Debaixo do sol forte, as irmãs gêmeas Maria Clara e Maria Fernanda, de 11 anos, caminham por 3,2 quilômetros do Conjunto Recanto das Águas, onde moram, até a Escola Estadual Américo Martins, no Bairro Jaraguá 2, em Montes Claros, Norte de Minas para assistir às aulas. Maria Clara reclama de dor de cabeça enquanto Maria Fernanda lamenta que sempre chega atrasada à escola. O sacrifício das gêmeas é enfrentado por milhares de crianças na região. Em busca de uma solução para esse drama, moradores da cidade realizam hoje pela manhã um ato em defesa do transporte escolar.
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Estudante de Medicina da UFMG ganha prêmio na HolandaBombeiros fazem surpresa em festa de aniversário de criança de 11 anosTragédia de Mariana: após quatro anos, Novo Bento ainda não saiu do papel, mas já dobrou de preçoConfira prazo para recadastramento de meio passe estudantil em BHProfessores das redes estadual e municipal protestam e podem votar greveMicro-ônibus escolar bate em árvore e deixa feridos na Avenida Pedro II“As famílias estão retirando a comida da boca para pagar o transporte dos alunos. É o meu caso. Estou desempregado e vivendo de bicos. Estou sacrificando a cesta básica para pagar o transporte escolar para meus dois filhos”, diz Daniel. “A situação é de um total descaso (do poder público) com as crianças, que não têm acesso facilitado á escola”, reclama o líder comunitário.
O problema vem da gestão municipal do período de 2013 a 2016, quando foram inaugurados os cinco conjuntos habitacionais na região do Vilage do Lago, financiados pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, mas não foram construídas novas escolas públicas nas proximidades. “Vieram para esta parte da cidade cerca de 3,5 mil famílias, totalizando cerca de 11 mil pessoas”, diz Daniel Batista.
Segundo o morador, como na ocasião não existiam mais vagas nas duas escolas municipais do Vila do Lago (Du Narciso e João Valle Maurício), o então prefeito, Ruy Muniz, assegurou que a prefeitura garantiria o transporte escolar dos estudantes que moram nos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida para três educandários da rede estadual de bairros vizinhos: Escola Estadual Américo Martins (Jaraguá 2), Professora Dilma Quadros (Bairro Planalto) e Escola Estadual Professora Helena Prates (Bairro JK). O transporte foi oferecido até o final de 2018. Porém, no início deste ano, a atual administração suspendeu o serviço, alegando que pode transportar somente alunos da rede municipal.
Após denúncias e o encaminhamento de listas de abaixo-assinado pelos moradores, o Ministério Público Estadual (MPMG), por meio da Coordenadoria Regional das Promotorias Públicas de Defesa da Educação e dos Adolescentes do Norte de Minas, entrou com uma ação civil pública contra o Estado. O MPMG requer que o governo estadual adote providências imediatas para o restabelecimento do transporte para os alunos dos conjuntos habitacionais e solicita também que seja fixada uma multa de R$ 3 mil por dia, em caso de descumprimento. A Promotoria Pública alega que os alunos enfrentam serias dificuldades para estudar, pois precisam deslocar distâncias que variam de três a seis quilômetros e estão sem o transporte escolar.
Em atendimento à ação do MPMG, o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Montes Claros, Eliseu Silva Leite Fonseca, deu prazo ao governo do Estado para se manifestar a respeito. Mas, procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Educação alegou que “ainda não foi notificada” sobre a ação. Ainda por meio de nota, a SEE destacou que “o transporte escolar gratuito já é garantido aos alunos da rede estadual que residem em áreas rurais, conforme legislação vigente”
Também procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação de Montes Claros argumentou que assegura o transporte escolar para os alunos dos residenciais Monte Sião (1, 2 e 4), Recanto das Águas e Minas Gerais matriculados na rede municipal. Alegou ainda que, durante o ano letivo de 2018, o município, “a título de colaboração, aceitou oferecer 'carona' nos ônibus com disponibilidade de vagas” para os alunos dos conjuntos matriculados em escolas estaduais.
“Infelizmente, entretanto, este ano, em função do aumento da demanda por vagas nas escolas, o município não conseguiu continuar oferecendo carona porque os seus veículos passaram a circular cheios. O que a Secretaria (de Educação) fazia como cortesia, algumas pessoas passaram a entender e a explorar politicamente como obrigação”, informou a SME. O órgão alegou ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação determina que o município é responsável somente pela transporte de alunos da rede municipal.
“A Superintendência Regional de Ensino, a quem compete a responsabilidade pela rede estadual, comodamente, esquivou-se e utilizou-se da falta de informação da maioria da população para passar a falsa ideia de que a responsabilidade não era sua e sim do município”, diz a Secretaria Municipal de Educação, por meio de nota.
O jeito é encarar o sacrifício
Enquanto o transporte não é oferecido pelo poder público, as famílias dos cinco conjuntos habitacionais se viram como podem para que seus filhos possam vencer as distâncias até as escolas estaduais. O líder comunitário Daniel Batista Rocha paga R$ 250 ao dono de uma van para o transporte dos dois filhos do Recanto das Águas até a Escola Estadual Américo Martins.
O jeito é encarar o sacrifício
Enquanto o transporte não é oferecido pelo poder público, as famílias dos cinco conjuntos habitacionais se viram como podem para que seus filhos possam vencer as distâncias até as escolas estaduais. O líder comunitário Daniel Batista Rocha paga R$ 250 ao dono de uma van para o transporte dos dois filhos do Recanto das Águas até a Escola Estadual Américo Martins.
Mas, para muitos alunos, como suas famílias não têm recursos para custear o transporte, o jeito é encarar as distância de mais de três quilômetros no “dedão” mesmo, como fazem as gêmeas Maria Fernanda e Maria Clara. A primeira diz que gosta de Matemática e sonha em ser médica pediatra. Já a segunda diz quer ser professora.
Vizinha das gêmeas, Ana Luisa Gomes Dias, de 12, também anda a mesma distância para a estudar o sexto ano na Escola Américo Martins. “É muito ruim caminhar debaixo do sol quente”, diz Ana Luiza. A mãe dela, a doméstica Marilene Santos Dias, de 34, reclama que constantemente a menina chega atrasada na escola.
“Acho isso um absurdo. Vejo sempre ônibus transportando estudantes para as faculdades. Porque, então, não podem transportar os alunos do nosso bairro?” se indigna a atendente de telemarketing Maria Silva dos Santos, de 38. Ela é mãe de Jonata Rodrigues da Silva, de 15, que cursa o primeiro ano do ensino médio na Escola Professora Dilma Quadros, no Bairro Planalto, a cerca de 3,5 quilômetros de sua casa, no Recanto das Águas.
Jônata, que estuda no turno matutino, vai para a escola de ônibus e faz o retorno a pé. A mãe dele afirma que mesmo pagando “somente a ida” do filho à escola é “sacrificada”, pois a remuneração que recebe é pequena.
Já o pastor e pedreiro desempregado Alecio Fabiano Miranda decidiu usar o próprio carro para transportar dois filhos e mais dois alunos vizinhos de sua casa, no Recanto das Águas, ate a Escola Américo Martins, no turno de manhã (ida e volta). “Cobro R$ 50 por mês de cada um dos outros alunos. Mas é so para ajudar na gasolina”,afirma Alecio.
Vários alunos dos conjuntos habitacionais se deslocam de bicicleta as distâncias de mais de três quilômetros para chegarem à escola. É o caso de Igor Rafael Rodrigues Barbosa, de 12 , que mora no Recanto das Águas e estuda o sétimo ano do ensino fundamental na Escola Estadual Américo Martins. “A gente vem de bicicleta porque não tem outro (meio de) transporte’, diz Igor. Ele estava em companhia dos amigos Yan Cardoso Souza, de 13; e Gabriel Pereira Leite, 17, que também vão para a escola de bicicleta.