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Estado de Minas SEGURO OBRIGATÓRIO

Fim do DPVAT: entenda possíveis reflexos e quem ainda poderá receber o seguro

Extinção do sistema de indenizações para acidentes de trânsito tende a levar disputas para o Judiciário. Acidentados até o fim do ano estão cobertos


postado em 13/11/2019 06:00 / atualizado em 13/11/2019 11:26

Acidente envolvendo motociclista em Belo Horizonte: moto é o veículo responsável pela maior parte das ocorrências indenizadas pelo DPVAT. Jovens são os mais atingidos(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 1/4/19 )
Acidente envolvendo motociclista em Belo Horizonte: moto é o veículo responsável pela maior parte das ocorrências indenizadas pelo DPVAT. Jovens são os mais atingidos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 1/4/19 )


Um aumento de ações judiciais por perdas, danos, invalidez e morte referentes a acidentes de trânsito tende a ser um dos primeiros efeitos da extinção do Seguro Contra Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT). Esse reflexo é uma das repercussões que a edição da Medida Provisória (MP) 904, assinada na segunda-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, pode trazer de imediato, com a abolição do chamado seguro obrigatório de automóveis a partir de 1º de janeiro de 2020, segundo avaliação da advogada especialista em direito de trânsito Luciana Mascarenhas. “Muitas pessoas mais humildes, ao se envolverem em acidentes recorriam apenas ao DPVAT, em vez de acionar os causadores dos acidentes. Isso, agora, poderá mudar”, avalia.

Segundo a Seguradora Líder, gestora do sistema, o seguro obrigatório é a única garantia de reparação para vítimas de acidentes automobilísticos, especialmente para a população pobre, já que apenas 20% da frota brasileira tem seguros particulares. Já o Executivo federal sustenta que o INSS garante auxílios para invalidez e morte, enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) provê a assistência hospitalar necessária para acidentados. No Brasil, em 2018, de 53.053 indenizações por morte pagas, 4.127 foram destinadas a Minas (7,8%).

Para a advogada especializada, outro reflexo será que as partes responsáveis judicialmente pelos acidentes terão de arcar com os custos totais dos sinistros de trânsito. “No modelo vigente com o DPVAT, o seguro era arrecadado pelo Estado, que pagava aos acidentados e vítimas. Isso nunca impediu que os culpados arcassem com indenizações e custos, mas esses valores tinham abatimento pelos recursos conseguidos via DPVAT”, observa Mascarenhas.

O advogado André Soares, presidente da Comissão de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB/MG), diz que é preciso aguardar para verificar se haverá maior judicialização das causas depois da extinção do seguro obrigatório. Porém, ele pondera que, mesmo com a vigência do DPVAT, parte dos casos já vai parar no Judiciário. Um indicativo de que esse número tende a aumentar na ausência desse sistema.

Soares lembra que as pessoas têm prazo de três anos para requisitar compensações. Isso significa que quem se envolveu em acidentes em 2017, 2018 e 2019 poderá solicitar a cobertura do DPVAT, uma vez que o sistema está em vigência nesse período. Ele lembra ainda que, antes de ir para o Judiciário, os conflitos gerados por acidentes podem ser revolvidos extrajudicialmente.

Fraudes e fragilidades


O sistema do seguro obrigatório chama a atenção também por ser alvo de frequentes fraudes e tentativas. Desde 2011, o Estado de Minas denuncia vários esquemas envolvendo funerárias, hospitais e advogados, todos de olho na indenização do seguro, que chega a R$ 13.500 para familiares de vítimas. Essa situação ficou nítida novamente em dois momentos flagrados pela reportagem do EM depois da queda, no Bairro Caiçara, Região Noroeste de BH, de um avião que decolou do Aeroporto Carlos Prates, na mesma região, em 21 de outubro. Morreram quatro pessoas e duas ficaram gravemente feridas, ambas ainda internadas no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII.

No Instituto Médico-Legal (IML), os corpos de duas das vítimas ainda nem sequer tinham sido reconhecidos e vários agentes de funerárias que orbitam as instalações onde trabalham os legistas da Polícia Civil já procuravam por parentes para oferecer serviços. Como os dois estavam dentro de um carro que foi atingido pelo avião que caiu e pegou fogo, eram beneficiários em potencial do DPVAT. Os funcionários de funerárias, conhecidos vulgarmente como “papa-defuntos”, ofereciam seus serviços sem custos, mas com uma procuração para o saque do DPVAT. Com isso, um sepultamento que custaria de R$ 2 mil a R$ 5 mil, poderia zerar a indenização de R$ 13.500 por morte.

No Hospital João XXIII, onde quatro feridos eram tratados e lutavam contra a morte, agentes de funerárias e de escritórios ditos de advocacia também abordavam e sondavam familiares, questionando se se tratava de acidente automobilístico, o que dá direito a receber o seguro. Nesse caso, a captação de clientes, que é vedada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se dá também para auferir o recurso do seguro para vítimas com invalidez. O detalhe é que qualquer pessoa pode requerer o benefício diretamente na Seguradora Líder, que é a administradora nacional do sistema.

TRAMITAÇÃO O fim do DPVAT terá de ser votado pelo Congresso em até 120 dias após a edição da MP 904, ou a medida perde seu valor. De acordo com o Executivo nacional, o Sistema Único de Saúde já proporciona atendimento às vítimas de acidentes, sendo o DPVAT um encargo desnecessário e oneroso, segundo recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU).

O seguro foi previsto originalmente no Decreto-lei 73, de 1966, recepcionado pela nova ordem constitucional como lei complementar. A legislação prevê que todo cidadão acidentado no trânsito em território nacional, seja motorista, passageiro ou pedestre, tem direito ao benefício em caso de morte, invalidez e custos médicos.

O EM procurou a Seguradora Líder, que administra o DPVAT, mas não obteve um posicionamento sobre o fim do sistema. Mas, segundo dados da instituição, dos recursos arrecadados, 45% vão para o SUS,  para custeio da assistência médico-hospitalar às vítimas de acidentes de trânsito, e 5% vão para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), para investimento em programas de educação e prevenção de acidentes. Os outros 50% são identificados genericamente como direcionados para despesas, reservas e pagamento de indenizações às vítimas. Em 2018, a parcela destinada ao SUS totalizou R$ 2,1 bilhões; para o Denatran foram R$ 233,5 milhões. Nos últimos 11 anos, essa contribuição soma mais de R$ 37,1 bilhões, segundo a instituição.

Nos últimos 10 anos, mais de 4,5 milhões de pessoas foram atendidas em casos de morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas. Nesse período, foram pagas mais de 485 mil indenizações do seguro obrigatório para familiares de acidentados que não sobreviveram. Em 2019, de janeiro a outubro foram 289.120 compensações pagas, sendo 34.018 por morte, 192.525 por invalidez permanente e 62.577 para reembolso de despesas médicas e suplementares. A motocicleta é o veículo responsável pela maior parte das ocorrências indenizadas e os jovens entre 18 e 34 anos representam a faixa etária mais atingida.

Como requisitar o seguro?


Acidentes ocorridos até 31 de dezembro e reclamados até 31 de dezembro de 2025 estarão cobertos pelo DPVAT

» A proteção é assegurada por morte (R$ 13.500), invalidez permanente (até R$ 13.500) e reembolso de despesas médicas e suplementares (até R$ 2.700)

» Para requisitar a indenização, o interessado ou família deve entrar no site da seguradora (www.seguradoralider.com.br) ou procurar uma agência na sua cidade

» É preciso preencher o formulário de requisição

» Em seguida, o interessado ou família deve reunir os documentos relativos ao acidente, como o Boletim de Ocorrência

» É necessária a identidade da vítima (ou CNH, carteira de trabalho, certidão de casamento, óbito ou de nascimento)

» Também devem ser reunidos recibos e notas com os gastos com saúde, receituários médicos, entre outros comprovantes

Fonte: Seguradora Líder

O que diz a lei


A extinção do DPVAT e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas (DPEM) foi instituída por meio da Medida Provisória 904, de 11 de novembro de 2019, que vigora a partir de 1º de janeiro de 2020. Em seu segundo artigo, o decreto determina que "o pagamento realizado até 31 de dezembro de 2025 das indenizações referentes a sinistros cobertos pelo DPVAT, ocorridos até 31 de dezembro de 2019, e de despesas a elas relacionadas, inclusive as administrativas, será feito pela Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A. ou por instituição que venha a assumir as suas obrigações”. Determina ainda que a partir de 1º de janeiro de 2026, a responsabilidade pelo pagamento das indenizações referentes a sinistros cobertos pelo sistema ocorridos até 31 de dezembro de 2019 e de despesas a eles relacionadas, inclusive as administrativas, passará a ser da União, que “sucederá ao responsável pelas obrigações e direitos nos processos judiciais em curso que tratem da indenização de sinistros cobertos pelo DPVAT”.


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