O rosto marcado pelo tempo esconde a real idade de quem descobriu o álcool ainda muito cedo. “Comecei a misturar bebida no suco aos 8 anos. Aos 10, já usava a bebida alcoólica pura”, diz Paulo, de 24 anos. A perna inquieta, que não para de mexer, denunciava o nervosismo em reviver feridas ainda abertas. “Eu me tornei morador de rua depois de vender tudo o que tinha a preço irrisório para poder beber. Cheguei ao ponto de implorar às pessoas R$ 1 para comprar bebida”, afirma Joaquim, de 53. Faltando pouco para receber alta da comunidade terapêutica onde está internado, Geraldo, de 68, não sabe para onde irá. “Não fosse a bebida, teria ainda minha família, que ficou desgostosa a ponto de não me querer mais em casa”, relata. Às vezes, o fundo do poço confronta a própria vida. “Até veneno tomei. Tive quatro convulsões e tentei o suicídio quatro vezes”, conta Carlos, de 39.
"Me tornei morador de rua depois de vender tudo o que tinha para poder beber"
Joaquim (nome fictício), de 53 anos, dependente em processo de recuperação
Consumo no Brasil
“É a grande droga social. Álcool mata muito mais que o crack, não tem comparação”, sentencia o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Icict/Fiocruz), Francisco Inácio Bastos. Essa certeza é fundamentada pelo 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado recentemente pela fundação. Os resultados mostram que grande parte dos dados considerados mais alarmantes em relação ao uso de drogas no Brasil não estão relacionados às substâncias ilícitas, mas, sim, ao álcool. Mais da metade da população brasileira de 12 a 65 anos declarou ter consumido bebida alcoólica alguma vez na vida. Cerca de 46 milhões (30,1%) informaram ter consumido pelo menos uma dose nos 30 dias anteriores. E aproximadamente 2,3 milhões de pessoas (1,5% desse grupo etário) apresentaram critérios para a dependência de álcool nos 12 meses que antecederam a pesquisa.
USO DE ÁLCOOL NA VIDA ENTRE MORADORES DE BH (POR REGIÃO)
Facilidades
Global, social, barato e não sofre sanções restritivas, salvo em comportamentos específicos, como beber e dirigir. Essas características fazem do álcool uma droga de fácil acesso, que durante muitos anos dividiu essa atribuição com tabaco, malvisto especialmente pelas gerações atuais. Já o álcool, que ainda não se tornou alvo de campanhas que forçam novos hábitos, como ocorreu com o cigarro, se mantém em alta. “Se somados mortalidade e dados de comorbidade (problemas decorrentes da doença), o alcoolismo ganha disparado no mundo inteiro e por uma razão simples. Todas as outras drogas têm características de consumo específicas. Já o álcool, com exceção de alguns países islâmicos, é a única substância que pode ser encontrada globalmente. Não depende de mercados locais, como a heroína. Produto básico e muito barato”, diz Inácio.