Já há no coração de Verônica, de 24 anos, casada e sem filhos. Para ela, o dia de hoje se mostra ainda mais especial, pois traz à tona as mudanças na sua vida e o divisor de águas que a força da fé pode representar. Nascida com hidrocefalia (acúmulo de líquido na cavidade craniana), ela logo cedo foi informada pelos médicos de que não havia cura. “Sempre sofri muito preconceito em todo lugar, principalmente para conseguir emprego. Vivia em completo desespero”, explica.
Moradora da Vila Marçola, no Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul da capital, Verônica nunca perdeu as esperanças. Menos ainda a fé. Pedindo a intercessão de Irmã Dulce, ela teve a grande surpresa em 14 de agosto, quando levou uma tomografia ao neurologista, que, surpreso, a informou da cura. “O médico disse que não tinha outra explicação, só podia ser milagre. Foi grande a felicidade e, em retribuição, estou cantando no coral da minha comunidade, de Santa Rita. Vou continuar pela vida inteira”, garante a jovem, que participa das celebrações em homenagem à primeira santa brasileira “dos tempos modernos” (veja a programação).
O termo “tempos modernos” merece esclarecimento. O Estado de Minas entrou em contato com as arquidioceses de Salvador (BA) e Natal (RN) e as autoridades explicam que, há dois anos, foram canonizados os Protomártires do Brasil, grupo de 30 católicos (padres e leigos), incluindo mulheres, barbaramente mortos em 1645 no Rio Grande do Norte. A sentença ocorreu como punição por eles não se converterem ao calvinismo dos holandeses, então ocupantes de territórios no Nordeste do país.
Com a canonização da freira baiana de Salvador, a Paróquia da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, no Aglomerado da Serra, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, passa, tão logo o papa sacramente o ato, a se chamar Santa Dulce dos Pobres, informa o padre João Batista Leocádio Silva, à frente das comemorações, que irão das 10h às 19h, na quadra da Escola Municipal Senador Levindo Coelho, no Bairro Serra. Trata-se da única paróquia de Minas dedicada à religiosa.
O ponto alto será a missa celebrada às 18h pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de BH dom Geovane Luís da Silva. A paróquia é formada por uma rede de comunidades de fé, com nove templos, tendo sido criada em 2012 pelo arcebispo metropolitano da capital e atual presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Walmor Oliveira de Azevedo. Em Roma para participar do Sínodo da Amazônia, dom Walmor estará presente à cerimônia de canonização, na Praça de São Pedro.
RELATOS SAGRADOS Assim como o de Verônica Marques, são muitos os relatos de graças, bênçãos e milagres alcançadas por moradores do Aglomerado da Serra, região de grande vulnerabilidade social onde vivem cerca de 34,3 mil pessoas, conforme dados da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel). Na tarde de quarta-feira, na Vila Santana do Cafezal, onde fica a Comunidade Nossa Senhora Aparecida, uma das que compõem a paróquia, fiéis contaram suas histórias, falaram da admiração pelas obras sociais de Irmã Dulce e dos momentos em que a devoção mudou os rumos de suas vidas. Cada um tem a dimensão do seu drama, mas, certamente, para todos a melhor resposta está no alívio.
A costureira Terezinha Barrozo tem motivação dupla para comemorar: além das graças alcançadas, completou 80 anos na sexta-feira. “Fui agraciada”, resume a senhora simpática, na companhia da filha Andréa Maria de Oliveira, dizendo-se curada de um problema nas veias. As aflições de Terezinha começaram na infância e o motivo estava no braço esquerdo. “Por mais que os técnicos e enfermeiros tentassem, não conseguiam tirar sangue no braço esquerdo. Isso ocorria tanto nas clínicas como nos hospitais públicos”, recorda-se. Recentemente, no entanto, tudo se transformou.
Ao fazer os exames habituais, Terezinha estendeu o braço esquerdo e, mentalmente, falou o nome da Irmã Dulce, pedindo proteção. E não é que o técnico em enfermagem conseguiu coletar o sangue, sem problemas? “Foi a primeira vez na vida que isso aconteceu. Comecei a chorar tanto, que ele perguntou se estava doendo. Respondi que não, era uma graça, uma bênção”.
SINTONIA Ouvindo os relatos, padre João Batista se mostra certo de que a freira baiana, nascida Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, é o “evangelho encarnado, a palavra de Deus encarnada”. Diante dos graves problemas enfrentados diariamente pelas comunidades do aglomerado, o sacerdote não duvida de que a região tem tudo a ver com as ações da religiosa canonizada, que socorreu de forma eficaz os necessitados, criando o Hospital Santo Antônio, que atende diariamente milhares de pessoas onde antes havia um galinheiro.
Ao rezar com os fiéis no templo dedicado a Nossa Senhora Aparecida, na comunidade da Vila Santana do Cafezal, ele mostra a imagem de Irmã Dulce, da relíquia de primeiro grau (um pedaço do osso da freira incrustado em uma cruz franciscana) e um estandarte. “Já encomendei a um escultor de São João del-Rei (Região do Campo das Vertentes), uma peça em resina de 1,20 metro de altura. Aí será outra festa para recebê-la”, antecipa, com bom humor, o sacerdote, há menos de dois anos como titular da paróquia.
Presente às orações, Reginaldo José do Nascimento, de 42, casado e pai de duas filhas, pensa na comunidade no momento de elevar as preces a Deus e à santa brasileira. Atualmente desempregado (antes, trabalhava como auxiliar administrativo), Reginaldo lembra que, por meio das suas ações, Irmã Dulce conseguiu transmitir aos brasileiros a preocupação com os “marginalizados, os excluídos e os doentes”. Para ajudar ao próximo, acrescenta Reginaldo, ela não enxergava obstáculos.
Vida dedicada aos
mais necessitados
Segunda filha do dentista Augusto Lopes Pontes, professor de odontologia, e de Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, Irmã Dulce nasceu em 26 de maio de 1914, em Salvador, sendo batizada Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes. Aos 7 anos, ficou órfã da mãe, então com apenas 26 anos.
Aos 13 anos, graças ao seu destemor e senso de justiça, traços marcantes revelados quando ainda era muito nova, Irmã Dulce passou a acolher mendigos e doentes em sua casa, transformando a residência da família, no Bairro Nazaré, em centro de atendimento. Foi também nessa época que manifestou pela primeira vez, após visitar áreas onde viviam pessoas pobres, o desejo de se dedicar à vida religiosa.
Em 8 de fevereiro de 1933, após a formatura como professora, Maria Rita entra para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão (SE). Em 13 de agosto de 1933, recebe o hábito de freira e adota, em homenagem à mãe, o nome de Irmã Dulce.
Já em 1935, dava assistência à comunidade carente de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte interna do Bairro de Itapagipe. Nessa mesma época, começa a atender também os operários, que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco.
Em 1937, funda, com o frei Hildebrando Kruthaup, o Círculo Operário da Bahia. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugura o Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e seus filhos, no Bairro da Massaranduba.
NA SANTA SÉ A causa da canonização de Irmã Dulce foi iniciada em janeiro de 2000. A validação jurídica do virtual milagre presente no processo foi emitida pela Santa Sé em junho de 2003. Já em abril de 2009, o papa Bento XVI reconheceu as virtudes heroicas da serva de Deus Dulce Lopes Pontes, autorizando oficialmente a concessão do título de venerável à freira baiana.
Os teólogos que estudaram a vida e as obras de Irmã Dulce a definiram como a Madre Teresa do Brasil, pelas semelhanças do seu testemunho cristão com a beata de Calcutá, sendo “um conforto para os pobres e um exame de consciência para os ricos”. A religiosa morreu em 13 de março de 1992.
Para o arcebispo dom Walmor, baiano de Cocos e ex-bispo auxiliar de Salvador, a canonização de Irmã Dulce é um presente para o Brasil. “De modo especial, um dom para a nossa amada Paróquia Dulce dos Pobres, no Aglomerado da Serra.”
DOMINGO DE FESTA
Local: Escola Municipal Senador Levindo Coelho – Rua Caraça, 910, Bairro Serra, Região Centro-Sul de BH
- 10h Abertura com oração e músicas
- 13h Apresentação teatral
- 14h Adoração ao Santíssimo Sacramento
- 15h45 Momento de oração
- 17h30 Apresentação teatral
- 18h Missa com o bispo auxiliar dom Geovane Luís da Silva