Com o fantasma da ameaça de nova crise hídrica se desenhando no horizonte da região metropolitana da capital e reservatórios que pela primeira vez no ano caíram abaixo da metade, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) autorizou liminarmente que a Copasa entre em imóveis particulares, na zona rural de Brumadinho, para instalar um novo sistema de captação de água no Rio Paraopeba. A obra ocorrerá acima do ponto em que a captação existente teve de ser interrompida, devido à contaminação do curso d'água por rejeitos de minério após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro. Segundo a ação judicial que permitiu o início das intervenções, os reservatórios que abastecem a região correm “risco iminente de entrar no volume morto em junho de 2020”.
Com a interrupção dessa captação após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o nível das três represas começou a declinar. Os volumes dos reservatórios somavam até ontem 137.698.530 metros cúbicos de água ou 41,75 milhões de metros cúbicos a menos do que na mesma data do ano passado, aproximando-se do volume armazenado no mesmo período de 2017, quando a captação no Rio Paraopeba operava normalmente e o sistema se encontrava em processo de recuperação.
Apesar do alerta contido na ação que permitiu o início das obras da nova adutora, a Copasa informou ontem, por meio de nota, que os mananciais que abastecem a Grande BH têm condições de atender à população. A empresa disse que monitora “permanentemente o volume dos reservatórios que compõem o sistema de abastecimento” da Grande BH e que somente após a chegada do período de chuvas será possível analisar se há ou não risco de desabastecimento. “A chegada do período de chuvas e os volumes de água que chegarão aos reservatórios e mananciais comporão os parâmetros sobre a recuperação de níveis de água que, associados à relação estoque/consumo permitem uma previsão mais correta sobre a segurança hídrica da região”, diz o texto. A empresa ressalta ainda a importância do uso consciente da água em qualquer estação do ano.
Segundo dados dos níveis de reservatório da Copasa, pela primeira vez neste ano o volume no conjunto de represas do Sistema Paraopeba caiu abaixo da metade, chegando a 49,9% da capacidade de armazenamento. Em termos de monitoramento mensal, esse é o menor percentual desde dezembro de 2017, sendo que em maio de 2018 o complexo atingiu o pico de 78,4% de acumulação.
ALERTA De acordo com Wilson Caetano de Souza, presidente do Comitê da Bacia do Rio Paraopeba, a implantação da nova captação de água no manancial é uma medida emergencial necessária para resguardar o abastecimento da população. Ele reforça, porém, que o trabalho deve ser conduzido com planejamento e transparência. “Isso vai aumentar o sacrifício do rio, mas, neste momento, é algo necessário. O que não pode acontecer é tomar uma medida que é emergencial como solução”, afirma.
Wilson pontua ainda que só aumentar os pontos de captação não vai efetivamente resolver o problema. “Entendemos essa medida como uma forma de garantir a segurança hídrica da população, mas é preciso mais que isso. Todo o entorno da bacia precisa de um plano de recuperação ambiental. Precisamos cuidar da nossa nascente, do nosso solo e das nossas matas. Sem isso não há água”, afirma. “Nossos rios estão morrendo, e a situação só vai se agravar enquanto não enxergarmos que a maneira como estamos conduzindo o problema não é a solução”, complementa.
NOVA CAPTAÇÃO Segundo a Copasa, o início das obras nos terrenos a serem desapropriados em Brumadinho depende de que a mineradora Vale deposite em juízo, previamente, o montante em que os bens situados na área foram avaliados, R$ 480.876,25. Nos casos em que for necessário demolir edificações e desalojar moradores, a Justiça também determinou que a Copasa obedeça o prazo de 30 dias para que os atuais proprietários – são cinco citados na ação – possam desocupar os imóveis. A área foi declarada de utilidade pública para fins de desapropriação de pleno domínio pelo Decreto Estadual 464/2019.
Em julho deste ano, a Vale firmou termo de compromisso, homologado pela 6ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, para construir a nova captação de água no Rio Paraopeba, instalada 12 quilômetros acima da atual, até setembro do ano que vem. Diante disso, a Copasa requereu a autorização da Justiça para iniciar os trabalhos. Segundo a ação judicial, a empresa ajuizou pedido de tutela antecipada perante os proprietários que teriam terras atingidas, sustentando que a regularidade do fornecimento de água ficou comprometida com a contaminação do Rio Paraopeba por rejeitos minerários.
A juíza Perla Saliba Brito, da 1ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Brumadinho, considerou que os documentos comprovam os argumentos da Copasa de que a construção de nova captação no Rio Paraopeba é necessária e que a solução para a possível escassez de água potável na Grande BH pode ser prejudicada se houver demora. Procurada, a Copasa informou que ainda não há um cronograma para início das obras.
palavra de especialista
palavra de especialista
Marcos Vinícius Polignano,
presidente do Fórum Mineiro dos Comitês de Bacias Hidrográficas
‘Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico’
“Precisamos lançar um novo olhar em relação à gestão das águas. A água que corre nos rios é consequência e fruto daquilo que estamos fazendo nos nossos territórios. Sem cuidar dos solos, sem preservar as nascentes e sem áreas de matas protegidas, não há como ter água nas bacias. Estamos consumindo sem preocupação com a reposição. Exatamente por isso não há como discutir a gestão das águas sem discutir território. Estamos trabalhando na lógica de que, se acabou água aqui, podemos só pegar de outro lugar. Porém, não é assim que funciona na natureza. Se quisermos ter água de qualidade e em quantidade, teremos que fazer uma gestão ambiental integrada muito mais responsável e sustentável. Toda a água consumida pela população de Belo Horizonte, por exemplo, não é produzida na capital e vem de fontes que se encontram em outros municípios. De toda a água de chuva que cai na cidade, nenhuma gota fica nela ou é armazenada. Temos que mudar efetivamente essa lógica, sob o risco de que, nesse processo em que estamos, terminemos destruindo e secando os rios de Minas Gerais. Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico e, se isso não mudar, vamos cada vez mais ter o que eu chamo de rios de chuva, que é depender da chuva para manter o abastecimento. As chuvas renovam o estoque das águas, mas é o solo que as mantém e armazena.”
‘Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico’
“Precisamos lançar um novo olhar em relação à gestão das águas. A água que corre nos rios é consequência e fruto daquilo que estamos fazendo nos nossos territórios. Sem cuidar dos solos, sem preservar as nascentes e sem áreas de matas protegidas, não há como ter água nas bacias. Estamos consumindo sem preocupação com a reposição. Exatamente por isso não há como discutir a gestão das águas sem discutir território. Estamos trabalhando na lógica de que, se acabou água aqui, podemos só pegar de outro lugar. Porém, não é assim que funciona na natureza. Se quisermos ter água de qualidade e em quantidade, teremos que fazer uma gestão ambiental integrada muito mais responsável e sustentável. Toda a água consumida pela população de Belo Horizonte, por exemplo, não é produzida na capital e vem de fontes que se encontram em outros municípios. De toda a água de chuva que cai na cidade, nenhuma gota fica nela ou é armazenada. Temos que mudar efetivamente essa lógica, sob o risco de que, nesse processo em que estamos, terminemos destruindo e secando os rios de Minas Gerais. Estamos arriscando todo o nosso patrimônio hídrico e, se isso não mudar, vamos cada vez mais ter o que eu chamo de rios de chuva, que é depender da chuva para manter o abastecimento. As chuvas renovam o estoque das águas, mas é o solo que as mantém e armazena.”
*Especial para o EM