Mariana – Previsto para dezembro de 2020 depois de cinco adiamentos, o processo de reassentamento da população removida do povoado de Bento Rodrigues, arrasado pelo rompimento da Barragem do Fundão, entrou no radar do Ministério Público Federal (MPF), depois que a consultoria Ramboll indicou que a iniciativa para alojar 256 núcleos familiares já custa cerca de 2,5 vezes o preço inicial estimado. São recursos que a Fundação Renova gasta após receber de suas mantenedoras, a Samarco – responsável pelo desastre em Mariana, que ontem completou 4 anos –, e as mineradoras que a controlam: Vale e BHP Billiton. Além do gasto extra provocado pelo atraso no reassentamento, que engustia os atingidos, no canteiro de obras desvios de insumos e ferramentas são corriqueiros, como pôde comprovar a reportagem do Estado de Minas.
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Dano moral gera divergência em indenização por tragédia em MarianaTragédia de Mariana: MP de Minas propôs 23 ações e negociou indenização de R$ 1,9 mi por mortesMariana: 4 anos após tragédia, cidade está entre as 10 mais ameaçadas por barragensApenas uma das 42 ações de reparação do rompimento de Fundão é satisfatóriaJúri decide pena de militares acusados de atirar em policial e matar o marido dela Micro-ônibus escolar bate em árvore e deixa feridos na Avenida Pedro IISem transporte escolar, alunos andam até 6 quilômetros para ir à escola em Montes ClarosEntre os principais atrasos está o dos reassentamentos de famílias atingidas pelo desastre, que podem estar relacionados a superfaturamento, desperdício ou imperícia na execução de obras. Apenas a construção de Novo Bento Rodrigues deveria custar R$ 160 milhões, mas as estimativas já rondam os R$ 400 milhões (150% acima do previsto). “Os documentos de orçamentação do programa (do reassentamento) apontam um valor reservado para implementação de (Novo) Bento Rodrigues da ordem de 400 milhões. Se considerarmos a previsão de recursos para (Novo) Bento Rodrigues, verifica-se um aumento de orçamento de aproximadamente 2,5 vezes em relação ao previamente indicado. Resta avaliar se esse incremento é pertinente”, diz informe da consultoria Ramboll ao MPF.
No entorno do canteiro de obras de Novo Bento Rodrigues, a equipe de reportagem do EM constatou que mesmo o ritmo frenético das obras, com operários e caminhões trabalhando o dia todo, e a presença de seguranças, não impedem que o local seja alvo de roubos de insumos e ferramentas – material que não custa milhões, mas certamente se soma aos prejuízos. Várias trilhas clandestinas foram abertas em propriedades circunvizinhas ao reassentamento, algumas delas com o rompimento de cercas e formando sulcos em matas.
Ao longo desses caminhos, em moitas altas de capim, ficam depositados materiais novos, como rolos de arames farpados, cordas e ferragens. Ferramentas novas, como trenas, serras, chaves e carrinhos de mão ainda com as etiquetas que comprovam ser novos também se encontram nesses locais. A reportagem apurou que há a suspeita de que os insumos sejam escondidos para ser recolhidos depois do expediente, e revendido no comércio local. Um material que fatalmente precisará ser reposto.
Negociação
Consultada sobre os prazos para reassentamentos, a Fundação Renova informou que na audiência promovida no último dia 29, os atingidos e o MP estadual “se manifestaram desfavoravelmente (às propostas de reassentamento, troca de lotes e soluções para pontos sem acordo), não apresentando nenhuma contraproposta, o que impossibilitou o alcance de um acordo”. “Assim, as definições quanto aos prazos e compensações dependerão de uma decisão judicial”, acrescentou.
A fundação diz entender que “os prazos do reassentamento são diretamente influenciados pelo processo coletivo e deliberativo definido para tomada de decisões” em relação à construção de moradias. Segundo a entidade, esse processo foi estabelecido em diretrizes definidas com a comunidade, comissão de atingidos e assessoria técnica, com acompanhamento do Ministério Público. Esse processo, sustenta, tem reflexo no aumento dos prazos.
Segundo a Renova, até agosto foram desembolsados R$ 275 milhões para obras dos reassentamentos de Novo Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, e o orçamento previsto está em R$ 342,9 milhões. “As estimativas de custos são elaboradas anualmente, de acordo com a evolução das discussões quanto às soluções para o reassentamento. A primeira estimativa representava uma visão bem preliminar, e foi apurada ainda no ano de 2016”, afirma.
Sobre os materiais furtados, a entidade admite que em 13 de outubro, alguns materiais e equipamentos de trabalho desapareceram do canteiro de obras. “Desses, foram recuperados duas baterias de caminhão e um conjunto de roda e pneu. A Polícia Militar e o setor responsável pela segurança do local foram acionados. A Fundação Renova informa que reforçou a segurança e a vigilância no local de armazenamento de ferramentas”.
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Data de protestos
Ontem, data em que se completaram quatro anos do rompimento da Barragem do Fundão, foi dia de protestos em cidades como Mariana e Barra Longa. Em uma das manifestações, com bandeiras e cartazes cobrando justiça para os atingidos, cerca de 150 pessoas, entre vítimas do desastre e ativistas, fecharam rodovias e promovem atos entre os dois municípios, os mais devastados pela ruptura. Entre os participantes havia vítimas do desastre de 2015, de vários locais da Bacia do Rio Doce, vítimas da Bacia do Rio Paraopeba, após a ruptura das barragens da Mina Córrego do feijão, em Brumadinho, além de pessoas que sofrem os efeitos da instalação de hidrelétricas nas bacias dos rios Jequitinhonha e Pardo.