo
1924
Em 13 de agosto, Serafim Fernandes de Araújo nasce em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha
1936
Aos 12 anos, vai estudar no Seminário de Diamantina, onde se forma em humanidades (1942) e filosofia (1944)
1949
Em 12 de março, na Catedral de São João Latrão, em Roma, Itália, é ordenado padre
1959
Em 7 de maio, com 34 anos, é sagrado bispo – então o mais novo do Brasil
1960
Toma posse como reitor da PUC Minas
1962-1965
Participa do Concílio Vaticano II, em Roma
1986
Empossado arcebispo metropolitano de BH, sendo substituído, em 2004, por dom Walmor Oliveira de Azevedo
1998
Em 18 de janeiro é nomeado cardeal pelo papa João Paulo II, hoje São João Paulo II
2019
Em 8 de outubro, dom Serafim morre aos 95 anos, em Belo Horizonte, vítima de pneumonia
Coração do mundo
“No coração da igreja ficará sempre a referência que ele significa: um homem de Deus, operoso, comprometido, num percurso bonito, importante na Igreja. Marcando entre os limites humanos de todos nós sua competente doação. Marcando de modo muito especial a história da Arquidiocese de BH como seu terceiro arcebispo. Dando continuidade à beleza da história de dom Antônio dos Santos Cabral continuada por dom João Resende Costa e por ele. E agora, inspiramo-nos no caminho que continua na alegria bonita de sermos uma Igreja presente no coração do mundo para anunciar o evangelho da vida, para estar ao lado dos mais pobres e sofredores e para estar no testemunho do reino de Deus”
Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de BH e presidente da CNBB