Nas ruas, câmeras do sistema de monitoramento Olho Vivo, da Polícia Militar, rastreiam os caminhos de carros com suspeita de placas clonadas. Nos laboratórios de polícia científica, exames buscam identificar a duplicação de características de identificação, inclusive de chassis, usada para camuflar a circulação dos clones em roubos a cargas, assaltos e até em ataques a caixas eletrônicos. Se há uma percepção de que esse tipo de crime vem aumentando, as formas e as armas para fechar o cerco a ele pelas autoridades também têm se ampliado. O resultado é o aumento da identificação dos chamados “dublês” e um incremento da participação deles entre os automóveis recuperados por policiais. Neste ano, dos 5.317 veículos produtos de crimes devolvidos até outubro pela Divisão Especializada de Prevenção e Investigação ao Furto e Roubo de Veículos Automotores (Depifrva), 700 (13,7%) eram “impostores”. Já é o maior percentual desde 2015 (veja quadro).
De acordo com o delegado Fernando Andrade Alvarenga Santos, da 1ª Delegacia da Depifrva, o crime é difícil de ser identificado, enquanto os prejuízos e transtornos para os donos do veículo duplicado são inúmeros. “O mais comum é o condutor descobrir que teve seu carro clonado depois de receber multas até de outros estados. Se o dublê não for apreendido, a solução pode ser requisitar uma nova placa”, conta o policial. Contudo, o procedimento é complexo, significa mais gastos e mais mão de obra. “Para conseguir a nova placa, a pessoa terá de provar que o seu veículo não é o que foi flagrado em uma infração, por exemplo. Seria preciso algum vídeo de estacionamento, rastreio de GPS e até alguma forma de produzir essas comprovações, no mesmo horário em que o clone foi flagrado em outro local”, afirma Santos.
Segundo o delegado, há casos de pessoas que chegam a receber de 30 a 40 multas em casa, resultantes do uso de clones. São condutores que precisam recorrer para não ter de pagar fortunas e até perder suas habilitações devido ao número de pontos perdidos pelas infrações. Uma rotina bem conhecida da professora e coordenadora bilíngue Fabiana Ramos, de 41 anos. Ela foi roubada no bairro Belvedere, Zona Sul da capital, em agosto. Desde então, sofreu com inúmeros problemas, como a necessidade de refazer documentos, recuperar contatos do celular e arquivos profissionais importantes. Neste mês, recebeu outra surpresa. Uma multa por excesso de velocidade registrada por radar fixo que é operado pela BHTrans na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Santa Lúcia, Região Centro-Sul de BH. O problema é que no mesmo dia ela tinha passado por uma cirurgia e por esse motivo não poderia estar conduzindo o veículo.
Alguns dias depois, a Polícia Militar entrou em contato com o pai dela, informando que um carro de mesma placa e características que o dela foi flagrado em cenas de roubos cometidos pela cidade, inclusive na tentativa de roubar outros veículos na garagem de um prédio. “Vieram viaturas policiais para a casa do meu pai, achando que o meu carro tinha sido usado nos crimes. No mesmo dia, os policiais me ligaram para alertar sobre a clonagem”, lembra ela.
A partir daí se iniciou um intrincado processo de perseguição ao carro clonado, que se valeu inclusive das câmeras de monitoramento do programa Olho Vivo. “Tive de pegar um boletim de ocorrência (comprovando a clonagem), para não correr o risco de ser presa na rua. Nos dois dias subsequentes, me ligaram para confirmar as minhas passagens pelas câmeras, para diferenciar qual era o carro original e qual era o fraudado”, conta. Como resultado dos dias de rastreamento, um trio de criminosos foi preso, armado com uma pistola e munição. As multas ainda precisarão ser contestadas.
A chegada de uma carta do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) causou estranheza à aposentada Simone Pereira Neme, de 54, moradora de Belo Horizonte. A mensagem informava que ela deveria viajar por 384 quilômetros, até Pouso Alegre, no Sul de Minas, para liberar seu veículo. “Só que meu carro estava na garagem, não havia sido usado recentemente e muito menos chegado sequer perto do Sul de Minas”, conta.
A chegada de mais correspondências a levaram a descobrir que criminosos haviam clonado seu Volkswagem Gol. Depois, bateram o dublê e o abandonaram. Após um ano, a carta que chegou cobrava uma estadia de milhares de reais no pátio de Pouso Alegre e informava a programação de leilão do veículo, uma ameaça de muita amolação, que poderia culminar inclusive na baixa do veículo original dos sistemas do Detran. “Uma dor de cabeça enorme. Você é vítima de um crime e ainda precisa provar que está certa, ou pagar, enquanto os bandidos não são punidos”, reclama a vítima.
MÉTODOS
O delegado Fernando Santos afirma que a forma mais comum de clonagem é a adulteração das placas, mas que há quadrilhas mais sofisticadas que conseguem documentação em branco para falsificar e outras que adulteram até as gravações de chassis e em vidros. “Há falsificações que só conseguimos identificar por meio de vistoria ou exame químico-metalográfico”, destaca. Os destinos dos carros clonados são variados. “Incluindo a venda para pessoas que podem até estar de boa fé, comprando um veículo mais barato. As quadrilhas roubam um carro, o adulteram e vendem, geralmente em outras cidades e estados, mas até em outros países vizinhos do Brasil. Os clones podem ser usados ainda para cometimento de crimes. Os roubos de cargas, por exemplo, são muito comuns com carros duplicados, pois os criminosos precisam passar despercebidos em barreiras das estradas”, afirma o policial.
Quem suspeita de que seu carro tenha sido clonado, pelo recebimento de multas indevidas ou por outro motivo, deve procurar uma delegacia da Polícia Civil. Em Belo Horizonte, o local indicado é a Depifrva, na Rua Uberaba, 175, no Barro Preto, Região Centro-Sul.
''Você é vítima de um crime e ainda precisa provar que está certa, ou pagar''
Simone Pereira Neme, vítima de clonagem