O atraso na chegada de chuvas mais expressivas na temporada 2019 espalha o drama da escassez hídrica e da limitação de consumo por Minas Gerais, provocando problemas especialmente pelo interior, mas deixando em alerta também a capital e seus vizinhos da região metropolitana.
Contando a cidade-polo do Norte mineiro, onde a situação é mais grave, são 35 comunidades atualmente enfrentando o consumo racionado no estado – isso considerando apenas aquelas atendidas pela concessionária estadual de água e esgoto.
O Norte de Minas enfrenta um dos quadros mais críticos, e lá se destaca negativamente Francisco Sá, onde parte dos moradores da área urbana está sendo atendida por caminhões-pipa. Devido à estiagem prolongada, a população de 26,27 mil habitantes já vinha recebendo água nas torneiras em dias alternados. Agora o quadro se agravou, pois a Barragem do Rio São Domingos, construída na década de 1980 para abastecer a cidade, está quase vazia – acumula apenas 3% de sua capacidade.
Belo Horizonte e as vizinhas da Grande BH estão longe de enfrentar situação tão crítica, mas o alerta já soou no complexo de reservatórios do Sistema Paraopeba. As represas de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, que respondem pelo abastecimento de 28% da capital e 47,2% da região metropolitana, caíram a 44,1% de sua capacidade total.
O nível do complexo é o menor desde dezembro de 2017, quando a Copasa ainda podia contar com a adutora instalada em 2015 no Rio Paraopeba. Porém, a captação foi suspensa em janeiro deste ano, depois do desastre com a barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, que contaminou o curso d'água. Com isso, a Grande BH passou a contar com as três represas e com a água captada diretamente no Rio das Velhas, que não conta com reservatórios e abastece 64,2% da população de Belo Horizonte e 43,4% da Grande BH.
Além da perda da captação, a quantidade de chuva em ambos os sistemas, que são interligados, tem sido baixo, prejudicando a recuperação do volume armazenado (veja arte). O volume de precipitação, como a que voltou à região metropolitana ontem, não foi capaz de aliviar a situação. A Copasa, porém, evita falar em risco de racionamento na região, diferentemente do que faz em cidades como Montes Claros e outras do Norte Mineiro.
Economizar e rezar
Na Região Norte, a restrição no uso da água por causa da estiagem prolongada é realidade também em cidades como Taiobeiras, Curral de Dentro, Lontra e Capitão Enéas, entre as abastecidas pela Copasa. Entre as muitas que contam com serviços próprios de saneamento, Francisco Sá enfrenta quadro crítico. O diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Roberto Miranda, anunciou que, a partir de segunda-feira vai interromper a captação na Barragem de São Domingos, porque, além de o nível do reservatório estar muito baixo, a água está muito barrenta, dificultando e encarecendo o tratamento.
Com interrupção da operação na barragem, a população passa a ser suprida somente por água retirada de oito poços tubulares do município. O problema é que, mesmo com o racionamento, a captação subterrâneas não dá conta da demanda. A água já não chega as torneiras das casas situadas nas partes mais altas da cidade, onde os moradores são abastecidos com três caminhões-pipa da prefeitura. Alguns reclamam que estão sendo obrigados a comprar água.
Roberto Miranda afirma que, mesmo com a suspensão da captação na Barragem de São Domingos, o Saae vai garantir o fornecimento para todos os moradores, mantendo a situação “sob controle”. Para isso, orienta a população a economizar e a fazer uso racional do recurso hídrico, evitando lavar carros, por exemplo. Mas solução, mesmo, só virá do céu, ele admite. “Temos que rezar para chover”, afirma o diretor do Saae de Francisco Sá.
Água na torneira dia sim, dia não
Montes Claros, maior cidade do Norte de Minas, começa neste fim de semana a enfrentar rodízio no abastecimento. A água será fornecida com intervalos de 24 horas, ou seja: os moradores serão abastecidos em dias alternados. Para isso, a cidade será dividida pela Copasa em cinco regiões. O principal motivo para adoção do racionamento é a redução do nível da Barragem do Rio Juramento (Sistema Rio Verde Grande), responsável por 60% do abastecimento da cidade que, devido à estiagem prolongada, está com apenas 13,3% de sua capacidade.
O superintendente de Operação Norte da Copasa, Roberto Botelho, disse que Montes Claros recebe uma oferta de 950 litros de água por segundo. Com o rodízio, o fornecimento será reduzido para 650 litros por segundo. Ele acrescenta que não há data estipulada para o término da restrição. A previsão é de que o racionamento continue até que o volume do reservatório Rio Juramento ultrapasse 50% da capacidade.
O superintendente informou que a meteorologia indica que chuvas intensas na região só deverão ocorrer em dezembro e janeiro, mas ainda não é possível estimar a qual índice pluviométrico será suficiente para recuperação do volume do reservatório de Juramento. Enquanto isso, a Copasa orienta os moradores a economizar. “A população precisa se conscientizar da necessidade do uso racional da água”, afirmou Botelho.
Novela repetida
Devido às sucessivas estiagens prolongadas no Norte de Minas, a população de Montes Claros já enfrentou a restrição nas torneiras de suas casas durante quase três anos. O racionamento foi iniciado na cidade em outubro de 2015, quando o nível da Barragem do Rio Juramento (então, responsável por 65% do abastecimento) caiu para 15%. A restrição prosseguiu até setembro do ano passado. As chuvas dos últimos quatro anos não foram suficientes para a recuperação da represa. Diante da redução no volume da barragem, em julho de 2017, a Copasa iniciou a construção de uma adutora com 56 quilômetros de tubulação, orçada em R$ 135 milhões, visando a evitar o colapso no abastecimento na maior cidade do Norte do estado. A captação entrou em operação em agosto de 2018 e um mês depois, a Copasa decidiu suspendeu o rodízio, que agora volta a ser enfrentado pelos moradores.
Restrição se espalha pelos rios
Nesta semana, por meio de portaria, o Igam declarou situação crítica de escassez hídrica superficial na bacia de contribuição da Barragem do Bico da Pedra, no Rio Gorutuba, no município de Janaúba, no Norte de Minas. Foi determinada a restrição da retirada de água do reservatório para várias finalidades.
A barragem é a principal fornecedora de água para o projeto de irrigação do Gorutuba, que abrange 3,1 mil hectares irrigados e cerca de 400 produtores, com grande produção de banana e de outras frutas. Também garante o abastecimento de Janaúba, cidade de 71,6 mil habitantes e de Nova Porteirinha (7,5 mil moradores). Por causa da falta de chuvas na região, atualmente, o reservatório está com menos de 15% de sua capacidade.
Com a decisão do Igam, o volume diário de água do reservatório retirado para irrigação deve ser reduzido em 25%. O instituto também determinou as restrições da captação de água para outras finalidades: consumo humano, dessedentação animal e abastecimento público (redução de 20%); consumo industrial e agroindustrial (diminuição de 30%); e demais finalidades (redução de 50% do volume outorgado).
Em outubro, o Igam já havia decretado situação de escassez hídrica do Rio Pacuí, no município de Coração de Jesus, também no Norte mineiro, onde também é feita a captação de água para abastecer Montes Claros. De acordo com resultado de monitoramento do Igam, o Pacuí teve redução de 70% da vazão normal nos últimos meses. É um dos oito cursos d'água com situação crítica reconhecida – lista que inclui o Rio das Velhas, que abastece a Grande BH.