Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO

Arquivo público de Ouro Preto, criado em 1751, guarda relíquias do Brasil Colônia

O município, que em 2020 completará 40 anos do título de Patrimônio da Humanidade, captará recurso para digitalizar os documentos (foto: FRED BOTTREL/EM/D.A PRESS)


Um sobrado colonial localizado bem diante da Igreja São Francisco de Assis, no Centro Histórico, guarda acervo pioneiro no Brasil e fundamental para a história da cidade que, em 2020, vai festejar 40 anos como Patrimônio da Humanidade. Com cerca de 2 mil livros, o Arquivo Histórico do Município de Ouro Preto reúne documentos de meados do século 18 aos dias atuais, com movimento crescente de interessados em pesquisas e consultas, conta a diretora do setor vinculado à Secretaria de Cultura e Patrimônio, Kátia Maria Nunes Campos.

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Foi num livro de acórdãos (leis locais) da antiga Câmara, contendo manuscritos do século 18, que Kátia e sua equipe encontraram a “certidão de nascimento” da instituição dedicada exclusivamente à administração municipal: em 11 de agosto de 1751, os vereadores aprovaram a proposta “para organizar, manter e conservar a documentação produzida”, informa Kátia ao lado da coordenadora do setor, Helenice Afonso de Oliveira. A equipe se completa com a especialista em arquivologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Polyana Renata de Oliveira.

O secretário municipal de Cultura e Patrimônio, Zaqueu Astoni Moreira, planeja a modernização do arquivo, de forma especial a digitalização dos documentos. Para tanto, será feita a captação de recursos. Outra iniciativa se refere à climatização do acervo, para melhores condições dos livros, mapas, atas plantas e outros, além do desenvolvimento de programa de educação patrimonial, dando condições às escolas de conhecer parte da história e visitar a instituição muito mais antiga do que o Arquivo Nacional, de 1838, criado como Arquivo Público do Império.

Livro de Acórdãos traz manuscritos do século 18 e marca a 'data de nascimento' do órgão que preserva a história da evolução da cidade (foto: FRED BOTTREL/EM/D.A PRESS)
“O Arquivo de Ouro Preto foi o primeiro do gênero, administração municipal, a ser criado formalmente no país por um instrumento governamental. Os vereadores aprovaram a proposta do procurador Manoel da Costa Coelho. Talvez o zelo dos primeiros tempos explique porque Ouro Preto seja a única cidade brasileira a poder acompanhar, dia a dia, ano a ano, todas as sessões já realizadas desde a primeira delas, em 1711”, explica Kátia, formada em história e mestre e doutora em demografia, pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, com especialização em populações históricas e urbanismo colonial.

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Detalhes sobre a cidade

Na sala envidraçada da chamada Casa de Gonzaga – referência a Tomas Antonio Gonzaga (1744-1810), que foi ouvidor de Vila Rica antes de se tornar inconfidente –, Kátia e Helenice mostram os documentos atraentes tanto pelas informações preciosas para pesquisadores como pela beleza plástica, com riqueza de detalhes, que não deixam ninguém indiferente.

Exemplos estão na planta topográfica de Vila Rica (1808), em tom sépia; no Plano de Melhoramentos da Cidade de Ouro Preto (1892), que traça a reurbanização de Vila Rica na tentativa de se manter como capital de Minas (em 1897, o “posto” foi ocupado por Belo Horizonte); e até a planta de esgoto sanitário, com estação de tratamento que ficava na localidade de Barra e da qual há resquícios.

Ouro Preto lançará campanha de arrecadação de recurso para digitalizar o acervo do arquivo (foto: FRED BOTTREL/EM/D.A PRESS)
No fim do século 19, a documentação colonial e do Primeiro Império (1822-1831) foi reunida para integrar o acervo de um arquivo histórico abrangendo toda Minas Gerais, mas, com a mudança da capital para BH, apenas poucos volumes ficaram em Ouro Preto.

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Assim, o “corpo documental colonial da cidade” teve grande parte transferida para o Arquivo Público Mineiro (APM), em BH, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura e Turismo. Entre a paisagem colonial, vista da janela do sobrado, e os documentos históricos sobre a mesa, Kátia destaca a série de tombos que atestam, passo a passo, o crescimento e a formação do casario e o traçado atual do Centro Histórico. “Dessa forma, é possível acompanhar todas as políticas urbanas e a evolução da região, desde uma simples abertura de rua à urbanização e desenho da Praça Tiradentes, ocorrida na década de 1740.”

Sistema eleitoral do Império

“Em oposição à lacuna deixada pela documentação do século 18, custodiada pelo APM, nosso acervo provincial do século 19 é um tesouro de informações na administração dos conceitos de modernidade e ciência, sendo notáveis as questões referentes a educação, industrialização, sanitarismo e saúde”, explica a diretora, enquanto Helenice, graduada em história pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ressalta outra série importante e fartamente documentada referente ao sistema eleitoral e eleitores do período imperial.

Por meio do acervo, o interessado vai saber que Ouro Preto foi cidade pioneira em vacinação, na criação de cavalos e oferta de touros selecionados, introdução de sementes melhoradas e rentáveis, abastecimento privado de água encanada, tratamento de esgoto (1860-1870), iluminação elétrica doméstica e pública (a partir da criação da Escola de Minas, em 1876), sendo parcialmente instalada na década de 1880 e urbanismo, com alteração de leis construtivas e de retificação de ruas.

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Os documentos atestam a modernidade. “Em 1897, já se encontram referências de ligações telefônicas em uma minúscula rede restrita à cúpula governamental. O mundo do trabalho e serviços é revelado pelas séries fiscais que abrangem as atividades econômicas desde doutores aos mais simples vendedores de capim e linha, livres e escravos”, afirma Kátia.

40 anos de Patrimônio da Humanidade

 

No ano quem vem, Ouro Preto, na Região Central, vai comemorar os 40 anos do título de Patrimônio da Humanidade – foi a primeira cidade do país a receber a chancela, para um bem cultural, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco) – e lembrar os 300 anos da Sedição de Vila Rica, que marca o nascimento de Minas Gerais, com a criação a Capitania de Minas e teve como expoente Filipe dos Santos (1680-1720). Lendas e fatos históricos povoam a história de Filipe dos Santos e em seu livro Ouro Preto – um novo olhar, o professor de história da arte Alex Bohrer explica os acontecimentos.


“Em 1720, o governo português propôs a instalação de casas de fundição em Minas. Isso gerou descontentamento geral entre os mineradores. Logo começaram manifestações pelos arraiais da região. O ponto alto da revolta aconteceu na Praça da Matriz de Cachoeira do Campo, onde Filipe dos Santos, um dos líderes sediciosos, apregoava forte discurso contra o governo português. No adro da igreja foi preso e levado para Vila Rica, onde foi enforcado e esquartejado na presença do governador, o conde de Assumar.”

O autor explica que “ao contrário do que diz a história oficial, a tradição local conta que Filipe foi arrastado por cavalos pela Ladeira (atual Rua Padre Afonso de Lemos), onde foi esquartejado sem julgamento prévio. De qualquer forma, a praça principal de Cachoeira (local da prisão e onde ficou exposta uma parte do corpo do condenado) hoje leva o nome de Filipe dos Santos”. E mais: “O Conde de Assumar, após esse episódio, sugeriu ao Rei de Portugal a separação das Minas e São Paulo (que até então formavam uma só capitania). Era o nascimento de Minas Gerais.


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