Na aula de física, aprende-se: para toda ação há uma reação, como mostra uma das leis de Newton. E, em reação ao cancelamento de uma prova do Colégio Loyola, por causa de um texto do escritor e ator Gregório Duvivier com críticas ao governo Bolsonaro, veio neste sábado mais uma reação. Um ato contra a censura, com a presença de vários artistas, inclusive o autor do artigo, levou neste sábado centenas de pessoas à Praça Duque de Caxias, em Santa Tereza, Região Leste de BH.
O ator está na capital neste fim de semana, em cartaz com o espetáculo Sísifo. Em forma de sarau poético, o manifesto público foi construído com movimentos sociais e artistas pela liberdade de expressão. O protesto começou com a leitura do artigo 5º da Constituição Federal, que garante o direito à liberdade a todos os cidadãos.
“Toda vez que falarem de alguma vocação conservadora de Minas Gerais vou me lembrar dos alunos do Loyola, que não se curvaram e fizeram um levante que tornou ridícula a vontade de censura”, disse Duvivier.
A suspensão da prova, no mês passado, teve como principal motivação a reclamação de pais de alunos sobre conteúdo partidário do texto, que criticava o governo Bolsonaro, na avaliação de Língua Portuguesa, aplicada à turma do 2º ano do ensino médio da escola particular.
Estudantes reagiram e fizeram abaixo-assinado contra a suspensão, com mais de 400 assinaturas, e o colégio decidiu que o novo exame seria facultativo. “A crônica falava exatamente disso, dessa necessidade de converter a tristeza em ação e não se deixar paralisar pelo medo. E foi isso que as alunas fizeram, porque o medo é a arma do fascismo”, ressaltou.
Em seu discurso, Duvivier também lembrou o estado como o berço da luta por liberdade, com a Inconfidência Mineira, movimento contra a Coroa Portuguesa, em 1789. “Foi aqui o primeiro lugar em que se sonhou com um país mais justo”, disse. E saudou escritores mineiros, de Guimarães Rosa a Conceição Evaristo. “A Língua Portuguesa nunca foi tão bem tratada como aqui”, destacou.
Alunas do Loyola são aplaudidas
As duas jovens que redigiram o abaixo-assinado, Beatriz Casttelo Branco Miranda, ex-aluna, de 18 anos, e Manoela Vilas Boas, estudante do 2º ano, de 17 anos, também estavam presentes no evento, que contou com a apresentação de poetas, atores, cantores e grupo Lá da Favelinha, com a batalha de passinhos do funk.“Uma formação de jovens cidadãos só é possível com uma sala de aula que incentive o senso crítico dos alunos”, disse Manoela, em discurso que arrancou aplausos. “Não tem como não citar Paulo Freire (educador brasileiro), que fala que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua própria produção ou construção”, afirmou.
No discurso, ela também destacou que os professores do Loyola sempre tiveram o cuidado de trabalhar em sala de aula textos publicados em diversos veículos de comunicação e escritos por autores com visão de mundo completamente diferentes. “Governantes só viram ditadores com apoio popular quando não se sabe a importãncia da pluralidade de opiniões em uma sociedade”, disse.
A aprovação do projeto de lei Escola sem Partido, que estabelece que, em linhas gerais, o professor não dê opiniões políticas e partidárias durante as classes, também foi criticado durante o ato. “Para impedirmos que o autoritarismo domine novamente o nosso país, é essencial defendermos agora a liberdade em sala de aula”, afirmou Manoela.
Aluna de medicina da UFMG, Beatriz também fez um discurso engajado e aplaudido, elogiando a formação crítica e humanista que recebeu do Colégio Loyola. Ela destacou a importância de se reconhecer o próprio privilégio, num país tão desigual como o Brasil.
“A gente vive numa sociedade que a racista, machista, homofóbica e transfóbica e algumas pessoas parecem não ser ouvidas da mesma maneira que eu sou. Por esse motivo, cabe a mim que sou ouvida, falar por aqueles não são. E esse foi um ensinamento que tive com Loyola. E isso só foi possível, porque tive acesso a uma educação consciente, plural e crítica, que só foi baseada em textos críticos, com abordagens políticas, que diversas abordagens políticas podem, sim coexistir em uma sociedade”, afirmou.
O que Duvivier escreveu
No artigo, Duvivier aponta que o governo é um “gatilho poderoso para a depressão” e que o presidente “parece eleito pela indústria farmacêutica para vender antidepressivo”. Também afirma que “se tivesse votado nesse governo contra a corrupção estaria comprando um chicotinho da Opus Dei e passaria dias me mutilando em praça pública”.E escreve que, se estivesse tentando o concurso do Itamaraty e visse o presidente nomeado o filho embaixador, “talvez desse um tiro no coco”, em referência à indicação de Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) para a Embaixada dos Estados Unidos. Entidades de prevenção ao suicídio também criticaram a forma como o escritor tratou sobre o assunto.
Na prova, também havia texto de Mathias Alencastro, que abordou, em especial, a participação de Bolsonaro na Conferência da ONU e criticou a política ambiental do mandatário.
Contra a censura
O ato contra a censura em BH teve a participação de um público diverso, de todas as idades. O estudante do colégio Sagrado Coração de Maria, João Renna, de 13 anos, fez questão de se posicionar.“Querem que o professor, ao contrário de educar, finjam que isso não existe. Isso gera uma alienação. O correto é fazer nós mesmos pensarmos sobre o nosso lado da história”, afirmou. O estudante também prestou apoio aos artistas. “Os artistas podems e expressar como quiser”, disse.
Participante do coletivo Pontos de Luta, que defende a democracia, a liberdade e a cultura, Beatriz Alkimim, de 55 anos, que viveu o período da Ditadura Militar (1964-1985), ressalta que não se pode nunca esquecer daquele período, quando o país viveu sob a mordaça da censura.
“Não se pode tolhir o pensamento. Quando estudei, a gente não passava da Era Vargas na aula de história. Só fui estudar a ditadura mais tarde”, contou.