Ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o físico Ricardo Galvão criticou ontem o “negacionismo” de dados científicos, ao participar do Ciclo de Conferências Tempos Presentes, na 28ª Semana do Conhecimento UFMG 2019, que vai até sexta. Ricardo foi exonerado no auge das queimadas na Amazônia, quando dados do Inpe foram contestados publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro. Pesquisador do Instituto de Física da USP, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física e integrante da Academia Brasileira de Ciência, com doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Ricardo é um dos cientistas brasileiros mais respeitados na comunidade internacional. A palestra, que se baseou na demonstração técnica sobre o monitoramento de dois biomas brasileiro (cerrado e amazônia), tornou-se também ato em defesa da ciência, cujos resultados têm sido colocados em xeque por parcela da sociedade brasileira.
O tema da semana “Educação de qualidade para o desenvolvimento sustentável” está em sintonia com a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cuja discussão é bioeconomia, diversidade, riqueza e desenvolvimento sustentável. Ricardo Galvão relatou que o pior dia de seus 48 anos como pesquisador foi quando soube, pela imprensa, que os dados produzidos pelo Inpe haviam sido contestados pelo presidente da República. Ele destaca que ele e a família têm passado por momentos difíceis desde então, mas que percebe reconhecimento na sociedade quanto à importância do trabalho feito, quando esteve à frente do Inpe, para a defesa da Amazônia.
O pesquisador considera que o negacionismo, termo que usa para definir a negação de dados científicos e da própria ciência, é pior do que o obscurantismo da Idade Média. “O governo não é muito uniforme, principalmente em relação às questões científicas. Há ministros que respeitam a ciência. No entanto, em um círculo em torno do presidente Bolsonaro, esse negacionismo da ciência persiste de maneira muito forte. Isso é muito preocupante. O descrédito que ele tem em relação à ciência e à comunidade científica me perturbaram muitíssimo”, afirma.
O pesquisador afirmou que o atual governo se incomoda com os resultados. “O desenvolvimento sustentável da Amazônia e o controle do meio ambiente, o governo sempre os considerou em oposição ao desenvolvimento econômico. Então, considera que ter atitudes fortes de controle ao desmatamento é contrário ao desenvolvimento econômico. Isso é uma visão rudimentar, muito primária”, avaliou.
O pesquisador fez questão de destacar que os incêndios na Amazônia não são espontâneos, por se tratar de uma floresta úmida. “A principal razão das queimadas na Amazônia é o desmatamento. As pessoas queimam para limpar a área, para tirar a madeira que já foi cortada e tornar o terreno limpo para vender. A maior parte é de desmatamento ilegal”, diz. Para o pesquisador, o combate do desmatamento enfrenta ainda a falta de estrutura, pois o Ibama, sustenta, foi totalmente desarticulado.
Durante a palestra, Ricardo Galvão dimensionou a importância do Inpe, que tem projeção internacional, com parceria com outros centros de pesquisa, como a Nasa, nos Estados Unidos. O pesquisador ainda afirmou que a ciência deve estar acima de questões políticas e partidárias, e demonstrou que, na série histórica do Inpe, houve registros de picos de desmatamento em diferentes governos: em 1996 no governo de Fernando Henrique Cardoso, e também durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
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